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À minha frente sentava-se uma mulher

Beatriz Russell

À minha frente sentava-se uma mulher em cujas rugas se inscrevia o cansaço de muitas décadas de vida, mas também a reflexão face à mudança dos tempos que apreendia ao observar o seu redor.


Notavelmente religiosa, não tivesse esta a cabeça coberta por um longo lenço que contava cinco voltas em torno de si mesma e, ademais, uma camisola excessivamente comprida com o rosto de “nossa senhora de algures” impresso, observava expressivamente o desenvolvimento da segunda geração depois de si.


Os cabelos longos ou curtos ao descoberto, de cores diferentes e chamativos. Os decotes, costas abertas, saias acima dos joelhos e não abaixo como foi costume outrora. Enfim, uma cambada de heresias destinadas a chamar a atenção, mas que, no fundo, desejava, ela própria, que nos seus tempos tivesse tido a liberdade de se expressar de tal forma, afastando rapidamente esse pensamento com receio de pecar. Não, prefiro viver humildemente. A minha vida foi dura, mas, pelo menos, sempre tive o conforto de saber que Deus tinha um desígnio guardado para mim, coisa que os jovens, hoje, dificilmente conseguem afirmar. Encontram-se desviados. É uma pena, julgava ela.


E, de facto, é uma pena que o fim dos papéis sociais opressivos tenha gerado, por fim, uma crise existencialista profunda que se abate sobre os mais novos que, hoje, podendo identificar-se com qualquer coisa acabam por não se identificar com nada, questionando frequentemente a sua razão de ser.


 
 

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