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Carolina Correia

Pedaços de Mim

Aqui estou eu, a aventurar-me na prosa. Para efeitos de transparência, a ideia por detrás deste texto não foi propriamente original. Na verdade surgiu-me de algo que vi há dias, num scroll casual pelas redes sociais. A frase era algo do género: “colecionamos tantas peças de pessoas que amamos ao longo da vida, que somos um mosaico de toda a gente que alguma vez amámos (mesmo que apenas por um segundo)”.


Além de ser uma ideia bastante bonita, fez-me refletir. É evidente que, no dia-a-dia, vamos apanhando diferentes frases, expressões, tiques e manias das pessoas com quem mais tempo passamos; aprendemos com elas, partilhamos vivências, temos conversas marcantes… Mas será que tudo isto perdura, mesmo quando essas mesmas pessoas saem da nossa vida? Será que toda a gente que se cruza no nosso caminho e deixa uma marca (por pequena que seja), deixa connosco uma parte de si? Será por isso que custa tanto quando os caminhos se descruzam; que essa dor vai ecoando pelos anos que passam?


Pus-me a pensar. Rapidamente me apercebi que até hoje eu como primeiro o que gosto menos no prato (para deixar o melhor para o final), como me ensinou a minha educadora de infância, e que me acalmo assim que oiço a letra do “encosta a tua cabecinha no meu ombro e chora”, porque ela me cantava essa música quando eu estava triste (o que será feito da Elisa…). Que o meu animal preferido é a raposa porque o meu avô me chamava a sua raposinha. Que toquei violino porque com cinco anos fui a um concerto e me fascinei pela violinista, que reparou e passou o tempo todo a sorrir para mim, e que comecei a aprender ukelele sozinha porque alguém do conservatório me disse (quando desisti do violino) para, dali a uns anos, “pegar numa guitarra ou qualquer coisa do género”, que eu conseguiria de certeza e que me faria bem. Que gosto de usar cor-de-rosa porque me lembro da minha diretora de turma preferida, que uma vez me disse que era “a minha cor” (a professora Eleonora fez-me gostar de artes…). Que ganhei um amor pelo flamenco para a vida, porque por sorte se cruzou no meu caminho uma professora e bailarina incrível, que me ensinou muito (quem me dera ter metade da alegria da Tatiana). Que ainda sorrio quando canto porque uma professora querida me ensinou, no 1º ano, que “a música fica mais bonita quando estamos a sorrir, essas coisas dão para ouvir” (já nem me lembro do nome dela…), e porque a professora Inês tantas vezes me chamou para a frente de todos no coro para “verem o sorriso da Carolina a cantar esta música e fazerem como ela”. Que continuo a usar o meu colar com uma estrela porque era o nome carinhoso que dava a uma amiga (sei que continuas a ser uma estrelinha na vida de toda a gente, Susanita). Que já vi a série “Gilmore Girls” 3 vezes porque uma amiga do secundário a recomendou uma vez (saudades tuas, Nês). Que sei de cor a “Ouvi dizer” dos Melim por todas as manhãs passadas a cantá-la com o meu colega de mesa da escola, nas aulas de matemática (António, meu salvador do 11º ano).


Sei que hoje não estaria em Direito não me tivessem o professor Francisco e a professora Luísa, de português, encorajado a fugir das ciências e seguir o meu rumo (fosse ele qual fosse). Que não teria continuado a cantar se não fosse o sussurro da professora Inês quando se despediu de mim: “por favor não deixes de cantar quando eu me for embora” (estas saudades são das que mais doem até hoje…). Que não estaria aqui a escrever não fosse a professora Beatriz do colégio ter-me dado a confiança que eu precisava ao pôr-me à frente do jornal escolar.


Acho que todas as músicas que já ouvi, os livros que li, os filmes que vi, as coreografias que dancei, os sítios que visitei, as coisas que vivi, deixaram uma marca e fazem parte de mim, mesmo aqueles que há anos ficaram para trás e, aparentemente, caíram no esquecimento.


Somos sim mosaicos. Somos construções imperfeitas mas coesas de tudo e todos os que por nós passaram e, por um ou outro motivo, nos deixaram. É por isso que, passados anos, ainda penso em todos os excelentes professores que passaram pelo meu percurso, ainda sorrio quando estou a cantar em atuações da tuna, ainda tenho uma obsessão por raposas, ainda me lembro da Inês sempre que vejo a Rory Gilmore na televisão, ainda fecho os olhos quando oiço o som de um violino, ainda passo as mãos com carinho pela estrelinha no meu colar, ainda me acalma ouvir música brasileira, e ainda dói lembrar-me da professora Inês. Dói? Esta dor é uma dor bonita, mas não deixa de ser dor…


Fomos feitos para o vaivém da vida, para vermos as pessoas irem e virem como se fosse um aeroporto em época alta. Mas dói. Dói precisamente porque elas deixaram para trás um pedaço de si, e dói porque, de uma maneira ou de outra, em maior ou menor medida, as amámos e elas nos amaram a nós. Talvez nunca mais tenhamos falado com elas, mas elas vão vivendo dentro de nós todos os dias, muitas vezes sem sequer nos apercebermos, nos nossos gestos mais mundanos e nos nossos hábitos mais irrefletidos.


É bonito pensar na marca que podemos também deixar no caminho dos outros. Quem sabe não estarei eu na “lista” de alguém. Podemos ter sido feitos para o “entra e sai” que é a vida, mas as pessoas que realmente importaram nunca sairão de nós, por mais que o passar do tempo e o sopro da memória as tentem apagar.


Por isso, a todos cujos caminhos se cruzaram com o meu (e depois se descruzaram), e deixaram uma marca positiva: obrigada. Vocês são as minhas partes preferidas de mim. São o que muitas vezes me aquece o coração nos dias cinzentos. São a felicidade e o conforto das boas memórias, e o impulso do meu futuro. São pedaços de mim.

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