top of page

O Direito nunca será democrático

Sempre achei curiosa a mentira sobre a independência dos tribunais.

Não é mentira a noção de os tribunais serem órgãos com autonomia, mas retirar-se, dessa autonomia, esta ideia tão reiterada – de que os juízes são, de alguma forma, meros tecnocratas, e aplicadores da lei – é tão autoevidente que parece ridículo esta ter nascido de todo.

Veja-se o exemplo mais direto, mas também o mais perigoso – é o parlamento que elege 10, em 13, dos juízes do Tribunal Constitucional. Os restantes são escolhidos pelos juízes eleitos pelo parlamento. Estas são as figuras que, durante os próximos anos, e com consequências na escala das décadas, irão definir, e redefinir, conceitos como liberdade, igualdade, soberania, e casamento (para os que se importam com isso). Assim, o Tribunal Constitucional nada mais é que uma extensão da soberania política do parlamento, e, indiretamente, também são uma extensão do executivo, que, com o parlamento certo, por ele atua, e do poder do povo, que irá configurar o parlamento que os irá eleger. 

Por isso, é forçoso concluir que os juízes são políticos de toga.

Mas não temos de ir tão alto. Todos os tribunais são tribunais constitucionais, e todos têm, nas suas mãos, definições políticas para balizar. No processo penal, cabe ao juiz, pela sua vontade e opiniões, controlar a vida de todos os criminosos.

E, na escola, podemos ensinar artigos, e princípios, e procedimentos, mas não podemos nunca ensinar um jurista a ser bondoso com o seu poder. Podemos ensinar-lhe o princípio da liberdade, mas não o podemos ensinar a querer saber sobre liberdade. Damos-lhe as ferramentas, e, se assim quiser, poderá matar, desde que com a fundamentação certa.

O Estado Moderno de Direito, mais do que uma infraestrutura democrática, requer uma classe jurídica dirigente, insulada do restante mundo, que aí chegou, por uma mistura de estudo meritoso e herança corrupta, cuja palavra é valorizada pela restante sociedade porque assim se convenciona, e cuja interpretação das palavras, das doutrinas, ininteligíveis ao comum dos mortais, poderá alterar radicalmente a ordem do mundo.

Nós não somos, nem uma aristocracia, nem do povo.

Nós somos a continuação do clero.

E é por isso que nunca seremos democratas. 

A expressão máxima da Democracia no Direito seria a guilhotina.

E temos de fazer paz, e guerra, com este facto. De que somos políticos disfarçados, e que com este poder podemos ser santos, ou diabos.

Nós vemos nos Estados Unidos o que acontece quando fingimos demasiado tempo de que os juízes são neutros, e não políticos a serem criticados e atacados, como qualquer outro político. O Supremo americano é, atualmente, um dos pilares fundamentais desse fascismo, e da destruição desse Estado de Direito. Foram os doutores da lei que entregaram, de mão beijada, ao presidente americano, imunidade legal.

Entre o respeito à lei e o mal, os diabos escolherão sempre o mal.

Os santos que empreguem a lei como a arma que é, e a arremessem de volta, em nome do bem.


 
 
 

Recent Posts

See All
Carta Aberta ao Ambientalismo Vazio

Se esta é a ressonância da nossa geração, então precisamos urgentemente de afinar a frequência. Queremos ressoar com os jovens, mas o eco...

 
 
 

Opmerkingen


deixa-nos uma mensagem, fala connosco!

obrigado pela tua submissão!

© 2025 Jur.nal - Jornal Oficial dos Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa

bottom of page