A NOVA foi de ERASMUS à terra da falta de bom senso
- Catarina Rodrigues
- Jun 5
- 4 min read
E levou na mala meia dúzia de ideais plastificados, uma vontade difusa de mudança e um mapa onde o destino final é sempre o conforto. Foi com ar de quem sabe muito e vive pouco, embriagada em certezas sobre sistemas que mal compreende, e com uma língua afiada para criticar o mundo, mas incapaz de se cortar ao espelho.
Aqui, reclama-se da carga horária como se os corredores da universidade fossem minas de carvão, mas mal aparece um professor que exige mais do que a média, que trata o ensino como uma entrega humana e não um serviço de catering académico, que é imediatamente acusado de ser vaidoso, antiquado ou opressor.
Não se quer aprender, quer-se passar. Quer-se um diploma com aplausos, currículos com tachos e quotas sem espaços.
Se o professor exige, é arrogante, se não exige, é desleixado. E no fim, é sempre o sistema que falha, nunca a preguiça do estudante.
Curioso também é o compromisso político.
Denuncia-se o racismo institucional com frases copiadas de artigos que nunca se leram até ao fim. Grita-se contra o machismo, contra o classismo, contra o capitalismo, tudo com a confiança de quem nunca teve de enfrentar verdadeiramente o que denuncia.
E, no entanto, os mesmos que aplaudem estas palavras são os que votam sempre nos mesmos, os que se emocionam com o discurso bonito e esquecem o vazio por trás. Lutam com emojis. Revoltam-se com partilhas. Mas, quando chega o momento de levantar a voz, de encarar um colega, um professor, um dirigente, quando chega a hora de dizer: “Isto está errado” calam-se. Calam-se por medo. Calam-se porque nunca o disseram antes. Porque, é mais fácil ser corajoso num texto que começa com um “Desculpa, alguma coisa” do que perante algo que possa ser verdadeiramente constrangedor.
Veneram a negligência, desde que ela venha com carisma. Acreditam em causas, desde que não impliquem desconforto. E, se num domingo à noite quando o mundo lhes aparece no ecrã, numa guerra, numa tragédia, num escândalo…sentem algo. Sentem, sim, mas sentem como quem vê um filme triste. Comovem-se, mas não se movem. Suspiram, mas não agem. Sofrem durante dois scrolls e depois voltam ao vídeo do cãozinho.
São rápidos a comentar o erro do árbitro, o VAR, o penálti mal marcado…aí há paixão, há força, há convicção. Mas são lentos, muito lentos, quando se trata de enfrentar a mediocridade real. E não é que não saibam falar. Sabem falar muito bem. Sabem indignar-se. Sabem citar. Sabem teorizar. Só não sabem agir. Ou não querem. Porque a ação exige corpo. E o corpo, esse, está colado à cadeira, à desculpa, ao medo de falhar.
E o moralismo académico não falta, condenam o consumo, a exploração, o trabalho mecânico, com a solenidade de quem nunca pegou numa esfregona.
Há pena, sim…pena quase poética, por quem estuda e trabalha, mas nunca desejo de ser como eles. Quer-se liberdade, quer-se autonomia, mas sem largar o cordão umbilical dourado da mesada mensal. Vivem, por isso, esmagados por uma culpa vaga por ainda dependerem dos pais, mas recusam, no seu estoicismo folgado, a rotina do operário, o suor do salário, o horário picado. Porque isso, é indigno. Porque isso é outro mundo. E esquecem que esse mundo os espera… no fim do curso, ou no fim da ilusão.
O mundo onde ninguém lhes vai perguntar o que pensam, mas sim o que sabem fazer.
E ainda, criticam tudo, a estrutura, os professores, o curso, o país, o mundo… mas não mexem uma vírgula do que podem mudar. Não exploram, não questionam a sério, não vão ver com os próprios olhos. Falam de bolhas, mas nunca saem da sua. Falam de opressão, mas recusam-se a cair. Porque cair exige coragem. E coragem, aqui, é o mesmo que dizer que te vais candidatar a uma lista.
Aqui, prefere-se o sarcasmo à entrega. Prefere-se parecer lúcido a ser vulnerável. Prefere-se criticar quem tenta do que tentar com medo de falhar.
Vivem numa bolha decorada a slogans, onde se repete a performance da consciência sem nunca a sentir. Patos mimados num lago morno, com as penas bem arranjadas e o ego bem polido, que preferem dar voltas em círculo do que arriscar o salto para o desconhecido. O desconhecido assusta. O real assusta. O compromisso, por sinal, também assusta.
Não vivemos num jardim. Vivemos num palco. Num cenário pintado com luzes LED onde as flores são compradas em centros comerciais e os protestos são feitos com likes. Aqui, ninguém quer ver, quer ser visto. Ninguém quer mudar, quer parecer transformador.
A NOVA não foi de ERASMUS. Fugiu de si. Fugiu da frustração que dói e preferiu a revolta que entretém. E mesmo lá longe, entre conferências e selfies, o espelho vai junto. E ele ri se. Ri-se de quem grita por justiça, mas não a pratica no dia-a-dia. Ri-se de quem exige escuta, mas não sabe ouvir.
E ri-se, acima de tudo, de quem sabe tudo sobre o mundo, menos sobre si.
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