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João Pedro Coelho

Qualquer semelhança com a realidade é simplesmente acidental

Suponhamos, por razões meramente recreativas, que num dia aleatório, tive uma aula da cadeira X com um professor Y. - quem nunca o supôs, que atire a primeira pedra.

Depois de um elegante atraso de 7 minutos - quase ao nível de uma Elizabeth Taylor a chegar propositadamente atrasada ao próprio funeral - Y entrou na sala, lamentando 168 vezes pela demora. Qual fora a causa do atraso? Talvez um problema pessoal ou, porventura, uma avaria no carro? Ninguém sabia. Permaneceu o mistério.


Tendo enfrentado alguns problemas técnicos (um misto entre uma trágica mudança de cabos e um tedioso projetor anómalo), Y teve de recorrer à prestável ajuda técnica que, como David defrontou Golias, resolveu o problema herculeamente retirando um cabo que estava incorretamente posicionado.


Já com o equipamento efetivamente pronto, Y estava agora pronto para começar a aula de X.


Nos primeiros 20 minutos, Y parece perder-se na emoção do mundo dos camiões, referindo todos os aspectos divertidos que lhe são inerentes (dos fabulosos preços aos míticos cartéis de camiões). De seguida, achando os alunos ingénuos que iam de facto fazer exercícios da cadeira X, o nosso caro Y inicia uma elucidação deslumbrante sobre o pensamento “fora da caixa”, - uma expressão que me traz uma repulsa física - estando acompanhado por um diagrama aparentemente muito importante. Inevitavelmente (para Y é sem dúvida inevitavelmente), a conversa leva-o a um mistério do detetive britânico Sherlock Holmes.


Percebendo agora toda a importância de pensar “fora da caixa” (quer seja para resolver um mistério de um cavalo furtado ou para a vida em geral), Y lança uma pergunta para o ar: “o que é que estamos aqui a fazer?”. Pois, amigo, não faço a mínima ideia.


Sem dar resposta à pergunta por si mesmo lançada, avança abruptamente, dizendo com uma certa voracidade a palavra “térmitas”, acrescentando que íamos agora, por fim, “estudar o mundo das térmitas”. O ânimo no rosto dos alunos era simplesmente inexplicável (ou inexistente, caberá a dedução ao leitor).


Depois da entusiasmante exposição sobre o mundo das térmitas e da sua ligação à arquitetura, Y inicia uma explicação sobre a importância de trazer os nossos hobbies para o trabalho, dando o exemplo de uma colega que, a partir do momento em que trouxe o seu hobbie para o escritório, viu o seu desempenho melhorar drasticamente - suponho que, se os hobbies desta senhora fossem, por exemplo, o boxe ou o esqui, a situação seria ligeiramente diferente.


Depois de outra exposição brilhante, já tendo passados 49 minutos do início da aula, Y afirma com assertividade “agora vamos ao que interessa”. Os alunos, mais uma vez ingénuos, pensaram que agora, efetivamente iam começar a fazer exercícios. Mas não. O divertido e interessante Y tinha outros planos. Passa o slide, com um certo suspense, e vemos, escrito a letras garrafais, a expressão “MODELOS MENTAIS”.


De seguida, com o seu charme já característico, Y afirma: “não sei se gostam da história da aviação”. Momentos depois, lá estava ele, todo contente, a explicar toda a história da aviação, incluindo o famoso Princípio de Bernoulli, chegando até a mostrar um slide com um desenho a explicar o funcionamento de uma asa (sendo a termodinâmica um assunto fundamental para um aluno de direito, como todos sabem).


Com um sorriso na cara, Y lamenta que tinha um “slide de medicina”, mas que decidiu tirar, visto que achou serem “muitos slides”. Muitos slides, caro Y? Suponho que o nosso meigo Y não conheça o termo “muitos”, dado que, anteriormente, mostrara 247 slides sobre a termodinâmica, mas adiante…


Querendo dar à aula um cheirinho dos Current Affairs, o versátil Y inicia uma explanação sobre o controverso “Pacote Mais Habitação”, coisa que imediatamente fez torcer o nariz dos neo-liberais no local.


De seguida, os alunos tiveram a sorte de ouvir uma “breve” exposição (de 17 minutos) sobre os “five whys” (tendo passado por histórias divertidas sobre Jeff Bezos e sobre o Lincoln Memorial).


A 20 minutos do final da aula, Y pergunta se alguém sabia o que eram biónicos. “Ufa” pensei eu “ao menos há pessoas que sabem… Não estava para ouvir outra história sobre biónicos.” Que tolo que sou. Sim, ouvimos mais histórias sobre biónicos e sobre legos e sobre cavalos a comerem cenouras e sobre outras coisas decerto fundamentais para o futuro.


“No próximo dia, vamos falar de criatividade”, diz calorosamente o nosso gentil e afável Y.

Aguardarei.


A aula era de quê? Pois, eis a questão.


Até para semana



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