top of page
Pilar Passos

Síndrome dos 20’s

Quando cheguei a esta cidade não gostava dos autocarros. Achava que eram desconfortáveis, sujos e quentes, por isso, preferia o metro. Agora, passado dois anos, consigo perceber a magia e a diferença que existe entre ter trocado o soturno metro pelas viagens matinais no autocarro (apesar de, não poder negar que este continua desconfortável, sujo e quente). A magia passa-se nos bancos da frente, mais próximos da porta de saída, pois é aí que se consegue ouvir as conversas das pessoas que já tem (quase) sempre uma certa idade e que se encontram sentadas nos bancos vermelhos.


Fico fascinada com as suas histórias (mesmo que sejam mentira ou bastante exageradas), e opiniões. Parece que naquela viagem de meia hora consigo fugir um pouco à realidade que me espera e sentir a paz e tranquilidade de quem já viveu a vida que tinha por viver e aprendeu a deixar todas as preocupações para trás. Muitos deles apanham aquela carreira todos os dias, simplesmente para terem alguém com quem conversar. Eu nunca me junto aos diálogos intermináveis, mas estou sempre de espreita, à escuta, curiosa. Todas estas conversas, independentemente do seu assunto, seguem a linha de pensamento de que “já nada é igual e que tudo é diferente” e ficam a discutir tal assunto horas, mesmo que não se conheçam, sempre de modo engraçado e com ar despreocupado, pois assumem que tudo o que pode acontecer (mesmo que seja o fim do mundo), já não vai ser da conta deles, mas sim da nossa - a não ser num caso muito excecional em que Portugal fosse dominado pela Espanha, porque isso sim é um assunto que os preocupa até hoje, um assunto que puxa o “imagina se tivesse sido assim”, qual aquecimento global qual quê, “isso não existe, porque no meu tempo não era assim”. De resto, apenas gostam de ficar a contemplar o passado, pois foram os seus melhores anos, os anos em que eram as personagens principais de todas as histórias.


Há duas fases na nossa vida em que as preocupações são deixadas para trás e eu, (como todos nós, creio) já passei a primeira. O que me preocupa é que passei a primeira e, desde que vim para esta cidade, tentei passar para a segunda com quarenta anos de antecedência. Segundo o meu diagnóstico estou a sofrer de síndrome dos 20’s (ou como alguns preferem chamar, síndrome de Peter Pan). Tal como os senhores dos bancos, também eu sonho acordada com o passado, a minha vida antes de Lisboa, antes das

responsabilidades, da pressão, da constante necessidade de fazer “coisas” (seja lá o que isso for) para sentir que não estou a ficar para trás. Sonho com o passado porque sei que era onde eu me considerava a personagem principal, onde não duvidava de mim mesma, onde não me sentia com medo de ter iniciativa, medo de falar e de ser ouvida. É um refúgio de onde não quero sair, pois tudo nele é previsível e não tenho de crescer. Espero um dia conseguir falar tão facilmente sobre o futuro como falo sobre o passado.

Espero um dia voltar a alcançar esta versão de mim que é confiante e que sabe minimamente o que está a fazer (se calhar nem é suposto sabermos, mas isso já é outra conversa). Espero um dia não ter medo de crescer e, quem sabe, daqui a quarenta anos, estar também eu sentada nos bancos vermelhos, a falar sobre como a minha vida me correu bem, de que “já nada é igual e que tudo é diferente” e de olhar para os meus problemas atuais como agora olho para os problemas da minha adolescência. Espero.


Excerto: “Tal como os senhores dos bancos, também eu sonho acordada com o passado, a minha vida antes de Lisboa, antes das responsabilidades, da pressão, da constante necessidade de fazer “coisas” (seja lá o que isso for) para sentir que não estou a ficar para trás (...) É um refúgio de onde não quero sair, pois tudo nele é previsível e não tenho de crescer. Espero um dia conseguir falar tão facilmente sobre o futuro como falo sobre o passado.”

46 views

Recent Posts

See All

Comments


bottom of page