Track 1 – Travessia do deserto
Melopeia: “É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo.”
Bela merda, e agora?
“Que caminho tão longo
Que viagem tão comprida
Que deserto tão grande
Sem fronteira nem medida
Águas do pensamento
Vinde regar o sustento
Da minha vida
Este peso calado
Queima o sol por trás do monte
Queima o tempo parado
Queima o rio com a ponte
Águas dos meus cansaços
Semeai os meus passos
Como uma fonte
Ai que sede tão funda
Ai que fome tão antiga
Quantas noites se perdem
No amor de cada espiga
Ventre calmo da terra
Leva-me na tua guerra
Se és minha amiga
Que caminho tão longo
Que viagem tão comprida
Que deserto tão grande
Sem fronteira nem medida
Águas do pensamento
Vinde regar o sustento
Da minha vida
Este peso calado
Queima o sol por trás do monte
Queima o tempo parado
Queima o rio com a ponte
Águas dos meus cansaços
Semeai os meus passos
Como uma fonte
Ai que sede tão funda
Ai que fome tão antiga
Quantas noites se perdem
No amor de cada espiga
Ventre calmo da terra
Leva-me na tua guerra
Se és minha amiga
Que deserto tão grande”
Track 2 – Queixa das almas censuradas
Melopeia: “Sabes filho, podes não concordar com os professores, mas tens de lhes obedecer.”
“Sabes filho, o tio pode ser parvo, mas é família.”
“Sabes filho, quando eu falo, tu comes e calas-te.”
Avô, agora ando armado em jornalista como tu. Orgulhas-te de mim? Avô, agora ando armado em comuna e bi. Odeias-me?
“Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
Mais um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola
Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma de uma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade
Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência
Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro
Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos conosco
Quando estamos sós
Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo
Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro
Dão-nos a capa do Evangelho
E um pacote de tabaco
Dão-nos um pente e um espelho
P'ra pentearmos um macaco
Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura
Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante
Dão-nos um nome e um jornal
Um avião e um violino
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino
Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida nem é a morte...”
Track 3 – Vá… Vá…
Melopeia: O dia acordou! Vai uma aula em falta e um saca-rolhas na mala, um café na baixa mas o chá é lá em cima, uma piadola na minha boca e um beijo na tua, uma festa na sexta-feira para recuperar da feira a que fui no feriado, um pulo na passadeira para depois passear a pança na padaria, um telefonema da família por atender porque estava a fumar e a foder numa orgia, um coma alcoólico para me distrair de qualquer estilo de vida metódico monótono porque só o caótico me cativa, as ruínas do raio da minha religião que querem ressuscitar, as reminiscências de remorsos a reprimir, e uma revolução para resolver assim que acordar amanhã.
Eu nunca durmo. Eu quero tanto dormir.
“Quando estou sentado à mesa deste café
Sinto vocação de pensador engagé
Mas o peso da consciência no peito
Não consigo suportar este remorso
Tenho que fazer um pequenino esforço
Vou mudar de vida, ai isso é que vou!
Ponho escritos sobre a mesa deste café
Ponho escritos na consciência de boa fé
Mas o peso da coerência no peito
Não consigo suportar este remorso
Tenho que fazer um pequenino esforço
Vou mudar de vida, ai isso é que vou!
(Vá... vá...)
Amigo, sente-se à mesa deste café
Vou fazer-lhe uma surpresa por ser quem é
Trago uma velinha acesa no peito
Não consigo suportar este remorso
Tenho que fazer um pequenino esforço
Vou mudar de vida, ai isso é que vou!
(Vá... vá...)
[Instrumental]
Mas nem tudo são desgraças neste café
Eu vou-me ligar às massas deste café
P'ra ver se esta dor me passa no peito
Não consigo suportar este remorso
Tenho que fazer um pequenino esforço
(Vou mudar de vida, ai isso é que vou!)
(Vá, vá...)
Sim?
Pois, quer dizer...
Bem... Sim, sim
Não, nem tanto
É pá... percebes, pá? Isto, pá...
Quer-se dizer, pá... Enfim, pá
Vou, vou, 'tá bem
É pá, é tudo uma questão de coerência, não é? Coerência...
Pronto, pronto
Bem, 'tá bem... É pá...
'Pera aí, pá, 'pera aí, pá, 'pera aí, homem!
É pá, não, pá
Vá, vá
Bardamerda...”
Track 4 – A morte nunca existiu
Melopeia: “Nós, comunistas, somos todos homens mortos em licença. Disso tenho plena consciência. Não sei se vão prolongar a minha licença ou se terei de me juntar a Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo. Em todo o caso, aguardo o vosso veredicto com compostura e serenidade interior. Porque sei que, seja qual for o vosso veredicto, eventos não podem ser parados.”
Foi o que Eugen Leviné disse antes de ser executado. 1919. Eugen, Karl e Rosa. Todos mortos, mártires da revolução. E os eventos foram parados, Eugen. A maior fraqueza dos revolucionários da época foi, talvez, a sua tendência a serem vulneráveis a balas, até serem eles os que se habituaram a balear.
A verdade é que eles morreram, e mataram, por nada. Porra, o Zé Mário também, não é mesmo? Deus não os reivindicou como a Cristo. A revolução falhou, vencida pelo capital e corrompida por tiranos. Se a morte não existisse, e eles vivessem para viver o século que passou, chorariam?
Não importa. A verdade é que a morte da revolução não existe. Não a de Marx e Lenine, esses sim, morreram, enterremos os seus cadáveres, mas enquanto o mundo for feito, de mudança o será.
“Tudo o que for vivente tem
Uma queixa que o percorre
E quando um dia a vida morre
A morte morre também
Essa já não mata ninguém
Onde nasceu se sumiu
Só p'ra esse corpo serviu
Ali fez as contas do Porto
Não vai de um p'ra outro corpo
Porque a morte nunca existiu
A morte não sai p'rá rua
Nem anda de terra em terra
E quando um dia a vida degenera
A morte, cada um tem na sua
Essa já não continua
Onde nasceu foi acabada
Depois foi ser enterrada
Com o corpo debaixo de chão
Mesmo nessa ocasião
Foi pela vida gerada
Onde é que essa morte está?
Onde tem no acampamento
P'ra matar milhares ao mesmo tempo
Uns no estrangeiro, outros cá
Essa morte não haverá
P'ra que faça tanto corte
'Inda mesmo que seja forte
Que haja isso, eu não acredito
Estragou-se o sangue, perdeu o esp'rito
A vida passou à morte
Como é que podia ser
Uma morte só ter tanta substância
O mundo tão grande distância
P'ra tanto vivente morrer
Cada um tem de a sua ter
E pela vida é que é fundada
Qu'ela que anda de estrada em estrada
Ninguém tenha esse abismo
Desde que para o maquinismo
É que fica a morte formada
Desde que para o maquinismo
É que fica a morte formada”
Track 5 – Fado da tristeza
Melopeia: Quando vives tanto tempo habituado à miséria, felicidade parece uma piada de mau gosto. Não confias nela, e estabeleces critérios tão altos para ser feliz, porque queres testá-la, e queres que falhe. Eu estabeleci duas linhas-mestre para a minha vida: a política, e a arte. Serei feliz quando todos tiverem paz, pão, habitação, saúde, e educação. E serei feliz quando conseguir escrever algo tão bonito que ninguém precise de tais utopias.
É tudo o que consigo dar.
“Ce qu'on appelle raison de vivre est en même temps une excellente raison de mourir. ”
“Não cantes alegrias a fingir
Se alguma dor existir a roer dentro da toca
Deixa a tristeza sair
Pois só se aprende a sorrir
Com a verdade na boca
Deixa a tristeza sair
Pois só se aprende a sorrir
Com a verdade na boca
Quem canta uma alegria que não tem
Não conta nada a ninguém
Fala verdade... a mentir
Cada alegria que inventas
Mata a verdade que tentas
Porque é tentar a fingir
Cada alegria que inventas
Mata a verdade que tentas
Porque é tentar a fingir
Não cantes alegrias de encomenda
Que a vida não se remenda
Com morte que não morreu
Canta da cabeça aos pés
Canta co'aquilo que és
Só podes dar o que é teu
Canta da cabeça aos pés
Canta co'aquilo que és
Só podes dar o que é teu
Não cantes alegrias de encomenda
Que a vida não se remenda
Com morte... que não morreu
Canta... da cabeça aos pés
Canta co'aquilo que és
Só podes dar o que é teu”
Track 6 – Fado Penélope
Melopeia: “Il n'y a qu'un problème philosophique vraiment sérieux : c'est le suicide. ”
“Sagrado é este fado que te canto
Do fundo da minh'alma tecedeira
Da noite do meu tempo me levanto
E nasço feito dia à tua beira
E nasço feito dia à tua beira
Passei por tantas portas já fechadas
Com a dor de me perder pelo caminho
A solidão germina nas mãos dadas
Que dão a liberdade ao passarinho
Que dão a liberdade ao passarinho
E enquanto o meu amor anda em viagem
Fazendo a guerra santa ao desespero
Eu encho o meu vazio de coragem
Fazendo e desfazendo o que não quero
Fazendo e desfazendo o que não quero
A fome de estar vivo é tão intensa
Paixão que se alimenta do perigo
De o chão em que se inscreve a minha crença
Só ter por garantia ser antigo
Só ter por garantia ser antigo”
Track 7 – Qual é a tua, ó meu
Melopeia: Qual é a tua, ó meu? Revolucionário, tu? AH! Que fazes tu, votar e escrever? É isso que consideras dar à comunidade? Vai mas é arranjar trabalho e quando pagares impostos falamos, não vales de nada ao povo a chuchar no dedo fechado em casa! Vá, sai do Twitter e faz-te à vida, ó camarada!
“Qual é a tua, ó meu
Andares a dizer "quem manda aqui sou eu"?
Qual é a tua, ó meu?
Nesse peditório o pessoal já deu
Qual é a tua, ó meu
Andares a dizer "quem manda aqui sou eu"?
Qual é a tua, ó meu?
Nesse peditório o pessoal já deu
Com trinta por uma linha, esburacaste a Liberdade
E a Alegria
É só puxar a Pontinha, cai o Carmo e a Trindade
No mesmo dia
Com tanta Ladra no mundo, o teu Rato andava à caça
Dos sapadores
Quanto mais a dor dá fundo
Menos a gente acha Graça aos ditadores
Qual é a tua, ó meu
Andares a dizer "quem manda aqui sou eu"? (tira a mão da papeleta)
Qual é a tua, ó meu?
Nesse peditório o pessoal já deu
Qual é a tua, ó meu
Andares a dizer "quem manda aqui sou eu"?
Qual é a tua, ó meu?
Nesse peditório o pessoal já deu
O Intendente semeou, o Desterro e o Calvário
Sem nenhum dó
Mas Santa Justa acordou, porque a Voz do Operário
Não Fala-Só
Pedes Ajuda e Mercês
Mas só Palhavã vais pondo
No nosso prato
Engarrafa-se o Marquês e cai o Conde Redondo
Mais o Beato (o'vistes, pá?!)
Qual é a tua, ó meu
Andares a dizer "quem manda aqui sou eu"?
Qual é a tua, ó meu?
Nesse peditório o pessoal já deu (vamos embora)
Qual é a tua, ó meu
Andares a dizer "quem manda aqui sou eu"?
Qual é a tua, ó meu?
Nesse peditório o pessoal já deu
Sem Socorro, ardeu-te a tenda, mas tu ficas Entrecampos
A ver se escapas (até choras)
Mas como não tens Emenda, vais com Baixa de sarampo
Para a Buraca
Não é possível meter Águas Livres numa Bica
Como tu queres
Quem pensa assim, podes crer, Campo Grande onde Benfica
É nos Prazeres ('Tás a ouvir, ó Meco?)
Qual é a tua, ó meu
Andares a dizer "quem manda aqui sou eu"?
Qual é a tua, ó meu?
Nesse peditório o pessoal já deu (tira a mão da fruta)
Qual é a tua, ó meu
Andares a dizer "quem manda aqui sou eu"?
Qual é a tua, ó meu?
Nesse peditório o pessoal já deu
Nesse peditório o pessoal já deu
Nesse peditório o pessoal já deu
Pa-ra-pa-pa (confere)”
Track 8 – Eu vim de longe, eu vou para longe (“Chulinha”)
Melopeia: A esperança é a última a morrer, e morrerá depois de todos nós.
Portanto, abençoemos a alvorada da nova revolução! Sonhemos em prol do proletariado, qualquer o termo com que descrevamos a opressão, criemos novos mártires e musas! Avante o próximo Ismo!
“Eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida. Que sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança, como bola colorida, entre a mãos de uma criança.”
“Quando o avião aqui chegou
Quando o mês de maio começou
Eu olhei para ti
E então eu entendi
Foi um sonho mau que já passou
Foi um mau bocado que acabou
Tinha esta viola numa mão
Uma flor vermelha noutra mão
Tinha um grande amor
Marcado pela dor
E quando a fronteira me abraçou
Foi esta bagagem que encontrou
Eu vim de longe, de muito longe
O que eu andei p'ra aqui chegar
Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe
Onde nos vamos encontrar
Com o que temos p'ra nos dar
E então olhei à minha volta
Vi tanta esperança andar à solta
Que não hesitei
E os hinos que cantei
Foram frutos do meu coração
Feitos de alegria e de paixão
Eu vim de longe, de muito longe
O que eu andei p'ra aqui chegar
Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe
Onde nos vamos encontrar
Com o que temos p'ra nos dar
Quando a nossa festa se estragou
E o mês de novembro se vingou
Eu olhei p'ra ti
E então eu entendi
Foi um sonho lindo que acabou
Houve aqui alguém que se enganou
Tinha esta viola numa mão
Coisas começadas noutra mão
Tinha um grande amor
Marcado pela dor
E quando a espingarda se virou
Foi p'ra esta força que apontou
Eu vim de longe, de muito longe
O que eu andei p'ra aqui chegar
Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe
Onde nos vamos encontrar
Com o que temos p'ra nos dar
E então olhei à minha volta
Vi tanta mentira andar à solta
Que me perguntei
Se os hinos que cantei
Eram só promessas e ilusões
Que nunca passaram de canções
Eu vim de longe, de muito longe
O que eu andei p'ra aqui chegar
Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe
Onde nos vamos encontrar
Com o que temos p'ra nos dar
Quando finalmente eu quis saber
Se 'inda vale a pena tanto crer
Eu olhei para ti
E então eu entendi
É um lindo sonho p'ra viver
Quando toda a gente assim quiser
Tenho esta viola numa mão
Tenho a minha vida noutra mão
Tenho um grande amor
Marcado pela dor
E sempre que Abril aqui passar
Dou-lhe este farnel p'ra o ajudar
Eu vim de longe, de muito longe
O que eu andei p'ra aqui chegar
Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe
Onde nos vamos encontrar
Com o que temos p'ra nos dar
E agora eu olho à minha volta
Vejo tanta raiva andar a solta
Que já não hesito
E os hinos que repito
São a parte que eu posso prever
Do que a minha gente vai fazer
Eu vim de longe, de muito longe
O que eu andei p'ra aqui chegar
Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe
Onde nos vamos encontrar
Com o que temos p'ra nos dar
Eu vim de longe, de muito longe
O que eu andei p'ra aqui chegar
Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe
Onde nos vamos encontrar
Eu vim de longe, de muito longe
Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe
Eu vim de longe, de muito longe
Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe
Eu vim de longe, de muito longe
Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe...”
Track 9 – Inquietação
Melopeia: Senhoras e senhores, e todas outras belezas que não se incluem em nenhum dos sexos, sejam bem-vindos ao Final da História e ao começo de um novo carnaval! No espetáculo de hoje, convidámos SETE. MIL. MILHÕEEEES DE HUMANOS a atuar! Uma salva de palmas, meus caros, uma salva! Infelizmente, Deus não foi convidado, devido ao incidente com os alemães há uns anos… Um mega mega rip para Ele! Ámen ámen ámen como, na Igreja, os senhores diziam ao Senhor! Antes de Lhe cuspirem na cara, cagarem ouro e violarem, não é mesmo? UUuuuuuu tenso. Epah, não me julguem, os muçulmanos não são muito melhores, olhem para o Irão e as sharias e o caralho, e nem me falem de Israel… Enfim, amigos, é a vida com e sem Deus! Oremos pelos humanos, oremos.
Mas não são fantasias dessas que nos trazem ao espetáculo de hoje, não meus senhorarrobas, não. Hoje, tratamos de algo muito mais real: ideologias. De um lado, as forças do capital, acolhidas pelos lordes indisputados do dinheiro e da democracia, nessa ordem, ESTADOS UNIIIIIIDOOOOOOOOOS! Grandes palmas! E do outro lado, a disputar uma valente luta, TEMOS A – (o quê? mas atão? nem duraram cem anos? já acabou? já? atão e a Chi – não são comunis – mas como? tá no nome! ah. oh.)
… Antes demais, o meu perdão à comunidade muçulmana. E O VENCEDOR, CARÍSSIMOS, SÃO AS FORÇAS DO CAPITAL! AMÉRICA, AMÉRICA, AMÉRICA! VIVA AO MERCADO LIVRE, À LIBERDADE, À DEMOCRACIA! VIVA AO POV – (ai isso é socialis – mas eu pensava que democracia queria dizer – ok, ok, pronto)
Bem. E é assim que a história acaba. É o Fim da História. Foi assim que aconteceu.
…
Como dizem, os americanos: What now? Não sei com que vos entreter, meus caros, não sei. Bem, agora fodem-se, não é mesmo. Vamos só… Ficar a ver? Não é assim que histórias costumam funcionar, acho eu, geralmente por esta altura devíamos cortar para preto. Algo está errado, temos de chamar a produção ao palco, mas não se preocupem, espetadores, isto não será uma perca do vosso tempo!
AH! AH! ENCONTRAMOS UNS PEQUENOS ANARCAS! (o público ama tragédias, vão papar isto tudo) SENHORAS E SENHORES, E TODOS OS OUTROS CARALHOS E CONAS, A HISTÓRIA DA HUMANIDADE PARECE NUNCA ACABAR! QUEM VENCERÁ! O SISTEMA MONOLITICO, QUE COMPRA, VENDE, MATA E ROUBA, SOBRE O QUAL TODA A TERRA MODERNA É CONSTRUÍDA, MESMO QUE TAL LEVE À SUA ANIQUILAÇÃO?
Ou uma cambada de putos consumidos por inquietação?
“A contas com o bem que tu me fazes
A contas com o mal por que passei
Com tantas guerras que travei
Já não sei fazer as pazes
São flores aos milhões entre ruínas
Meu peito feito campo de batalha
Cada alvorada que me ensinas
Oiro em pó que o vento espalha
Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei, porquê, não sei
Porquê, não sei ainda
Há sempre qualquer coisa que está p'ra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei, porquê, não sei
Porquê, não sei ainda
[Instrumental]
Ensinas-me a fazer tantas perguntas
Na volta das respostas que eu trazia
Quantas promessas eu faria
Se as cumprisse todas juntas
Não largues esta mão no torvelinho
Pois falta sempre pouco p'ra chegar
Eu não meti o barco ao mar
P'ra ficar pelo caminho
Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei, porquê, não sei
Porquê, não sei ainda
Há sempre qualquer coisa que está p'ra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei, porquê, não sei
Porquê, não sei ainda
Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Mas sei é que não sei ainda
Há sempre qualquer coisa que está p'ra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Mas sei é que não sei ainda
Há sempre qualquer coisa que eu tenho de fazer
Qualquer coisa que eu devia resolver
Porquê, não sei
Mas sei
Que essa coisa é que é linda!”
Track 10 – Não te prendas a uma onda qualquer
Melopeia: Oh. Vieste, amor. Eu? Estava só a. Contar grãos. Ia em vinte, ah ah. Ligaste-me? Oh, desculpa, perdi o telemóvel, onde? Caiu… No mar. Não faz mal, aquilo já só me distraía. Horas passadas a olhar para um ecrã, sem realmente fazer nada. Pelo menos aqui consegues… Sentir algo que valha algo. Cheirar a maresia. Já pensaste, o mar é profundamente humano, dele fizemos deuses e barcos, e pescamos e, e viemos de lá, há biliões de anos! Era nos tudo e agora será… Merda, desculpa, como estás tu? Como? Saíram da casa, mas – Bem, sim, a casa não era vossa, mas o teu avô estava lá há – quais direitos de propriedade, eles não podem – Lamento.
…
O trabalho? Oh, eu… Sabes, eu tenho estado muito investido no partido, ontem fui jantar com aquele, o que vai ser secretário para o ano, o pai dele é… Senhorio. Eu não… O adoro. Mas tu sabes, como é que é suposto fazer alguma coisa sozinho – não, não digas isso, tem de ser, meu bem, TEM DE SER PORRA.
…
Despediram-me. Com metade da malta. Preferes que eu desista? Morremos apenas, é?
Lisboa vai afundar. Nós não temos nada.
…
Desculpa. Sou-te teu. Vem cá. Beija-me. O mar está tão bonito.
“Esse rio que vai lento
Espreguiçando-se a teus pés
Não traz nunca a mesma água
Não volta nunca p'ra trás
Já não era o mesmo rio e
Nem uma das suas ondas
Voltará
Para a nascente
Não te prendas
A uma onda qualquer
Que a teus pés
Venha morrer
Enquanto o teu pé estiver
Dentro dessa mesma água
Muitas outras novas ondas junto dele
Irão morrer
Na cidade onde eu vivia
Sempre tão cheia de gente
Se bem que ninguém lá fique
É costume eu vir cantar
Uma cantiga que fala
Do fluir das coisas que há
Neste mundo
E assim começa
Não te prendas
A uma onda qualquer
Que a teus pés
Venha morrer
Enquanto o teu pé estiver
Dentro dessa mesma água
Muitas outras novas ondas junto dele
Irão morrer
[Instrumental]
Esse rio que vai lento
Espreguiçando-se a teus pés
Não traz nunca a mesma água
Não volta nunca p'ra trás
Já não era o mesmo rio e
Nem uma das suas ondas
Voltará
Para a nascente
Não te prendas
A uma onda qualquer
Que a teus pés
Venha morrer
Enquanto o teu pé estiver
Dentro dessa mesma água
Muitas outras novas ondas junto dele
Irão morrer”
Track 11 – Linda Olinda
Melopeia: Sim sim, o sol vai explodir, mas estás uma brasa, bora foder.
“A linda Olinda
A linda Olinda a linda gargantilha
A nós a passa
A nós a passa passa e não no nó
Que na garganta traz a que lhe trilha
Na face o vinho faz a maravilha
E de azevinho a avinha sem ter dó
É linda
É linda Olinda
É linda Olinda e linda gargantilha
A linda Olinda
A linda Olinda a linda gargantilha
Desgraça a voz
Desgraça a voz, é das avós a graça
Que na garganta traz e que lhe trilha
A graça velha já seu corpo humilha
E tanta mágoa em olhos de água traça
É linda
É linda Olinda
É linda Olinda e linda gargantilha
Água preta
A linda Olinda
A linda Olinda a linda gargantilha
É falsa a fala
E lasso e falso o laço fá-lo a farsa
Que na garganta traz o que lhe trilha
Acorda ó linda, vai-se a armadilha
O laço corta, o corpo não disfarça
É linda
É linda Olinda
É linda Olinda sem a gargantilha”
Track 12 – Treze anos, nove meses
Melopeia: Sim, deveria ter treze anos e nove meses quando me declarei socialista. Era o que fazia sentido na altura, sabe. No pós-Trump e Brexit, 2016 foi um autêntico renascimento da esquerda online. Os meus pais? Bem, eles –
“AQUILO NÃO É UM JOVEM, É UM PRETO.”
… São conservadores, mas não o sabem. Se me tornei esquerdista para ser do contra? Não, não, eu –
“África estava bem quando nós estávamos lá –”
“Ouviste falar do Congo Belga?! Mataram 6 milhões de pessoas, mais que a população da Bélgica na altura, portanto do que raio estás tu a –”
Não. Se eles estivessem mais presentes, ter-me-ia tornado como eles, certamente. Foi na sua ausência que me autoeduquei e me radicalizei.
Sim, claro, a família enquanto instituição deve ser destruída, é mais que óbvio. Porque pergunta?
“Deixa-me encostar a cabecinha
Que sou pobre como Job
Deixa-me chamar às vezes pela mãezinha
E aprender a ficar só
Começar a contar
Branca a branca o nosso amor
Sem fintar, sem temor
Filho a filho eu te amaria
Mais o pão de cada dia
Às vezes melhor, outras vezes pior
Fomos acertando o pensamento
E a vida lá fora
É que nos dava a cor
P'ra pintar o amor
Que estava dentro
[Instrumental]
Deixa-me enterrar tuas raízes
No meu corpo de água e sal
Deixa-me não ouvir bem o que tu dizes
Quando não leste o jornal
Começar a contar
Hora a hora tantas vezes
Treze anos, nove meses
Gesto a gesto eu te amaria
Mais o pão de cada dia
Às vezes melhor, outras vezes pior
Fomos acertando o pensamento
E a vida lá fora
É que nos dava a cor
P'ra pintar o amor
Que estava dentro
La-la-la-ri-ra...
Deixa-me sentar numa cadeira
E descansar a teu lado
Deixa-me gritar cá à minha maneira
Que eu grito sempre calado
Começar a contar
Um a um os companheiros
Os de agora, os primeiros
Mão a mão eu te amaria
Mais o pão de cada dia
Às vezes melhor, outras vezes pior
Fomos acertando o pensamento
E a vida lá fora
É que nos dava a cor
P'ra pintar o amor
Que estava dentro”
Track 13 – Sopram ventos adversos (Mayden voyage)
Melopeia: "A atual ontologia dominante nega qualquer possibilidade de uma causa social da doença mental. A quimio-biologização da doença mental é, naturalmente, estritamente proporcional à sua despolitização. Considerar a doença mental um problema químico-biológico individual tem enormes benefícios para o capitalismo. Em primeiro lugar, reforça a tendência do capital para a individualização atomística (estamos doentes devido à química do nosso cérebro). Em segundo lugar, proporciona um mercado extremamente lucrativo no qual as empresas farmacêuticas multinacionais podem vender os seus produtos farmacêuticos (podemos curar-te com os nossos antidepressivos).
Escusado será dizer que todas as doenças mentais são instanciadas neurologicamente, mas isso não diz nada sobre a sua causalidade. Se é verdade, por exemplo, que a depressão é constituída por baixos níveis de serotonina, o que ainda precisa de ser explicado é porque é que determinados indivíduos têm baixos níveis de serotonina. Isto requer uma explicação social e política; e a tarefa de repolitizar a doença mental é urgente se a esquerda quiser desafiar o realismo capitalista."
- Mark Fisher, que se suicidou, morto pelo capitalismo
“Sopram ventos adversos
Junto à praia que se quis
E há sentimentos dispersos
Que são barcos submersos
No mar do que se não diz
[Instrumental]
Nos mastros que vão quebrar
Soltas velas de cambraia
E é cada remo a tentar
Menos um barco no mar
Mais um cadáver na praia
[Instrumental]
O dia nunca alcançado
Morre em todas as marés
E é sempre dia acabado
Junto ao sargaço espalhado
De tudo o que se não fez
[Instrumental]
Sopram ventos adversos
Junto à praia que se quis”
Track 14 – Eu vi este povo a lutar (Confederação)
Melopeia: "A ideologia capitalista em geral, sustenta Zizek, consiste precisamente na sobrevalorização da crença - no sentido de atitude subjetiva interior - em detrimento das crenças que exibimos e exteriorizamos no nosso comportamento. Enquanto acreditarmos (no nosso coração) que o capitalismo é mau, somos livres de continuar a participar na troca capitalista. De acordo com Zizek, o capitalismo em geral assenta nesta estrutura de negação. Acreditamos que o dinheiro é apenas um símbolo sem significado e sem valor intrínseco, mas agimos como se tivesse um valor sagrado. Além disso, este comportamento depende precisamente da negação prévia - só conseguimos fetichizar o dinheiro nas nossas ações porque já tomámos uma distância irónica em relação ao dinheiro nas nossas cabeças."
A arte faz o anticapitalismo por nós, satisfaz o nosso desejo revolucionário de sermos boas pessoas, e portanto podemos continuar a consumir com impunidade OH DEUS ESTAMOS TÃO FODIDOS
“Eu vi este povo a lutar
Para a sua exploração acabar
Sete rios de multidão
Que levavam a História na mão
Sobre as águas calmas um vulcão de fogo
Toda a terra treme nas vozes deste povo
Mesmo no silêncio sabemos cantar
Povo por extenso é unidade popular
Somos sete rios, rios de certeza
Vamos lá cantando no fragor da correnteza
Eu vi este povo a lutar
Para a sua exploração acabar
Sete rios de multidão
Que levavam a História na mão
[Instrumental]
Eu vi este povo a lutar
Para a sua exploração acabar
Sete rios de multidão
Que levavam a História na mão
A fruta está podre, já não se remenda
Só bem cozidinha no lume da contenda
Nós queremos trabalho e casas decentes
E carne do talho e pão para toda a gente
Ai, meus ricos filhos, tantos nove meses
Saem do meu ventre p'rá pança dos burgueses
Eu vi este povo a lutar
Para a sua exploração acabar
Sete rios de multidão
Que levavam a História na mão
[Instrumental]
Eu vi este povo a lutar
Para a sua exploração acabar
Sete rios de multidão
Que levavam a História na mão
Alça meu menino, vê se te arrebitas
Que este peixe podre só é bom para os parasitas
Só a nosso mando é que há liberdade
Vamos lá lutando p’ra mudar a sociedade
Bandeira vermelha, bem alevantada
Ai, minha senhora, que linda desfilada
Eu vi este povo a lutar
Para a sua exploração acabar
Sete rios de multidão
Que levavam a História na mão
[Instrumental]
Eu vi este povo a lutar
Para a sua exploração acabar
Sete rios de multidão
Que levavam a História na mão”
Track 15 – Ser solidário
Melopeia: Chegando ao final, é suposto haver uma conclusão que faça tudo fazer sentido, que nos dê a chave para a felicidade e para a revolução. Meus caros, meus amores, família, e camaradas, José Mário Branco, seu poeta extraordinário, apenas vos consigo dizer: aprendam mas é francês como o Zé.
“La lutte elle-même vers les sommets suffit à remplir un cœur d'homme; il faut imaginer Sisyphe heureux. ”
“Ser solidário assim p'ralém da vida
Por dentro da distância percorrida
Fazer de cada perda uma raiz
E, improvavelmente, ser feliz
De como aqui chegar não é mister
Contar o que já sabe quem souber
O estrume em que germina a ilusão
Fecundará por certo esta canção
Ser solidário, sim, por sobre a morte
Que depois dela só o tempo é forte
E a morte nunca o tempo a redime
Mas sim o amor dos homens que se exprime
De como aqui chegar não vale a pena
Já que a moral da história é tão pequena
Que nunca por vingança eu te daria
No ventre das canções sabedoria
[Instrumental]
(Oh oh...)
Ser solidário assim pr'além da vida
Por dentro da distância percorrida
Fazer de cada perda uma raiz
E, improvavelmente, ser feliz”
Track 16 – FMI
Melopeia: Para mais informações, obtenha a Edição Física do Jur.nal, Núcleo Oficial dos Estudantes da Nova School of Law! Já nas bancas por apenas 1€! Compre já!
A canção tem 20 minutos,
Por favor não me obriguem a pôr a letra aqui.
Oiçam-na!
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