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  • sinto-me vazio

    Sento-me à secretária, É de noite, Deveria estar a deitar-me, tenho exame amanhã. Mas não estou, comecei a escrever isto na esperança de que saia algo brilhante e maravilhoso. Só que não, sinto-me vazio. Vazio como se nada do que fizesse importasse, como se fosse apenas uma ervilha no cosmos do universo. E sou, na verdade. Daqui a 100 anos, o exame de amanhã não importarão. A média do curso, os estágios, as teses, os textos, nada. Eu não importarei. A Terra continuará a girar em torno do Sol, e o sol a girar em torno de uma merda qualquer (não sei, nunca fui bom a física) e eu terei finalmente perdido a luta contra a gravidade, que tanto puxou, tanto puxou, e tanto que me custava, por vezes, aguentar aqueles 9 ponto qualquer coisa newtons, que conseguiu finalmente puxar-me para debaixo da Terra. Não me interpretem mal, é por esta dinâmica do mundo que a vida tem a sua piada, e que a ocasional miséria é facilmente aguentável. Mas, não sei, por vezes tenho estas crises existenciais, esta provavelmente induzida pela desgraça de amanhã, em que me sinto tão impotente, não só em relação ao estudo, que foi abundante, mas que provavelmente me vai garantir um 10 e nem mais uma décima (estou a ser otimista), mas em relação à vida no geral. Sempre fui uma pessoa que acredita em destino, nas verdades universais do mundo e no caminho traçado por alguma força léguas superior aos 9 newtons da gravidade que simplesmente decidiu alguns aspetos da nossa vida por nós. Deixem-me explicar, com medo de ser mal interpretado. Como é obvio, existe a autodeterminação, e claro está que o destino não faz o nosso trabalho quando não o queremos fazer. Se queremos algo, temos e devemos de lutar por ela. Agora, não consigo deixar de acreditar que não é por acaso que me sento à secretária, agora de noite, com exame amanhã. Não é por acaso que estou neste curso, aqui, que sou eu. Se chumbar, não será por acaso. Fiz a minha parte. Mas, chegada a altura decisiva, deixa de depender de mim. Deixo ao destino. Ele com certeza fará a parte dele, e cá estarei eu a aguardá-lo.

  • Bolachas que não cabem no pacote

    Há de tudo um pouco em tudo quanto é lado. Por isso, vão-me perdoar pela generalização abusiva que vou fazer, mas que tem mesmo de ser feita por uma questão de honestidade literária: estudantes da NOVA School of Law são estudantes trabalhadores, exigentes, perfecionistas, e que – talvez mais do que muitos estudantes de outros mundos e fundos – estão habituados a ser os melhores, porque o foram a vida toda. Ora, não será portanto de estranhar que, juntando as últimas bolachas dos pacotes numa só tigela, elas tenham mais dificuldade em destacar-se – há tantas, e tão boas, por onde escolher, que qualquer criança que se preze teria dificuldade em decidir qual quereria guardar para o final do seu lanchinho. É por isso que eu acho curioso que, no meio daquilo que deveria ser uma batatada constante entre galinhos e galões de capoeira, eu encontre – e dirão que sou uma romântica, e talvez seja, e talvez o meu idealismo me tolde a visão, e daí – entreajuda, cuidado e, acima de tudo, amizade. Não nos enganemos ao pensar que é assim entre todos. Não é. E continua a existir, como existirá sempre, uma pressão constante de subir até ao topo, apenas para chegarmos lá acima e percebermos que, afinal, a vista não seria assim tão bonita, e a queda seria tão grande que nos deixaria paralisados – se nos mexêssemos, rebolaríamos até cá abaixo. Continua a existir o melhor, e o máximo, adjetivos dourados que trazem penduradas em si menoridades como a exaustão total, a falta de sanidade mental, e o querer subir a escada a pisar cabeças nos degraus. Continuam a existir consciências pesadas e horas perdidas, e corridas às tabelas para ver os números redondinhos e brilhantes que nos reduzem a notas. E é porque tudo isso existe, e tudo isso tem o seu quê de triste, que eu me sinto uma sortuda. Sinto-me uma sortuda porque encontrei estudantes na NOVA School of Law que são trabalhadores, perfecionistas, e que estão habituados a ser os melhores, sim; e que, por obra e graça, quem sabe, de si mesmos, ainda têm espaço no seu íntimo para quererem mudar o mundo. E não, não falo de ir trabalhar para a ONU ou de ser um grande diplomata. Falo de mudanças do mundo que começam connosco, entre nós. Mudanças que começam quando alguém pega num núcleo como o Jur.nal e o revoluciona, o vira de cabeça para baixo, e nos faz perceber a todos que o mundo ao contrário é muito mais bonito (sim, Direção, são vocês que mudam o mundo). Mudanças que acontecem quando alguém se oferece para nos mandar apontamentos ou passa horas em chamada a tirar-nos dúvidas. Ou quando alguém vê o cansaço nos nossos olhos e nos diz “deixa estar, eu faço isso” sem pedir nada em troca. Mudar o mundo é encher o anfiteatro no dia do Martelo, e encher a reitoria no dia do Animus. E é trazer garrafões de casa para escorregar na lona. E é dar um chupa-chupa a alguém que precisa de se animar. E é desejar a alguém um “boa sorte” genuíno antes de um exame. É fazer companhia no caminho até ao metro, e é ouvir antes de querer falar. Mudar o mundo é tirar um tempinho da nossa corrida desenfreada pelos adjetivos dourados para rirmos com os nossos amigos. É pararmos durante uns minutos para nos lembrarmos de que depois de quatro anos, vamos às nossas vidas e 90% da nossa competição – dos nomes brilhantes das tabelas – nunca mais se vai cruzar connosco. E que isso significa que, no fim do dia, estávamos a competir com fantasmas, em vez de apreciarmos as pessoas reais, que só temos – realmente, genuinamente – durante uns míseros quatro anos. Depois disso, a vida mete-se no caminho e expulsa-nos das paredes da faculdade que nós tornámos um pouquinho mais nossas a cada dia. Depois disso, só há saudade. Eu paro muitas vezes para pensar em como essas paredes nunca estiveram tão bonitas como agora; em como essa beleza é tão efémera, porque se vai quando os artistas que mudam o mundo – as pessoas que eu admiro ao longe e ao perto – se forem também. Nesses momentos faço muita força para que, quem venha, também queira mudar o mundo. Esse é o paradigma que eu espero que nunca mude por aqui. JÁ ESTÁ A MUDAR, dizem eles. Oh não, eles não sabem que mudar o mundo não é só ir para a ONU ou ser um bom diplomata. Eles não sabem que se muda o mundo só com um abraço. Eles não sabem que ser melhor não é ter o cargo mais cobiçado. Eles não sabem que ser melhor é uma arte, porque não nasceram artistas. Eles não sabem. ACORDEM MALTA, SER ARTISTA É BUÉ FIXE. Queiram ser artistas, caraças. Queiram fazer arte com as paredes da nossa faculdade. Queiram olhar mais para a pessoa ao vosso lado do que para o papel à vossa frente. Guardem isso para quando as pessoas ao vosso lado forem desconhecidas e o papel for o vosso melhor amigo. Mas agora não. Agora sejam artistas e mudem o mundo, porra. Eu não estou preocupada – sim, pareço. Mas não estou. Há de tudo um pouco em tudo quanto é lado. E na nossa faculdade há de tudo um pouco, mas há muito de humanidade – eu que o diga, que já o experienciei em primeira mão, mais vezes do que as que as minhas mãos conseguem contar (sorte, sorte, sorte). Na nossa faculdade, há pessoas enormes. Bolachas que nem sequer cabem nos pacotes. Pessoas que escolhem não andar à batatada, e que partilham a vista de lá de cima sem pisar cabeças para subir. Salvadores do mundo em quem se pode confiar de olhos fechados e que encontram na faculdade muito mais do que um curso – encontram paredes e fazem delas arte. Enquanto existirem pessoas assim, eu não estou preocupada. Acho que a NOVA School of Law ficará bem, mesmo que a média do último colocado desça, e mesmo que a rega do relvado dispare com pessoas lá sentadas, e mesmo que não haja cartões de estudante. Acho que a nossa faculdade ficará bem, desde que tenha o melhor de nós.

  • Uma típica véspera de exame

    23:56 - Ok, António, podes não saber nada para o exame, mas a sebenta só são 80 páginas, isto em 8 horas faz-se bem. 00:34 - Escuto, até agora tudo bem, conceitos básicos são, de facto, básicos. Boa sebenta, linguagem simples e fácil de entender. Detetado apenas 3 usos de latim. Vou por um lofi. 00:57 - Eu sou um fucking génio, para quê ler manuais ou ir às aulas quando tens sebentinhas. 01:23 - Doutrina. Bem, o exame é com consulta, portanto não tenho de saber tudo de cor. 01:46 - Vou tweetar sobre as minhas experiências com o estudo para mostrar às pessoas que percebo a matéria. Hahaha. Piada jurídica. Sou tão quirky. 01:56 - Piada jurídica 02:06 - Piada jurídica 02:26 - Piada jurídica. Sou tão quirky. 03:02 - Como assim só vi 13 páginas 03:05 - Mas o que raio é isto? isto está explicado sequer? COMO ASSIM? O CÓDIGO CIVIL ESTÁ MAL ESCRITO, É O VOSSO TRABALHO ESCREVER LEIS 03:27 - Piada jurídica. Haha. 03:35 - Ok. Por algum motivo estou cansado. 3 shots de café, boraaaaaaaaaa. 03:40 - GO GO POWER RANGERS, VAMOS A ISTO HORA DE METER O HYPER POP 03:48 - ISTO IMPORTA? PROVAVELMENTE NÃO 03:49 - SE ELES QUISESSEM QUE EU SOUBESSE TUDO SÓ PASSAVA COM 20 03:59 - TALVEZ AS NOTAS SEJAM OS AMIGOS QUE FIZEMOS PELO CAMINHO 04:20 - FALTAM-ME 20 PÁGINAS VÁ LÁ VÁ LÁ TU CONSEGUES 05:00 - Eu não consigo continuar a fazer isto. Como é suposto alguma vez desenvolver uma relação saudável com o curso em que estou se só interajo com ele em situações de alto stress? Isto não é sustentável. 05:01 - Ayo esta matéria é bué fácil soube responder a meio exercício para quê passar um semestre a aprender o que podes numa noite. 06:02 - O céu está pintado de azul claro. A manhã chegou, e desta vez eu acordei antes dela. Desligo a música, e ando lá fora. Os pássaros embalam-me os ouvidos, e à distância, carros inauguram o novo dia. O barulho que sabe a silêncio é o mais doce de todos. Inspiro. Está tudo bem. Está tudo bem. 07:46 - Volto a casa, pego nos materiais, e caminho até ao exame. Talvez a obsessão pelas notas seja a doença, e não a minha preguiça. Talvez tudo o que baste é fazer o meu melhor, e deixar o ar matinal embalar-me. Está tudo bem. Vamos a isto. 09:37 - ONDE É QUE ESTÁ A PUTA DO ARTIGO EU VOU TÃO CHUMBAR A ESTA MERDA

  • planeta dos chicos espertos

    todos os sacanas são intelectuais torna-se impossível identificar os sacanas naturais e os sacanas especiais que sabem como pôr o mundo para si a andar e a funcionar quem o poder tem é exatamente quem não o devia ter e quem te avisa teu amigo é por mais que o ande sempre a dizer miseravelmente podre estou porque de sacanas rodear me deixei desaprendi de ser quem sou para com eles ser o que menos esperei toquem em relva, façam festas a gatos que a vossa vida não seja o que a manada decidir que os sacanas não vos tornem inaptos a uma vida normal e feliz prosseguir não permitam que o vosso apetite falacioso que os vossos olhos vidrados vos deixem no fundo do poço hediondos e vilmente encaralhados não consigo terminar pensamentos já estou demasiado inserida na cruel convivência talvez fora do espetro nos encontremos quando o que os outros querem não seja uma influência para o que pretendo do meu destino para o que da minha vida faço ainda que à mínima merda perca o tino e das coisas faça demasiado caso agradeço a quem acompanhou o disparate especialmente se um sacana o tiver lido peço desculpa pelo empate e assim expulso o que tenho retido

  • Rio

    Fim do ano traz nostalgia, uma certa vontade de viver tudo o que fomos adiando ao longo dos dois semestres longos, últimos dias, viver tudo de uma vez, porque só se vive uma vez. O último teste do semestre, aquela aula, a única de todas, a que nunca faltámos, do inicío ao fim, o rapaz da fila da frente que não falha uma única cadeira, o professor doutor claramente cansado da turma, as olheiras... mas é só mais aquele esforço. A seguir, há jola no São Paio e umas quantas semanas académicas onde ir, mais um ensaio da tuna, jantar de amigos no lidl, devido à precária conta bancária e malas feitas para casa, não esquecer de levar o Código Civil atrás, Deus nos livre de nos esquecermos! Todos os amigos antigos "em casa", mas ninguém se encontra, afinal de contas, agora são exames. Também já não é a mesma coisa, falta é o barulho do pessoal do 2ºano, o 3ºano reivindicativo e o 4º que quer meter medo. É olhar para trás, para onde é que Setembro já foi? Vir de t-shirt para a faculdade, ser praxado e a maior preocupação ser microeconomia. Agora, é mais pesado. O limbo entre trajar e ser ainda aluno do 1ºano, a dúvida dos créditos necessários para chegar ao 2ºano, querer continuar nos núcleos, formar mais núcleos, ver padrinhos a ir embora, ter medo das mudanças, manter os amigos. Como atravessar a ponte, depois de regressar da casa daquela amiga, de repente silêncio, acabaram as aulas, estou num comboio e depois volto para casa do pai, com um manual de casos práticos e um trolley minúsculo, de quem não chega propriamente a ser deslocada, mas que anda sempre de um lado para o outro. E estou por cima do rio, é lindo e ao ver aquilo e ao pensar para trás, desde Setembro, desde o animus, desde o traçar, desde a margem, fui mais eu do que nunca, fui feliz como não fui antes. Pensas que se o comboio fosse parar ao rio tinhas sido feliz, mas tens medo, que não caia por favor, quero isto outra vez, viver mais, sorrir mais. Passar a cadeiras, ir a festas, organizar festas, abraçar padrinhos, levar as amigas a dormir lá a casa, ser da tuna, ser da praxe, ser de Direito. É estranho pensar no sentimento de pertença mas se tivesse de definir diria que é aqui, agora sim.

  • És grande, mas não grande coisa

    É com o crescimento que aprendemos o que sabemos, mas acredito que haja outra forma de aprender a viver senão com socos no estômago matinais, sufocos vespertinos e facadas ao crepúsculo. Crescimento não devia ser sinónimo de dor constante. Aliás, penso que só assim se tornou a partir da puberdade, quando as dores de ossos remetiam para um esticanço corporal. O que não deixa de ser irónico que, nas idades mais esticadas pelo tempo, as dores de ossos já remetam para um encolhimento ou disfuncionamento corporal (também conhecidas como alertas para o frio/chuva). Talvez a dor seja ainda mais prematura do que eu pensava. Talvez o meu crescimento tenha vindo ainda das dores de joelhos ralados, dos dentes que tentava arrancar mal via que a visita da fada dos dentes estava para chegar, ou das nódoas negras que ganhava diariamente (sabe-se lá como). Desde cedo reconhecemos o que é uma dor física, para depois nos habituarmos às dores psicológicas, mas, recentemente descobri as dores de alma. Não me dói apenas o corpo ou apenas o cérebro, dói-me a alma. Dói-me ter de pintar a minha alma de uma cor que ela não é e de ter de a apresentar a todos vestida como eu quero que ela se vista, e não como ela gosta de estar vestida. Dói-me a alma da incompreensão e das falhas de comunicação. Dói-me a alma de fingimento, mas acima de tudo, de amor ao que esse fingimento me proporciona. Todos nós amamos algo que não devemos, e todos nós deixamos que o nosso alimento seja o que esse amor nos oferece. Tantos a passar fome e tantos com o rei na barriga. Que um dia seja possível crescer sem ter de viver como se vive, que um dia a vida seja exatamente o que ela define- vida- e não uma morte lenta ou um caminho para esta. Que se crie vida onde quer que se vá e que se deixe a alma sair à rua como ela quer sair, seja vestida em demasia, seja completamente nua. Que nada fique por dizer, que tudo seja feito quando o deve ser, e que o ser humano aprenda a viver sem com a dor se entreter.

  • Carta de Apresentação do Núcleo Jurispride

    Querida comunidade académica, Queremos apresentar-vos o projeto que temos vindo a desenvolver ao longo deste ano, que abrirá portas a uma faculdade mais inclusiva, compreensiva e aberta: O núcleo Jurispride. O Jurispride nasceu da vontade de dar voz a uma comunidade que ainda não tinha encontrado o seu cantinho na faculdade, de reunir alunos de diferentes identidades num espaço seguro e de amizade, vocacionado para a educação e para a inclusão de todos, cultivando uma mente aberta e compreensiva. E era de facto importante que este espaço fosse criado, não só para finalmente representar os alunos LGBTQIA+, mas também para desmitificar o que vem por detrás dessa causa, unir estudantes pelas suas diferenças e proporcionar experiências que até agora não temos visto nos núcleos já existentes. Precisamente, o objetivo não é criar uma barreira entre a comunidade LGBTQIA+ e os demais estudantes, mas sim dar espaço para o entendimento e para a educação, bem como dinamizar atividades, tais como workshops, momentos de partilha, diversão e aprendizagem entre todos. Todos os alunos são bem-vindos a integrar o núcleo, com uma mente aberta e vontade de descobrir o que muitas vezes pode parecer distante e assustador. O núcleo tem já planos para este verão. Apesar do atual mandato ser curto, não podíamos deixar passar o mês mais importante da comunidade. Junho traz consigo história e a vontade de sair à rua e gritar pelos direitos de todos. Assim, o Jurispride convida os alunos interessados para aparecerem na Marcha do Orgulho, dia 17 de junho, bem como no Arraial de dia 24, onde estaremos também presentes. Esta será uma ótima maneira de nos darmos a conhecer e convivermos. Para além disto, durante o ano letivo, temos também surpresas planeadas, para que quem queira possa participar neste núcleo de alguma forma. Estas incluirão momentos lúdicos e recreativos, bem como os anteriormente mencionados, workshops e momentos de partilha. E sendo este núcleo de especial importância, comprometemo-nos a ouvir os alunos da comunidade LGBTQIA+, nos seus desafios e experiências que possam passar na faculdade, e fora desta, tomando uma posição ativa para a resolução e exposição das mesmas. Esperamos poder contar contigo para este projeto! A direção, Margarida Mouquinho Marta Cardoso Marta Pereira

  • Carinho para o Cárcere

    Querida -----, Posso-te chamar filha? Será um tanto paternalista da minha parte, tal não quererias. Mas sou também da crença de que ambos precisamos de família. Hoje morreu a mamã. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: "Sua mãe morreu: Enterro amanhã.” Não podemos mais guiar-nos nela. O nosso tempo de criança passou. Já ninguém nos dá a mão quando temos medo. E Deus, -----, eu tenho tanto medo. Nós, filha, vivemos num mundo tão estragado. Tenho de contar as refeições, ou posso acabar o mês sem elas – é o mercado a funcionar. Tens de contar os amores numa mão apenas, senão vão-ta partir e estrangular-te com a outra – patriarcado. Já é demasiado tarde para sermos inocentes. Mas tu queres tanto ser criança. E em mim acordas um tão profundo desejo de te nutrir, te ver crescer, e tornares-te a criança mais velha do mundo. Mas sou apenas um homem. Não te consigo curar. Nasceste estragada, como eu. Não te posso salvar da dor de pensar, da burocracia de estar vivo, da condição triste de mulher, do monstro, do dia nem da noite, da arte e da beleza que nos assombra sempre que vemos um espelho ou escrevemos um verso, da merda da solidão que vem quando menos esperamos, especialmente quando é suposto estarmos felizes, porra. Mas isso não me impede de tentar. Nem que tenha de partir a espinha dorsal ao Destino para o fazer vergar-se perante ti. Se alguém merece que o Destino a leve a conquistar o mundo, és tu. Entretanto, eu dou-te colinho, faço-te festinhas no cabelo, lavo-to e digo “És bonita tal e qual como és, e a única coisa que precisas para o seres é seres tu mesma. E olha, meu amor, também estou a chorar. Foste tu, sabias? Com a tua arte. É essa a beleza da arte, ressuscitar uma parte de nós que achávamos há muito ter morrido. Não há coragem no cinismo inibido de emoções. Choro, meu bem, pela tua arte. Olha o pôr do sol, como ele é bonito. Há uma certa melancolia em saber que vai explodir, não é? Mas é tão bonito. Será radiante. Devias voltar a escrever uma crónica, tenho saudades delas. Não gosto de laranjas, mas claro que tas vou comprar. Por ti. Vou buscar bolinhos, fica aqui no banho, ok? Brinca com as bolinhas de sabão. Está tudo bem, compreendo-te. Está tudo bem, compreendo-te. Está tudo bem, eu compreendo-te.”

  • Por um dia que não o seja, vazio

    Por um dia que não seja de ninguém, por um dia sem nome. Possam todos os dias do ano para sempre ser vazios de nome mas cheios de alma e sentido, possamos todos deixar as correntes que nos ligam a estes nomes inúteis, reflexo da sociedade sectária e perpetuadora do preconceito horrível e condenatório que há muito tempo fingimos que queremos combater e aniquilar, mas que continuamos de forma cobarde a perpetuar. Paremos de fingir que nos importamos com as classes que apenas construímos nas nossas cabeças e resolvamos aceitar como discriminadas e façamos de facto algo por elas. Dar um nome aos dias do ano como forma de fingir que nos importamos com os direitos de quem é impedido de viver uma vida plena nada mais é do que um profundo desrespeito a quem perde a sua vida fruto das consequências desta nefasta e hipócrita construção que a todos é impingida. Deixemos de inventar dias das mulheres e meses da história negra, deixemos de inventar todas estas formas de discriminação positiva que nada mais fazem senão conservar, em última instância, a discriminação real que todas estas gentes sentem no seu dia a dia. Comecemos, ou, pelo menos, pensemos em começar - que não seria mau de todo, dada a escala trágica que este delírio coletivo atingiu - a considerar cada um como um ser único e irrepetível, com todas as consequências que a esta atribuição estão associadas. Continuemos este caminho verdadeiramente emancipatório e libertador. Demos a cada um de nós, independentemente de onde vem, de quem são os seus pais, da sua condição socioeconómica, da sua etnia, da sua orientação sexual, de todas estas características que ninguém escolhe e nem deveria querer escolher, a capacidade de se afirmar enquanto indivíduo único e irredutível que é, capacitemos cada um de nós para que, de forma informada e independente, possamos acabar com a discriminação e com o preconceito que a tantas pessoas aflige e impede de viver, que sufoca e mata. Por um dia que seja reflexo da verdadeira capacitação de todos nós enquanto seres humanos, por um dia sem nome, por um dia em que todos olhemos para o outro como nosso igual e não precisemos de enfiar as pessoas em caixinhas inúteis e divisórias inventadas, por um dia em que cada um de nós consiga olhar para todos os outros como um verdadeiro ser humano, igualmente capaz e merecedor da mesma confiança e responsabilidade que atribuímos a nós próprios. Por um dia vazio de nome, mas cheio de significado.

  • Melancolia

    Meto a chave à porta, luto contra a fechadura, chamo-lhe nomes, saem palavrões da minha boca. Venço-a com má educação, entro em casa, meto as chaves no aparador. (Era assim que começavam as crónicas? Era, sim. Começavam sempre com uma mulher mal resolvida a lutar contra portas e aparentemente cansada. Já não as escrevo há tanto tempo... É tão fácil escrevermos sobre nós sem o fazer e eu sempre fui tão cobarde. Mas, olho para trás e rio-me. Que ingénua. Que tola. Escrevia coisas supérfluas, sem fio condutor. E agora o que escreves, ------- , hun? Continua lá a tua historiazinha, continua) Atiro os sapatos para um canto. Dispo o casaco. Cheiro-me - cheiro a cigarros, a Lucky Strikes. (Nós agora amamos cancro do pulmão, porque nos faz parecer misteriosas, sabem? Porque se sair fumo da nossa boca talvez alguém a queira beijar) O cheiro faz-me náuseas. Vou para a casa de banho. Tiro as cuecas e sento-me na sanita. Penso em como gostava de ter alguém agora a lavar-me o cabelo e que entrasse comigo para a banheira, mas só para me lavar o cabelo e eu fechar os olhos por um bocadinho. Tenho pena que a minha mãe já não me lave o cabelo. (Eu sempre fui estupidamente preguiçosa) Levo a cabeça às mãos e apoio os cotovelos nas pernas. Todos falam das dores de cabeça depois das folias, mas ninguém fala das dores de coração. (Falam sim, mas por propósitos artísticos, de forma a construir uma narrativa tristemente bonita, é necessário fingir-nos de únicos e mártires. Os poetas acham sempre que são os únicos que conhecem a poesia e que fazem amor com ela. Filhos da puta. Filha da puta. Sedenta por atenção. ----, sabes que admitires que fazes isso não te faz melhor pessoa, certo? E também deves entender que admitires que admites que fazes isso também não o faz, certo?) Penso nos olhares que se trocaram naquela noite, nas raparigas que piscavam os olhos de forma atraente e nos rapazes que falavam com a voz mais lenta e que arranjam pretextos estúpidos para lhes tocar. A ideia da minha sensualidade com homens enoja-me, pensei. Estar alí a esforçar-me sem me aperceber de que o estou a fazer. Não há mal em querer a atenção de um homem. Ora, claro que não, todas as outras mulheres fazem-no e eu não penso que são putas (eu sou feminista, sabem?), mas a ideia de eu própria fazer algo ativamente para atrair um homem causava-me urticária. (És lésbica e não sabes ou se calhar tens traumas dos homens que se cruzaram contigo, aquele mais velho que parecia o Salvador Sobral era asqueroso… Ou, e ponho todo o meu dinheiro nesta, és uma ateia cristã, profundamente marcada pela Igreja. Em nome do pai, do filho e da opressão sexual feminina). Dispo o vestido, entro na banheira e ligo o chuveiro. Deixo-me afundar. Como me afundo em tudo. Mergulho de cabeça. Splash. Começo a soluçar. As minhas lágrimas fodem (ela usa a palavra “foder”. Sucesso. Já não tem medo de intimidade física) com a água que me cai sobre a cabeça. Sinto-me tão cansada e não foi porque dancei a noite inteira. Sinto-me sempre assim. A minha cabeça está sempre a falar com ela própria (como está a acontecer aqui, já viram?) Nunca se cala. Há sempre mais qualquer coisa para dizer. Sinto-me cansada. Por causa do monstro. Da noite. Do dia. Da sombra. Do IVA. O meu estado natural é como o capitalismo, está condenado a crises cíclicas, acho que é por isso que escrever, para mim, é uma questão de controlo. De poder e de imposição. Uso-a para me impor, porque sinto que não o consigo fazer no resto. É talvez uma jogada sádica, mas é a única coisa que consigo agarrar realmente pelas mãos. Sinto uma espécie de impotência relativamente à minha vida, às minhas relações e ao típico enclausuramento do mundo. Mas quando escrevo, sou dona de mim, transbordo-me toda, porque mo é permitido. Nada me saberá tanto a liberdade como isto. Acho que é por isso que alguma interferência externa contra a minha intenção com as letras me sabe tanto a acre. É algo extremamente egoísta, solitário e estupidamente individual. Ultimamente, os nossos desejos irracionais moldam o que fazemos, a arte é o artista e se não o for, é apenas um ofício. Eu delicio-me a escrever um sermão como o da missa. Para prostituir as minhas teorias estupidas. Para que alguém me diga, “Sim, estás completamente certa”, “Sim, ----, é isso, a felicidade não é uma constante na vida, o sonho é.”, “Sim, ----, eu também acho que que a arte está morta.”, “Sim, ----, eu também quero que a ideia de beleza se fod-“ Saio do banho, olho-me ao espelho, completamente nua. Quando crescemos fazemos uma escolha. Admitimos que não é pelo nosso aspeto que nos vão amar à primeira e, então, focamo-nos noutras coisas que nos fazem sentir merecedoras de amor. Ou admitimos que somos verdadeiramente e fatalmente bonitas e temos de nos convencer constantemente que é possível sermos amadas por outra coisa que não os nossos olhos azuis. A beleza é uma carcere. Estou farta de me tentarem convencer de que todos somos muito bonitos. Não vamos incluir mais pessoas na categoria nefasta, deitemos-lhe fogo. O meu corpo é só a máquina que transporta o meu cérebro. O meu corpo não devia existir porque é bonito, o meu corpo devia existir porque me permite pensar. (Não, não devia. O vestido no chão da casa de banho prova-o. Os pinceis de maquiagem no chão do teu quarto também.) Pego na escova e começo a pentear-me, seguindo o meu olhar no espelho. O que eles não contam sobre a melancolia é que ela tem a tua cara e vem sorrateiramente, como os fios de cabelo que perdes a pentear-te, eles voam e nem dás por isso. É solidão quando estás rodeada de pessoas. É acreditar num determinismo fatal que te diz que não foste daqueles que nasceu para conquistar o mundo. É lutares com o amor e ao mesmo tempo desejares tê-lo na tua cama. É utilizares a escrita para te vitimizares, porque pensas que se não conseguires traduzir o que sentes, senti-lo foi em vão. Sofreste para nada. A melancolia é o que acontece quando esvazias a água dos teus fundos de piscina e eles tornam-se ásperos. A melancolia é o que vem quando te apercebes que o facto de seres percecionada como simpática não passa de uma forma de te dizerem que acham que és submissa em contextos de conflito. A melancolia é admitir que o Álvaro é exaustivo por sentir tanto, por pensar tanto, por querer ser tanto sem o ser. A melancolia é eu estar deitada em bolinha na casa de banho e o meu gato vir-me lamber os pés, e rir-me desalmadamente, principalmente, por estar nua em posição fetal no soalho da minha casa de banho. É querer que alguém me tire do chão da casa de banho, me puxe para o colo e me faça festinhas no cabelo. Andei tanto tempo à procura de algo que apaziguasse isto, mas nada resultava. O monstro era mais forte e a minha intenção de deitar tudo a perder pela janela também. Por isso, por favor, diz-me que sou bonita desgastada e cansada deitada no chão da casa de banho. Que o que faço com as palavras significa alguma coisa, que não é inútil. Que a minha noite e o meu dia se confundem. Que não faz mal querer mandar o curso à merda. Que não faz mal sentires-te furiosa por achares que tens um espaço muito pequenino para existir emocionalmente. Que as crónicas eram decentes. Que o cheiro a laranja não te queima as narinas. Que percebes as metáforas com frutas e monstros e piscinas. Que me conheces e não que apenas pensas que me conheces. Sussurra-me que vai ficar tudo bem, como se o bem viesse numa bandeja, como se o que salva não fosse eu, mas sim uma entidade paranormal que me vem trazer paz à cabeça numa fatia de bolo, daqueles cheirosos e fofinhos que a minha avó fazia, para o poder comer e mastigar no chão da casa de banho toda nua.

  • Parede do meu Quarto

    Será melhor deixar todas as fotos de crianças da terra do nunca penduradas na parede do meu velho quarto? Se nunca as vou ver e elas não sabem da existência de algo maior, de que me serve agarrar a simples momentos congelados desprovidos de qualquer sentimento? Será esta dependência uma forma de saborear sentimentos doces ou uma lembrança que paira de que todas as estátuas de duas dimensões não conseguem continuar a correr comigo? As que caem no chão são engolidas por um mar de sujidade até ficarem tão turvas que se tornam intocáveis. As que continuam penduradas vão servindo de apoio para mais e mais retratos que terão o mesmo destino. E se for eu próprio a arrancá-las? Será que também ficam escuras ou apenas iluminam os cadáveres de inúmeros momentos que já não existem? Quantas delas eram a última foto de uma dessas crianças do nunca? Quantas delas agarravam a parede com os seus corpos desnutridos à espera que um dia olhasse atentamente e sorrisse ao saber que ainda existem? Porque é que algumas voam e outras simplesmente saltam para um vazio, talvez só atingível quando as paredes e o chão do quarto forem abaixo, fazendo de mim uma dessas crianças nas paredes de outros tantos, onde nunca saberei até quando a minha fita cola aguentará. Se a terra tremer e cairem todas serei eu a olhar para a parede branca ou um novo ser nascido num corpo já enferrujado e com claras marcas de uso por alguém que também ruiu sem tirar nenhuma foto? Saberei eu se, as fotografias que olho neste momento, foram realmente tiradas por mim ou apenas por alguém com a chave antiga da minha memória? E se todas as fotos, que antes tirei, caírem, continuarei a ter a chave certa para a fechadura do quarto? Ou terei de dar lugar a alguém merecedor de poder apreciar uma galeria colorida repleta de braços fracos que com vozes mudas pedem socorro por detrás dos sorrisos aparentes de um bom momento captado para a eternidade. O certo é que durmo por cima de todas as vidas passadas que nunca me deixarão cair.

  • Alzheimer

    perco o raciocínio das coisas muitas vezes nem eu me entendo peço que me oiças talvez assim não percamos tempo quero ser recordada como a roupa lembra a costura que com o passar do tempo perdeu que com o uso a linha enfraqueceu quero ser recordada como o gosto do açúcar ácido traz o gosto da infância e de cada doce tido e consumido fosse a que tempo fosse quero ser recordada como a areia relembra o mar por mais ondas que este possa dar do sítio ao qual deve sempre voltar quero ser recordada como cada uma das cicatrizes lembra cada uma das quedas e dos momentos mais infelizes quero ser recordada não por dever não por “ter de ser” mas por o que o amor tecer quero ser recordada enquanto viva por aqueles que vida me dão e vida comigo compartilham quero ser recordada como aquela que te pediu para ser acarinhada por mais que saiba que pouco ou nada deixo para ser sequer pensada

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