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Revolução

O dia inicial inteiro e limpo de Sophia: é por ele que nos movemos. É por saber que se em algum dia, a qualquer hora, sentirmos que nos amputam as liberdades, a dignidade, que nos tiram o fôlego e o espaço - físico e psicológico - de que precisamos, ela irrompe, destemida e sem olhar para trás: a Revolução. Bem sei que prontamente me vão chamar de extremista, mas, digam-me, o que há a fazer quando a ordem se desordenou? Ou quando nunca a ordem se conheceu? Por outras - mais conhecidas - palavras: Quando o pão que comes sabe a merda, o que faz falta?; Quando nunca a infância teve infância, o que faz falta? A Revolução é, pois, - só pode ser, sempre - a resposta a estas questões. Dirá o Tomás que há Revoluções que não mereciam sair dos pensamentos dos Revolucionários, porque se limita a trazer ainda mais desordem - o pão passa a saber ainda mais a merda. Pois bem, o que lhe digo é o seguinte: a Revolução é sempre a resposta e, no caso em que não resolva a desordem e, mais, se a agravar (ainda menos liberdades, direitos, garantias) continuará a ser a resposta, porque enquanto a desordem anterior à Revolução é-lo intrinsecamente, a hipotética desordem pós-Revolucionária é boa na origem, não é propositada originalmente, é - foi - bem-intencionada, montou-se com o propósito da libertação dos povos das amarras - políticas, sociais, económicas - de um qualquer governo opressor. O que eu quero dizer é que quem procede à Revolução não o faz, nunca, com o intuito de se tornar, também ele, opressor - se assim fosse, não existiriam Revolucionários, o que seria uma tremenda perda para a sociedade; mas sim, por vezes tal acontece: a Revolução degenera em continuidade de opressão e repressão, e nada se altera - Revoluções estéreis - mas por motivos ao Seu espírito idóneo e impoluto totalmente alheios, razões essas que não vêm, agora, ao caso.


E digo mais: tu, Tomás, que defendes o conservadorismo, a mudança progressiva e lenta, a evolução na continuidade… esqueces-te de que há povos que precisam da Revolução! Será que alguém defende uma descontaminação gradual de regime para ditaduras como a da Coreia do Norte? É isso que defendes? Ó! Só medidas drásticas terão sucesso! E tu bem o sabes. Terá de ser feita a Revolução rapidamente e em força. E se tiver de haver sangue, que haja! A liberdade, por vezes, vale mais que a vida de um Homem, pá. Continuando a luta: os Revolucionários são os heróis da sociedade! São o megafone das tímidas vozes discordantes, são os que insurgem, porque se nos insurgimos é que tudo pode voltar a ser do nosso agrado - e o nosso agrado é que conta, pá!, nós, o povo oprimido; não aquelas meias-dúzias que nos oprimem a seu bel-prazer! Os Revolucionários são os verdadeiros polícias e juízes da sociedade: e o seu - o nosso - juízo, a nossa sentença é a Revolução. Revolva-se! Abane-se tudo! Lamento, mas não suporto habitar sociedades vigiadas por Grandes Irmãos que nos mandam dizer que dois mais dois são afinal cinco, ou três. Meus amigos, a liberdade é poder realizar algo que ainda se não pode ou não consegue. Por conseguinte, a liberdade só se almeja com a luta, com a Revolução, porque só pode ser Ela a dar-nos o que ainda não temos. E eu - leiam bem agora, leiam de novo, se precisarem - preferirei sempre morrer a lutar pela liberdade do que ter de me habituar a trocar sorrisos (amarelos) com a ignóbil ideia de que dois mais dois, afinal, são cinco (ou três - mas nunca quatro: heresia). Mas há quem alinhe pela diapasão da imobilidade e goste de conviver com quem desafia as verdades necessárias da matemática, não é assim Tomás?


(R)Evolução


Revolução é overrated. Pergunta a qualquer pseudo-intelectual de meia-tigela o que querem e é muito provável que respondam “Revolução”. Mas quem os pode culpar? Têm sido alimentados com falsos sonhos de mudança súbita, drástica e positiva desde criança. Hollywood sempre usou o virtuoso revolucionário como herói. Os filmes Star Wars, por exemplo, são uma óbvia ode à luta pela liberdade contra a tirania, mesmo sendo ofuscada pelas explosões e batalhas especiais. Shape of Water, o filme sensação deste ano, também têm alguns traços revolucionários, expostos pela cambada de socialmente inadaptados que corajosamente lutam contra o opressivo governo Americano simbolizado por Strickland para salvar o pobre deus ab aquis. Mas esta afeição pela rebelião não existe só nos filmes. Basta pensar na quantidade de jovens que orgulhosamente usam t-shirts vermelhas com a cara de um assassino e racista, um dos homens mais deploráveis da história moderna, estampada na parte da frente. Basta pensar na quantidade de miúdos que, convencidos pela internet, usam a máscara do Guy Fawkes para simbolizar o seu ódio pelo “establishment”, sem saber que esta foi provavelmente feita por uma empresa representativa do tal “establishment” numa fábrica Chinesa, por outros miúdos da mesma idade. E basta pensar nos milhares indivíduos que passam o tempo a gritar por revolução no twitter e em redes sociais semelhantes, com a foice e o martelo ou uma bandeira negra ao lado do seu nome, saber bem o que esta é, ou o que pode vir a ser, de modo a demonstrar ao mundo que são “woke”. A revolução está tão entranhada, tão enraizada, nas nossas crenças que qualquer pessoa contra é automaticamente etiquetada como um conservador ignorante que prefere ver o mundo a andar para trás em vez de para a frente enquanto lambe e beija as botas do maléfico e avarento capitalista monopolista que secretamente controla o mundo, ou algo parecido. Pelo menos é esta a resposta que eu, um dos mal-afamados “sheeple”, recebo quando falo com adeptos da revolução em geral. 


É semelhante às ofensas lançadas ao filósofo Irlandês Burke há uns 225 anos atrás, quando se tornou no maior oponente da revolução Francesa. Tal como eu, Burke não era contra todas as revoluções. Ele apoiou os revolucionários Americanos, e defendeu a emancipação dos Irlandeses e dos Indianos, aliás, foi esta defesa da emancipação que levou à sua ostracização política em 1794. No entanto, a Revolução Francesa era por ele vista como uma nódoa no liberalismo e no iluminismo que assolou o fim do século XVIII, e como um detonador que iria despoletar séculos de caos e dor no continente Europeu. As décadas de guerra e instabilidade, e de literal Terror, que se seguiram são a prova de que Burke estava surpreendente à frente do seu tempo. A revolução, no início, tem só boas intenções, mas como o velho ditado nos conta, é de boas intenções que o caminho para o inferno está pavimentado. A mudança verdadeiramente positiva não é aquela que é construída em cima dos destroços e ruínas de uma sociedade anterior, mas uma que se vai lentamente instalando na sociedade, através de ativistas e eleitores, não através de milícias sanguinárias equipadas com metralhadoras e boinas vermelhas. É isto que os “woke millenials” que defendem a revolução não entendem. Para estes, a revoluta não passa de moda (por vezes literalmente) e, portanto, não conhecem as consequências que estas podem ter. Está na altura da sociedade acabar com esta romantização da rebelião e promover, por outro lado, a análise crítica das nossas tradições e costumes, tal como o protagonista do filme Black Panther, T’Challa, fez, ao recusar a obediência cega ao passado e o progressismo radical de Killmonger. Ninguém seriamente oposto à revolução o é porque esta representa a mudança, aliás, o próprio Burke disse: “Um Estado sem forma de mudar não tem forma de conservar”. Apenas somos contra a revolução defendida só porque é revolução, e a revolução que se destina à obliteração do nosso passado.

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