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- Os Conservadores e o 25 de Abril
O 25 de Abril faz parte do panteão dos dias que mudaram a História de Portugal. Tal como o 1.º de Dezembro (de 1640), o 1.º de Novembro (de 1755), o 5 de Outubro (de 1910) e o 28 de Maio (de 1926) antes dele, também o 25 de Abril (de 1974) estabeleceu um corte na maneira como as pessoas comuns percecionam a história do país. No imaginário popular, há um antes do 25 de Abril, e há um depois do 25 de Abril. Utilizo a expressão “no imaginário popular” porque, como nos mostra a historiografia, existem sempre continuidades entre o antes e o depois nos grandes acontecimentos históricos, desde a queda do Império Romano do Ocidente até à queda do Muro de Berlim, e além. Eu mesmo vou referir algumas dessas continuidades no caso do 25 de Abril, mas faço já um aviso: isto não é, nem tem pretensões de ser, um texto de historiografia. É um texto político, com uma proposta de interpretação do passado à luz de uma corrente política: o conservadorismo. A direita, onde se inserem os conservadores, tem tido, de há uns anos a esta parte, uma relação ambígua com o 25 de Abril. Com a chegada, em 2015, do governo da “Geringonça” ao poder, intensificou-se uma narrativa que tinha começado a circular nos anos da PAF: a de que a direita, pela sua própria natureza e ideias, é inimiga do 25 de Abril, e jamais poderá ser conciliável com ele. Num país onde a imagem que a direita tem de si é criada pela esquerda, não demorou muito até que os protagonistas políticos do PSD e do CDS aceitassem os novos papéis que lhes foram destinados. Assim se cristalizou uma narrativa que, na altura, permitiu à “Geringonça” reverter as políticas do governo anterior (ou, pelo menos, parte delas), e que hoje permite ao governo PS deslegitimar e ostracizar os partidos da oposição à sua direita. Mas será a direita mesmo incompatível com o 25 de Abril? Não existirá, no 25 de Abril, nada que a direita, e os conservadores em particular, possam e queiram conservar? Estas são perguntas de suma pertinência, às quais se deve juntar uma outra, um pouco mais abrangente: o que é e o que significa o 25 de Abril? Neste artigo, tentarei dar resposta a estas perguntas, começando pela última. Um Dia ou Um Processo? O dia 25 de Abril de 1974, como qualquer outro, começou à 00:00h e terminou às 00:00h do dia 26. Sobre isto não há discussão. O que se pretende saber é se os acontecimentos que tiveram lugar nesse dia, particularmente a desagregação do governo Marcello Caetano e o fim do Estado Novo, podem ser vistos como acontecimentos isolados, desgarrados de todo o processo revolucionário que se seguiu, ou se, pelo contrário, o dia 25 de Abril apenas pode ser visto e considerado à luz dos acontecimentos que desencadeou e que culminaram no dia 25 de Novembro de 1975? Para um conservador, o 25 de Abril tem de ser necessariamente visto como um dia isolado, que marcou o fim de um regime autoritário. Porquê? Porque o valor da liberdade, o valor essencial a preservar do 25 de Abril, está concentrado nesse dia. Do dia 26 de Abril até ao dia 25 de Novembro de 75, o país entrou numa espiral revolucionária, o chamado PREC, que ficou marcado por uma descolonização feita à bruta – com todas as consequências que se conhecem, desde o drama dos retornados, passando pelas execuções sumárias de ex-militares afro-portugueses por parte dos movimentos independentistas, particularmente na Guiné, e chegando às guerras civis fratricidas em Angola e Moçambique, que culminaram em regimes de cariz iliberal, para usar uma formulação simpática -, por uma reforma agrária que destruiu a produtividade das melhores terras do Alentejo, por tribunais populares, onde o assassinato de um “patrão” não era visto como crime, e, também, por prisões e perseguições políticas em todo o país, que quase levaram a uma fratura Norte-Sul e por pouco não conduziram Portugal a uma guerra civil. Ora todas estas vicissitudes e valores enformam o 25 de Abril “Processo”, cuja defesa, nada inocente, está nas mãos das nossas esquerda e extrema-esquerda. Para esta área do espectro político, a Revolução dos Cravos abriu uma porta ao tipo de regime socialista então em vigor na Europa de Leste, porta essa que foi fechada, quase definitivamente, pelo 25 de Novembro de 75. Esta composição histórica, de uma revolução comunista abortada em que os seus principais líderes não foram saneados e puderam integrar-se no regime democrático, gerou na nossa esquerda uma visão esquizofrénica, ao mesmo tempo revolucionária – o continuarem a sonhar com os “amanhãs que cantam” – e reacionária – o desejo profundo e amplamente difundido de “cumprir abril”, quase 48 anos depois do 25 de Novembro ter acabado com o sonho da “Cuba da Europa” -, que não pode, nunca, enquadrar-se na cosmovisão da direita. Avesso às revoluções por princípio, e defensor das reformas por natureza, o conservador deve aplaudir o derrube não violento de um regime autoritário que, apesar de todas as promessas da Primavera Marcelista, nunca se soube liberalizar/reformar. Teria sido certamente preferível um processo “à espanhola”, com uma reforma constitucional profunda. No entanto, e tendo em conta a conjuntura política, a forma como as coisas aconteceram e os valores germinados no 25 de Abril “Dia” são perfeitamente compatíveis com uma visão de mundo conservadora. Valores Conservadores, Valores Para o Futuro Quais são os valores que o 25 de Abril “Dia” criou, e que a direita em geral, e os conservadores em particular, podem e devem preservar? São, essencialmente, três: a liberdade; a criação de uma ideia de lusofonia desgarrada da ideia do Império/Ultramar; e a rejeição de falsas unanimidades sociais e políticas. Dizer que a liberdade é um valor retomado pelo 25 de Abril na ordem política portuguesa, após sessenta e três longos anos de interregno, é, nos dias que correm, um lugar-comum. Mas é um lugar-comum com algumas nuances a que vale a pena prestar atenção. Quando se fala na liberdade trazida, ou melhor, e em termos mais próprios de um conservador, recuperada pelo 25 de Abril, fala-se, essencialmente, numa liberdade cívica – as liberdades de reunião e associação, a liberdade de expressão, e por aí vai – e política – pluralismo de partidos políticos, sufrágio universal, entre outros. No entanto, estas são apenas duas facetas da liberdade, que precisam de ser conjugadas com outras, nomeadamente, a liberdade económica. Sem a liberdade económica, isto é, e como refere de forma cristalina António José Saraiva, sem um setor económico que seja independente e separado do Estado, não existe liberdade plena, e o autoritarismo do Estado, detentor do monopólio da força autorizada, terá sempre um solo fértil onde poderá germinar, seja essa a vontade dos decisores políticos. Assim, a liberdade que os conservadores devem preservar, que é aquela legada pelo 25 de Abril, é uma liberdade plena, ou seja, uma liberdade que engloba sociedade, política e economia. O 25 de Abril “Dia” marcou também o início, não obstante o desastroso processo de descolonização, de uma nova visão para a relação entre Portugal e as suas ex-colónias, não mais assente na ideia de Império, mas sim na de Lusofonia. Esta ideia vê em Portugal, não uma metrópole que administra as suas possessões coloniais e que tem sobre elas uma posição de supremacia, mas sim uma espécie de fonte originária de uma cultura e de uma mundivisão que, por meio de processos históricos de muito longa duração, por vezes violentos, por vezes pacíficos, são hoje comuns a uma série de países e de nações que estão, do ponto de vista político, em pé de igualdade com essa fonte originária. Esta visão, de uma comunidade de países e povos irmanados por um sentimento de pertença comum, deve ser, em absoluto, preservada pelos conservadores, na medida em que é a chave para que Portugal possa, por um lado, sair da sua dependência quase servil do comércio e dos fundos da União Europeia, e, por outro, atrair mão de obra dos países da Lusofonia, de modo a conseguir reequilibrar, tanto o sistema de contribuições para a segurança social, como os números alarmantes da natalidade. Esta última questão, em particular, reveste-se da maior importância, na medida em que a vinda de pessoas com uma mundividência e uma cultura mais similares à portuguesa poupará o país aos choques civilizacionais e culturais a que têm assistido outros países europeus, com consequências nefastas para a paz social e a civilidade do discurso e ação políticas. Por fim, o terceiro legado que o 25 de Abril “Dia” deixou ao país, é o da absoluta rejeição de falsos unanimismos, particularmente daqueles impostos pelo poder político à sociedade civil. Se analisarmos boa parte do discurso ideológico produzido pelo Estado Novo, principalmente depois de 1936, percebemos que ele assenta, essencialmente, numa ideia: a de que o país está em peso com o Dr. Oliveira Salazar, e de que os portugueses delegam nele, e apenas nele, a capacidade de interpretar os desejos e anseios da nação. O Dr. Salazar e as suas capacidades mediúnicas seriam, portanto, unânimes para os portugueses. Em tempos recentes, também se têm tentado criar outras unanimidades ilusórias. O Partido Socialista e o Dr. António Costa, por exemplo, têm feito um genuíno esforço para criar a narrativa de que é impossível, e desaconselhável até, haver um governo em Portugal que não seja liderado, ou que não conte com o apoio, do PS. O espírito profundamente antidemocrático que subjaz a este tipo de pensamento é exatamente igual ao espírito de que estava eivada toda a propaganda do Estado Novo: é o espírito do unanimismo, formulado na ideia de que a sociedade civil está unanimemente com um lado do espectro político, que se arvora em garante e portador único e incontestável dos valores do regime político vigente. Ora, foi precisamente este tipo de narrativa que os portugueses rejeitaram no dia 25 de Abril de 1974, ao derrubarem o Estado Novo, e abraçarem o pluralismo político, situação cristalizada pelas eleições para a Assembleia Constituinte de 25 de Abril de 1975. Cabe aos conservadores do presente preservarem este legado de pluralismo e discordância política, de modo a evitar que a atual narrativa autoritária do PS ganhe terreno, e venha originar, daqui a uns anos, a “mexicanização” do regime. Uma Mentira Contada Pela Geringonça Continua a Ser Uma Mentira Feita a distinção entre o 25 de Abril “Dia” e o 25 de Abril “Processo”, e elencados os valores que a direita deve conservar do 25 de Abril “Dia”, torna-se agora mais fácil desmontar a narrativa herdada da geringonça sobre a suposta incompatibilidade da direita com o 25 de Abril, infelizmente seguida por algumas figuras e partidos dessa área do espectro político. Para a esquerda, só existe o 25 de Abril “Processo”. Ou melhor, e sendo mais rigoroso, só pode existir o 25 de Abril “Processo”. Porquê? Se a esquerda admitir que existe uma outra interpretação possível da data fundacional do regime, em que a defesa da liberdade e da democracia não são conspurcadas pela defesa das perseguições políticas, das prisões arbitrárias, da reforma agrária, da violência política endémica, e da tentativa de tomada do poder por parte da extrema-esquerda, então essa mesma esquerda deixa de ter o moral high ground de que se arvora. Ela passa, pelo contrário, a defender (e celebrar…) a interpretação do 25 de Abril que deixou o país à beira da guerra civil, e que o aproximou perigosamente de uma “democracia popular”, de perfil similar às que existiam, então, no Leste da Europa. Exposto desta forma, percebemos, na sua totalidade, o ardil da esquerda: de forma a preservar a sua imagem de meninos de coro que cantam os “amanhãs” - enquanto escondem punhais e foices debaixo das sotainas -, PS, e, particularmente, PCP e BE, restringem e manipulam a interpretação do 25 de Abril, de modo que, e numa lógica de tudo ou nada: ou somos a favor da liberdade, da democracia, e do que se passou no PREC, ou então somos inimigos da liberdade, da democracia e do que se passou no PREC, sem direito a meio termo. Espero ter conseguido demonstrar que esta visão das coisas é mentirosa, e condiz mais com as posições oficiais e unívocas que se praticavam no antigo regime do que com o pluralismo interpretativo que se deseja numa democracia liberal. Conclusão Apesar de poder parecer um artigo redundante, a sua escrita pretende contribuir para acabar com um certo mal-estar que se instalou na minha área política em relação à data do 25 de Abril. Tendo sido gerado exogenamente, este mal-estar criou raízes nos últimos seis anos, e é mais do que tempo de começar a arrancá-las. Por isso, é essencial que a direita e os conservadores se recordem dos pontos essenciais deste texto: primeiro, é falsa a ideia da esquerda de que existe apenas uma interpretação do 25 de Abril; e segundo, só a interpretação conservadora permite a preservação dos valores que têm norteado o país nos último cinquenta anos, e que o continuarão a nortear para o futuro, e, ao mesmo tempo, a rejeição do PREC e das divisões que quase levaram Portugal à guerra civil.
- Simone
O traço intermitente numa página em branco sempre desconcertou Simone. Era uma marca acusatória – da falta de fluidez das suas ideas, da falta das ideias em si, do adiar de um trabalho que parecia, agora, avançar aos soluços. Na maior parte dos casos, a solução era linear, apesar de demorar o seu tempo a ser aceite e prosseguida: abrir a torneira e deixar correr sem controlo a água suja, até ver aparecer água limpa; querendo com isto dizer, escrever de forma persistente sem atentar cuidadosamente ao conteúdo textual, à construção frásica, à conjugação entre os vários componentes do texto. Simplificando, escrever pelo ato de escrever, quase como pegar num pincel, mergulhá-lo profundamente numa lata de tinta, e passá-lo indiscriminadamente pela tela. No entanto, a verdadeira tormenta de Simone provém do facto de há várias semanas, quiçá meses, se encontrar presa neste exercício de abertura e fecho da sua torneira literária, em que, mesmo após purificar a primeira água que saíra, parecia-lhe que esta permanecia contaminada. Não lhe agradava a forma como combinava as palavras, a dificuldade que experienciava ao tentar descrever um sentimento, um objeto, uma pessoa sem ir parar a um lugar comum, sentia que o que criava através da sua escrita não era verdadeiramente novo, único, especial. De modo a que, no momento presente, a estratégia adotada é permanecer imóvel diante do ecrã do seu portátil, com o insistente traço a não se mover um único milímetro para a frente. É uma representação visual do silêncio. No dia de hoje Simone levantou-se cedo. Tomou o pequeno-almoço, enquanto assistia ao telejornal da manhã. A seguir, sentou-se diante da secretária, colocada estrategicamente por baixo da janela quadrada, para a primeira batalha do dia travada entre si, o traço intermitente, e a página em branco ou parcialmente escrita. O arranque era, na maior parte das vezes, o que mais custava – pensava demasiado nas palavras que iria utilizar, e, enquanto esse pensamento vinha e não vinha, dava por si a observar atentamente as suas mãos e as suas unhas, ou a distrair-se com uma pessoa que, lá fora, atravessava a rua apressadamente, ou com um avião em rota descendente rumo à pista de aterragem, ou com o cortinado que emoldurava a própria janela, discutindo mentalmente se havia escolhido a cor certa. Estas distrações não tinham um tempo determinado, só sabia que a dada altura começava a cuspir letras que formariam palavras que formariam frases para a sua página, encontrando um certo ritmo naquela abordagem inicial. Eventualmente fez uma pausa para arejar a cabeça. Olhou, mais uma vez, para o exterior e viu que o dia convidava a um passeio até a um parque ali perto. Tinha por hábito, nessas caminhadas, transportar consigo um livro. Quando sentia o cansaço tomá-la, sentava-se num banco de jardim, rodeada por árvores, e mergulhava num universo paralelo, longínquo do seu. O livro é um objeto de estudo, de inspiração, e, ao mesmo tempo, um lembrete do trabalho pendente que deixara em casa. Era frequente questionar-se se os grandes nomes da literatura também experienciavam aquela sensação de impotência e constante insatisfação que agora ela atravessava. Parecia-lhe, no mínimo, bizarro conceptualizar, Elena Ferrante, a sua heroína literária (ou herói literário?) a debater-se com o “e a seguir?” a dar à sua história. Simone regressou a casa. Tinha a esperança de que o seu subconsciente absorvera, naquela incursão pelo mundo exterior e pelo mundo fictício, algumas peças que a ajudariam a completar o puzzle com que se depararia, mais uma vez, ao sentar-se à secretária. A verdade é que as questões existenciais da escritora que vimos acompanhando se prendem grandemente com um salto em direção ao abismo que esta decidiu realizar. Simone tem por hábito escrever histórias curtas, contos, crónicas, textos opinativos aqui e ali. Porém, propôs-se a empreender a nobre e árdua tarefa de escrever um livro. A sua primeira publicação com uma capa, contracapa e lombada, com páginas em que poderia tocar, agarrar, escrever, sublinhar. Seria algo mais do que simplesmente letras num ecrã de computador. De volta ao lugar de onde partira, Simone tenta chegar à raiz do problema. O desejo de escrever um livro, mais precisamente uma ficção, não era recente. Vivia dentro de si há quase tanto tempo quanto aquele em que entendia o conceito de sonho. Surpreendentemente, o enredo do seu livro veio-lhe à ideia de forma antagónica ao que agora experiencia: foi numa terça-feira à tarde enquanto aspirava a carpete, surgindo-lhe como uma sucessão de cenas de um filme hollywoodesco. Teve de desligar o aspirador de imediato e pegar no papel e caneta mais próximos, com receio de que se não escrevesse aquela ideia nunca mais a conseguiria formular da mesma forma, ou que qualquer outra que surgisse de seguida não teria sequer comparação. Foi o seu momento “BINGO!”. É no momento da execução, aquele em que presentemente nos encontramos, que Simone se sente a caminhar no deserto enquanto tenta transportar para o papel as imagens que o seu cérebro lhe fornece. Sente, além disso, a pressão, por ser a sua estreia, e de a isso ter associado a necessidade de que a sua criação seja algo que a satisfaça a si e que surpreenda quem a lê. Não há uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão. Simone quer mostrar a sua voz, que agora parece estar sumida, e que é merecedora de um lugar nas estantes dos leitores. Será o seu trabalho relevante, impactante? Vem acrescentar, ou a sua obra será só mais uma para o molho dos livros que estão anos e anos na pilha do “a ler no futuro”? Materializar a sua história é como apresentar-se a quem a lê e dizer “isto é a Simone. Sintam-se à vontade para determinar o meu valor em função da forma como descrevo esta bela casa”. A sensação é a de estar a dar cartão branco às pessoas para estas fazerem um visita guiada à sua imaginação. E por mais positivo que tal seja, por poder partilhar com o resto do mundo, isto é, com quem queira lê-la, algo que saíra de si, da sua cabeça; existe depois o reverso da moeda, sentindo-se assoberbada com o facto de estar a expor a sua maneira de pensar, e de estruturar pensamentos a quem a queira julgar e avaliar a própria qualidade desses pensamentos. E se for, no fim de contas, uma fraude? Para ela, uma coisa são as caixas de comentários dos seus artigos quando decide escrever sobre tópicos mais “sensíveis” como as consequências irreversíveis que o patriarcado tem na sociedade e em cada um de nós enquanto indivíduos que dela fazem parte, ou sobre mais um escândalo nas mais altas instâncias do Estado. Para esses já havia desenvolvido uma capa de imunidade. Um livro, por outro lado, trazia uma carga distinta. Teme que caso não se sinta realizada com o produto final, nunca mais conseguirá olhar para si enquanto escritora da mesma forma, que iria passar uma vida a duvidar de si. Todavia, muito pior que isso é constatar que se deixara amedrontar por suposições da sua cabeça e desaproveitara uma hipótese soberana para concretizar um sonho. No meio de todas estas hesitações, o traço ainda não saiu do local onde Simone o deixara antes da sua pausa para passeio. Talvez ainda não seja hoje que ela encontra a chave que abrirá o portão da sua inspiração. Não custará tentar amanhã, e depois, e no dia seguinte, e no dia seguinte a esse, até ao dia em que entrar numa livraria, saber exatamente a que corredor se dirigir, e passar a mão pela capa de um exemplar, onde ao meio lerá o seu nome.
- Carta a um Amigo Sobre um Episódio Insólito
Caríssimo Zé, Há coisa de duas ou três semanas, deu-se o desfecho, que não hesito em classificar como trágico, de um dos episódios mais insólitos a que o nosso país já assistiu. De facto, foi um episódio de tal forma bizarro que ao narrá-lo a mim mesmo mais parecia estar a fazer o resumo de um romance do que a contar uma história verídica. Por isto mesmo, não te admires se estas palavras, em certos momentos, se assemelharem mais a um conto ou uma novela do que a uma carta: as coisas são como são, e não consigo descrevê-las de outra forma. Se me obrigasses a dizer-te, numa frase, do que se trata este episódio da vida nacional que te vou contar, acho que colocaria a questão nos seguintes termos: é a história de como amor e admiração podem nascer do ódio, do ressentimento, da vingança e da violência. Curioso? Vamos a isto. Como sabes, o país tem andado em más águas. Não sei se tens acesso a notícias de cá, para além do que te vou escrevendo, mas a verdade é que atingimos o mítico fundo do poço. Greves constantes de serviços públicos e privados; manifestações todas as semanas nas capitais de distrito, e praticamente diárias em Lisboa; sindicatos novos a cada hora, com reivindicações e métodos mais radicais que os anteriores; violência praticamente endémica nas principais vias de cada cidade; destruição e depredação de monumentos e edifícios públicos (chegaram ao ridículo de profanar os túmulos do Panteão Nacional!); ocupas, a que a comunicação social carinhosamente chama “ativistas pelo direito à habitação”, a tomarem conta de bairros inteiros com a mais completa conivência da polícia e dos tribunais, e perante a total impotência dos proprietários… Enfim, um estado de coisas tal que só mesmo os mais ferrenhos anarquistas o podem considerar como “satisfatório”. No meio deste caos generalizado, no entanto, estão sempre os indivíduos. São eles quem mais direta e violentamente sofrem as consequências da desordem civil e política. O Bernardo Ferronha foi um deles. Bernardo José de Oliveira Ferronha foi, durante parte substancial da sua vida, um zé-ninguém. Com o nono ano de escolaridade, trabalhava desde os dezoito numa loja estilo Maxmat, a acartar sacas e a conduzir uma empilhadora para aqui para ali. Pagava os seus impostos, não era casado e não tinha dívidas. Os seus vícios, o cinema e o tabaco, eram modestos. As paixões, a História, o Património e a Música, vivia-as serenamente, degustando as palavras, absorvendo o espírito dos lugares e sentindo a vibração das notas. Aos 29 anos perdeu o pai, e, uns meses depois, a mãe. Sozinho, vendeu a casa dos pais, a casa de infância, e mudou-se para um apartamento nos subúrbios de Lisboa, um sítio muito pequeno, mas muito asseado, com casa-de-banho, quarto e kitchenet. Em frente da única janela de que dispunha, com vista para um parque bem cuidado, instalou uma poltrona onde passava as folgas tranquilamente a ler, a ouvir música, e a fumar. Como vês, um tipo perfeitamente mundano, equilibrado, amante dos pequenos prazeres e apreciador da tranquilidade. No entanto, as coisas começaram a mudar, e de forma vertiginosa, nas semanas que precederam a sua prisão. O rastilho de acontecimentos que perturbaram o equilíbrio da vida do Bernardo Ferronha e o levaram à prisão, começaram no dia em que o armazém onde trabalhava foi invadido. Até esse dia, em que, por coincidência, completou 37 anos, tinha vivido alheado da política e dos seus desdobramentos: não tinha televisão nem rádio, o telemóvel era de teclas, e os jornais não faziam parte da sua lista de leitura. Talvez por isso tenha ficado particularmente perturbado quando um grupo de jovens, armados de barras de ferro e correntes, entraram pelo armazém adentro, a gritar que exigiam a presença imediata do “patrão”. Quem era o tal “patrão”? Um homem dos seus 60 anos, manco, que tinha montado aquele negócio de raiz, e que assim que surgiu à vista dos jovens revolucionários (de facto, “jovem revolucionário” é um tanto redundante, porque só há dois tipos de revolucionários: os que são jovens e os que estão mortos) começou a ser violentamente sovado. O próprio Bernardo Ferronha deixou um testemunho escrito sobre esse acontecimento, entretanto publicado (talvez fosse conveniente enviar-to junto desta carta…), e que passo a citar: O grupo de rapazes, ao verem o Sr. António surgir da porta do escritório com o seu característico aspeto de autoridade natural e patrística, atiraram-se a ele como os conspiradores a César. Quando terminaram a sua barbárie, aquele a quem desdenhosamente chamavam “o patrão” estava estendido no chão, ensanguentado e indefeso. Um dos rapazes, talvez o líder, começou a proferir um discurso, previamente ensaiado, mas de retórica e conteúdo panfletários: “Trabalhadores: como sabem, o patronato tem-vos explorado ao longo dos últimos anos. Ao abrigo da crise, cortam-vos salários e limitam-vos direitos. Eu e estes meus camaradas estamos determinados a acabar com isso, e a fazer cumprir Abril! Por isso mesmo, viemos aqui anunciar-vos que foram convocados para fazerem parte da União Revolucionária dos Sindicatos da Grande Lisboa e Vale do Tejo!”. O discurso prosseguiu por o que me pareceu uma eternidade, com apelos a isto e àquilo, e com a característica pobreza dos jargões revolucionários sempre presente. A parte verdadeiramente importante para a maioria dos presentes, incluindo o pobre do Sr. António, foi deixada, como de costume, para o fim: ao que parece, toda aquela agitação tinha fundamento numa denuncia anónima de que naquela empresa o patrão consumia os lucros em aumentos salariais próprios, ao mesmo tempo que pagava ordenados exíguos aos funcionários. Naturalmente, a base para aquele simulacro de revolução proletária era falsa: o Sr. António não só não tinha quase lucros nenhuns, como não poucas vezes tirava do próprio bolso para manter as contas em dia, ordenados incluídos. Mas, evidentemente, os revolucionários não estavam interessados em descobrir a verdade. Já vinham de cabeça feita. Por isso mesmo, declararam a empresa ocupada até haver aumentos salariais, com dispensa dos trabalhadores. Escusado será dizer que não demorou muito até que estivéssemos todos desempregados. As semanas seguintes foram intensamente transformativas. Desempregado, e algo abalado pelos acontecimentos recentes na sua vida pessoal, Bernardo Ferronha, um homem até aí mais ou menos isolado do mundo, desabrochou para a realidade das coisas. De manhã, no caminho para a loja do cidadão e para o centro de emprego, ganhou o hábito de parar num quiosque que tinha perto de casa e de aí comprar o jornal. Lia-o calmamente, todos os dias, enquanto aguardava que chamassem a sua senha. Quando terminava, e se ainda não tivesse chegado o seu número, ficava em silêncio, a ouvir as conversas alheias. Também sobre elas deixou o seu testemunho: Sentado nos desconfortáveis bancos de metal e plástico da sala de espera, aborrecido de morte, ia ouvindo os queixumes daqueles que, tal como eu, esperavam a sua vez. “Hoje tive de trazer o carro outra vez, por causa da greve dos autocarros”, dizia um rapaz jovem e bem vestido, a um homem com ar de marginal, que retorquia, irritado: “Nem me diga nada! Estes gajos é greve dia sim, dia não! Juro-lhe, se apanho um dos grevistas, faço-lhe a folha!”. O jovem bem vestido acenou a cabeça lentamente, em aprovação. Quando finalmente consegui emprego, numas obras que se estavam a fazer na Praça do Comércio, encontrei o mesmo tipo de queixume e de raiva fervilhante um pouco por todo o lado. “Estes gajos dos comboios”, disse ainda outro dia uma senhora, no metro, “era pô-los todos em linha num paredão e corrê-los a tiro de G3!”. A sua interlocutora acenou vigorosamente com a cabeça, e eu dei por mim a acenar também, embora de forma disfarçada. É notável como a raiva, fruto da injustiça, é contagiante! É notável, sim senhor! Cinco dias por semana, descia o Chiado e a Rua Augusta até ao trabalho e via os efeitos das ocupações de casas e das greves violentas: gente insuspeita, com posses, lançada para a indigência, sem hipótese de trocar de roupa, de tomar um banho, de fazer a barba ou de dormir em cama a que pudesse chamar sua. Mais do que ver estas pessoas, sentia-as. Sentia o ódio latente nos seus olhos, a raiva nos gestos, a necessidade de uma desforra nas palavras. E quanto mais passava por elas, mais se identificava com a sua causa, mais o calor destemperado da fúria crescia no seu âmago. Mal sabia que estava a poucos dias de a soltar. Certa noite, ao voltar para casa, percebeu que não conseguia abrir a porta. A chave entrava na fechadura, mas não rodava. No livro que tenho citado, o Bernardo Ferronha escreveu: Um arrepio desagradável percorreu-me a espinha. Será?, pensei eu, os meus olhos a turvarem-se com lágrimas de frustração. Do interior do apartamento, uma voz esgazeada deu-me a confirmação do que eu mais temia: a minha casa tinha sido ocupada. “Esta casa está ocupada, especulador do caralho! Põe-te a andar!”. Quis ter arrombado a porta. Quis ter entrado pelo apartamento adentro, e espancado da forma mais violenta possível quem quer que lá estivesse dentro. Quis ter arrastado os corpos inertes escada abaixo, e tê-los atirado para o caixote do lixo da esquina. Mas não fui capaz. Senti-me impotente. Fiquei uns cinco minutos a olhar para a porta, incrédulo. Depois despertei da minha letargia e fiz o que muitos fazem: dirigi-me para as barracas da Baixa, a procurar abrigo. Não sei se chegaste a saber deste detalhe que o Bernardo Ferronha refere, mas quando a crise dos ocupas se agudizou, a CML montou umas barraquinhas coletivas, na Baixa Pombalina, para albergar os espoliados. A ideia original era as chamadas “Barracas da Baixa” acolherem as pessoas por uns dias, uma semana, no máximo, até se conseguirem ver livres dos ocupas. Infelizmente, muitos ficaram lá meses, e alguns ainda lá estão. No dia em que foi preso, Bernardo Ferronha estava de folga. Era agosto, e fazia um calor infernal em Lisboa, com as temperaturas a chegar aos quarenta graus. Sem nada para fazer, decidiu preambular pela capital. Por todo o lado, se viam desalojados, de caras tristes e humilhadas, alguns pedindo esmola. Depois de passar em alguns alfarrabistas, começou a pensar no seu apartamento ocupado, e cresceu em si uma raiva e uma coragem que decidiu aproveitar. Foi enquanto subia o Chiado, em direção ao metro, que a sua vida mudou. Precisamente no momento em que passava junto à Igreja de Nossa Senhora dos Mártires, ao Chiado, saíram de dentro dela três rapazes e um padre. Dois dos rapazes carregavam a cruz do altar, enquanto o terceiro segurava o religioso, lívido, pelo colarinho. Os que seguravam a cruz, atiraram-na escadas abaixo e começaram a saltar em cima da imagem de Cristo. O que segurava o padre ria-se à gargalhada, como um animal selvagem. Horrorizado, o pároco chorava, implorando misericórdia. Ato contínuo, os dois primeiros afastaram-se da cruz, e o terceiro empurrou o eclesiástico violentamente contra a imagem de Nosso Senhor, lançando-se depois sobre ele, esmurrando-o violentamente. Eu, perdendo a consciência do que fazia, e deixando o ódio acumulado e cego tomar conta de mim, agarrei numa pedra solta da calçada, e dirigi-me ao que agredia o padre. Quando o rapaz virou a cara para mim, confuso, assestei-lhe com a pedra em cheio na boca, fazendo esguichar sangue para a escadaria de mármore. Não sei quando golpes lhe dei a seguir, quando ele já estava deitado, e provavelmente inconsciente, mas tremo ligeiramente ao recordar-me do som que os ossos do rosto faziam ao partir-se. Quando me acalmei, a cara do terceiro agressor não era mais do que uma massa sanguinolenta, completamente irreconhecível. Antes que pudesse fazer o que quer que fosse, três gendarmes, vindos não sei bem de onde, lançaram-se sobre mim e algemaram-me. Essa foi a primeira de muitas noites em que dormi na prisão. Chegamos, caro Zé, ao momento mais surreal desta carta. Peço-te, antes de prosseguires com a leitura, que releias as palavras com que escolhi resumir esta narrativa. Já o fizeste? Pois bem, com elas em mente, vamos continuar. Não é difícil imaginar o estado em que ficou o Bernardo Ferronha depois de ir parar à prisão. Um tipo cuja vida, até há uns meses, se resumia num eterno percurso casa-trabalho, trabalho-casa, encontrava-se, de repente, a aguardar julgamento por homicídio, com risco de ir de cana durante dezasseis anos. Ao fim da primeira semana, e depois de duas reuniões com um advogado contratado pelo Estado – um tipo novo, nervoso, acabado de sair dos bancos da Faculdade -, já pensava em matar-se. Passava os dias a deambular dentro da cela, na biblioteca, no pátio e no refeitório, como um fantasma. Afastava-se dos outros reclusos, e os outros reclusos afastavam-se dele. Ao fim do primeiro mês, no entanto, quando já tinha todo um plano delineado para se suicidar, as coisas mudaram: chegou-lhe uma carta. Sem quaisquer familiares próximos vivos, estranhou. Examinou bem o envelope antes de o abrir, procurando sinais que pudessem identificar o sítio de origem. O papel em que a carta tinha sido escrita fora arrancado de um caderno pautado. O Bernardo Ferronha transcreveu-a na íntegra para o seu livro: “Sr. Ferronha, Vi o que fez. O seu nome e o seu rosto estão em todos os jornais. A sua vida privada foi completamente exposta à devassa pública. Chamam-lhe extremista e agente do ódio. Os de sempre falam na necessidade de moderação e de acalmar os ânimos, chamam-lhe louco. Para mim, e para muitos com quem tenho falado, você é um herói. Fez o que todos devíamos fazer, mas não temos coragem. Você é um exemplo, e a sua prisão horroriza o mais básico sentido de justiça! Sei que esta carta não lhe serve de muito, mas ao menos que lhe dê animo para lutar contra esta corja em tribunal. Tem o meu apoio e amizade incondicionais! Um grande abraço e muito ânimo, Luís Gonzaga”. Esta carta que leste, a primeira de muitas, resume bem o sentimento que as ações do Bernardo Ferronha produziram no país. Enquanto os jornais pintavam um assassinato macabro, com motivações políticas, de um jovem idealista às mãos de um bronco iletrado, as pessoas, de um modo geral, viam alguém como elas que, farto de ser maltratado pelo “sistema”, reagiu da forma como podia e sabia. Este apoio, expresso, no início, por palavras tartamudeadas em surdina nas mesas dos restaurantes e nos balcões dos cafés, foi ganhando lentamente uma dimensão nacional. Houve um acontecimento, no entanto, que, muito mais que todos os outros, fez com que este apoio deixasse de ser envergonhado e passasse a ser explícito: a manifestação de homenagem ao André Filipe, o rapaz assassinado pelo Bernardo Ferronha. O evento, organizado pelo Governo e por uma lista colossal de sindicatos de que o jovem fazia parte, começou no Saldanha e era suposto seguir até ao Chiado, à Igreja dos Mártires. Nesse dia, lembro-me bem, pairava em Lisboa um silêncio tenso, o tipo de silêncio que, no contexto doméstico, antecede uma discussão acesa. Na dianteira da manifestação iam o primeiro-ministro, o líder da oposição, e os principais líderes sindicais, bem como a mãe do André Filipe, que seguiu chorosa e agarrada ao Presidente da República, também presente, o caminho todo. Ao longo do percurso, foram-se ouvindo apupos e insultos da população, controlada a custo pelos elementos da polícia. No entanto, quando a manifestação chegou ao Parque Eduardo VII, as coisas saíram de controlo. Os muitos desgraçados que tinham ficado sem casa devido aos ocupas fizeram uma espera aos manifestantes, com pedras arrancadas da calçada em riste. Do confronto que se seguiu, ficará para a História a foto do momento em que o primeiro-ministro, amedrontado, leva com uma pedra em cheio na nuca, e desmaia para os braços do Presidente da República. Mas esta manifestação foi meramente o começo. Um pouco por todo o país, as pessoas, imbuídas deste novo espírito de luta, e, porque não, de justiça, começaram a imitar os feitos do Bernardo Ferronha. Por todo o lado, começaram a surgir corpos esventrados e dilacerados de sindicalistas e políticos. Tornou-se habitual, nos jornais, vir noticiado que “x ativistas pelo direito à habitação foram mortos a tiro pelo proprietário do imóvel que aqueles ocupavam”. No Norte, a tentativa de invasão de um complexo fabril desencadeou uma autêntica batalha campal, que só a intervenção do exército conseguiu domar. Uma espécie de contrarrevolução estava em marcha. Enquanto parte do país se digladiava, deu-se, em Lisboa, a primeira sessão do julgamento do Bernardo Ferronha. À entrada do tribunal, aguardavam centenas de pessoas, com cartazes a exigir a sua libertação. Durante a audiência com o coletivo de juízes, os trabalhos tiveram de ser interrompidos três vezes, devido ao barulho ensurdecedor dos manifestantes. O próprio Ferronha descreveu a situação nos seguintes termos: O advogado de acusação, pago a peso de ouro pelos sindicatos, e, suspeito eu, por alguns partidos, estava permanentemente a olhar para a porta, muito ciente da possibilidade de os manifestantes poderem, a qualquer momento, irromper pela sala de audiências. Já o advogado que me representava, pelo contrário, e pela primeira vez, parecia muito seguro de si, sorrindo a todo o momento, e garantindo-me, em surdina, que “isto já cá canta”. Quando saí do tribunal, fui aplaudido apoteoticamente pela multidão presente, que exibia cartazes com o meu rosto. Entrei na carrinha celular ao som de um cântico de apoio que passei a declamar, baixinho, à noite: “Bernardo, honrado, sabe que és amado!”. O julgamento demorou pouco mais de onze meses, um tempo recorde. Segundo soube, e estas informações vieram de colegas muito bem posicionados, houve muitos telefonemas de figuras políticas para membros do coletivo de juízes, a exigir que o julgamento fosse feito o mais célere e pacificamente possível, de modo a matar de vez o caso. A cada sessão apareciam mais pessoas, mais apoiantes, e eram necessários mais reforços policiais. Na derradeira sessão, o presidente do coletivo de juízes leu a sentença com indisfarçável aspeto acabrunhado, lançando olhares nervosos a todo o momento para a porta da sala de audiências e para os membros da polícia presentes. Ao fim de três horas de sessão, e com uma argumentação extraordinariamente duvidosa do ponto de vista jurídico, declarou que o Bernardo Ferronha estava ilibado. O recém-inocentado descreveu assim a reação da multidão: Ao sair do tribunal, livre de algemas pela primeira vez em muito tempo, fui recebido da forma mais calorosa possível pela população que me aguardava. Havia-os de todas as idades, homens e mulheres, negros e brancos. A uni-los, um sentimento comum de que, naquele dia, tinha sido feita justiça. Foi enquanto falava com aquelas pessoas, uma a uma, que percebi que não podia voltar à vida que tinha antes. Tinha de fazer alguma coisa, tentar mudar o país. Esforçar-me por tentar devolver àquelas pessoas parte do amor que elas me dedicavam. Foi na senda deste último pensamento que o Bernardo Ferronha se decidiu dedicar à política. Unindo uma série de grupúsculos de extrema-direita que o idolatravam, formou o “Esperança”, um movimento político cuja plataforma se baseava, por inteiro, em restabelecer a ordem no país, punir os ocupas e os invasores, restringir o direito à greve, e criar as condições legais e de segurança necessárias para o relançamento económico do país. Prontamente condenado por todos os partidos do regime e pelos jornais, este novo movimento organizou comícios em todo o país, arrastando atrás de si centenas de milhares de apoiantes. Um desses comícios merece destaque: o da Praça do Comércio em Lisboa. Discursando do cimo do arco da Rua Augusta, como faziam os dirigentes políticos do antigamente, Bernardo Ferronha deixou uma promessa aos milhares de apoiantes que se tinham juntado na Baixa para o ouvir falar: “Não vos abandono!”. Mal sabia que a História estava prestes a colocar um ponto final na sua meteórica ascensão. Durante uma arruada no Porto, três dias antes das legislativas, um sindicalista, Aurélio Barros, disparou cinco vezes sobre Bernardo Ferronha, à queima-roupa. O óbito foi declarado no Hospital de São João, após cinco longas e tensas horas de cirurgia. No dia seguinte ao anúncio, violentas manifestações assolaram o país, pedindo justiça. A carrinha onde seguia o assassino, que estava a ser transferido para Lisboa, foi abalroada e assaltada por apoiantes do “Esperança”, que raptaram Aurélio Barros e o mantiveram cativo em local incerto até há poucos dias, quando foi divulgado um vídeo em que este último listava todos os mandantes do crime. A lista incluía líderes sindicais e políticos, e o plano geral era de tal forma intricado e absurdo que mais parecia urdido por mafiosos da Cosa Nostra, com direito a fugas simuladas e trocas de identidade. As consequências desta informação não se fizeram esperar: uma explosão de violência que culminou na invasão do Parlamento, e na retirada do governo para a Madeira. Escrevendo-te meros três dias depois desta invasão, ainda não te consigo dizer quais serão os resultados longevos deste caos. Não estarei a exagerar se te disser que o nosso país esteve à beira de uma verdadeira rutura da ordem política e cívica. A lei marcial foi decretada, e o exército está nas ruas. As manifestações que ainda vão existindo, de um lado e doutro, são rapidamente suprimidas. A paz vai sendo restaurada a pouco e pouco, ainda que com mão de ferro. Para ti, caro Zé, que lês este resumo algo atabalhoado da nossa história recente, poderá parecer fácil encontrar o epicentro de tudo isto. Permite-me desiludir-te dessa presunção. De facto, e olhando de fora, tudo parece óbvio: a desordem tem origem num homem cuja maldade foi interpretada pelos seus pares, de forma distorcida, como uma virtude a ser imitada. Superficialmente, pode parecer assim. Nenhuma pessoa racional duvidará que o que tornou a existência do Bernardo Ferronha num assunto público foi um ato que só alguém tresloucado é capaz de cometer, independentemente do quão mortificado tenha ficado a posteriori. Mas para entenderes verdadeiramente as origens da nossa situação presente, e o amor e devoção que os nossos compatriotas dedicaram a este homem, tens de fazer a ti mesmo esta perguntas: porque é que o amaram? Porque é que, num assassinato absolutamente doentio, os nossos concidadãos viram um ato de libertação? Porquê? Se analisares a fundo estas questões, chegarás a uma resposta praticamente comum: tudo isto aconteceu, e os protagonistas reagiram como reagiram, devido à desordem que precedeu a desordem. Os nossos males não começaram com o assassinato do André Filipe. Começaram muito antes, de maneira insidiosa, como um tumor, e foram crescendo até contaminarem a sociedade com a raiva e o ódio. O Bernardo Ferronha foi apenas mais um dos contaminados. Aquilo que ele fez poderia ter sido feito por qualquer outro. A divulgação pública da sua existência não foi mais que um processo de autoconhecimento coletivo de toda uma nação. Foi por isso que as pessoas o amaram e o veneraram. De repente, viram alguém exatamente como elas a fazer o que, no seu íntimo, elas também desejavam. Foi por isso que sentiram que podiam fazer justiça pelas próprias mãos, a justiça que lhes tinha sido negada. Assim, a violência gerou violência, a desordem gerou desejo de ordem que redundou em mais desordem, e tudo terminou com uma mão de ferro, que ninguém pediu e em quem ninguém confia, a esmagar-nos coletivamente enquanto nação. Para terminar, deixo-te um pedido, amigo Zé, que estou certo de que irás acatar: reza à Providência que me proteja a mim e à minha família, bem como a todos aqueles que não desejam mais que viver em paz com o seu semelhante. Obrigado. Um abraço fraterno e sincero, Alexandre Martins
- ZABA
One day, I woke up. On that day, I met the Witch. I had woken up in the midst of green moss, surrounded by millions of trees. My first memory is of sitting down, and of the moss clinging to my arms. I did not know where I was. Nor did I recall falling asleep. The leaves of the trees were a deep, lush green, with trunks adorned by vines that seemed to glow and shimmer in the dim light of early evening. I forced my little legs to stand on their own and took a look at what had been my ‘bed’: from it sprouted the remainder of the forest floor, covered with a soft blanket of glowing mushrooms and flowers, emitting a gentle pale blue glow that seemed to illuminate the path ahead. My legs trembled in response to my efforts, and so, I leaned against a tree. So many sounds. Maybe it was the rustling of fallen leaves, sounding too much like whispers. Or the snap of a twig that made me recoil. I could not stay. Therefore, me and my leather shoes would have to follow the glowing path. I walked for what seemed to be an eternity, and with a quick pace out of caution. I could not trust this hypnotic, dream-like place, no matter how much it calmed my senses, and made me wish to stop and explore more than ever. At last, the path gave way onto a clearing surrounding a small cabin. It was old and worn, built in a sad, beige coloured stone, contrasting against the colourful and warm jungle. I smiled. It was lovely. ACT I. I dusted my dress off and fixed my bangs as best I could – I could not look unkept in front of the owners! – what if they were the rulers of this forest? What would they think of me? My face, I could not check, but I wiped my cheeks the best I could against the back of my hands. Joining my heels together and stretching my hand to the top of the door, I knocked thrice. And waited. And waited. And waited. What if they had seen my sorry state through the window and did not want to let me in? Oh, no, was I to spend the remainder of my days alone, in the middle of the trees and away from a warm blanket? A bird came to sit on the porch, interrupting my thoughts. It had feathers dark as the night, and a long, pointy beak somewhere between yellow and orange. It stared at me, and hopped a little closer to where I was. I leaned down, closing in the distance between our noses. ❝Hello, mister! ❞, I greeted – ❝Is this your home? ❞ It made an eerie, intricate cackle in response. I covered my mouth to giggle, as to not frighten it. A loud, piercing sound filled my ears, and both me and my new friend turned our faces towards the source. However, before my eyes could even adjust, the bird flapped its wings and took flight, and I reacted by stepping back and covering my eyes. As I shook my head and lowered my arms, a voice beckoned closer. ❝And what do we have here? Are you lost, Child? ❞ The bird neatly landed on a woman’s shoulder, and she raised her left hand to its beak. She had long black hair that extended down to her back, framing her smooth, unlined tanned complexion. She stared at me with a slightly furrow brow and droopy eyes, but her kind smile betrayed her aura of mystery. I was fascinated to the point where I did not know what to say. She let out a laugh and lifted her skirt up to her ankles so that she could walk towards me. With every step, a soft tinkle followed – for her head was covered by a witch’s hat made of a soft, black fabric, and a sturdy brim. It was held against her jaw by a lace of the same colour, tied up in a neat bow by the neck. And most curious of it is, not only was it adorned with two majestic deer horns, but said horns had various metals strings, decorated with various figures such as stars and moons, crashing against each other constantly at every movement of hers. When she got to the steps in front of the porch, she lowered herself in front of me, and held her hat with one hand, resting the other on her lap: ❝This is my home, Child. And my pet’s too. ❞ Now that she was close, I could notice that despite her tender smile, she had a weariness to her – with deep, black eyes that bore no light, and dark circles underneath them. She looked worn out, away from the youthful glow a woman of her age should have. Maybe it was just late. And maybe she was just tired. ❝Miss, I am terribly sorry! ❞, I blurted, and immediately lifted my hand to my mouth, and lowered my tone, ❝I really did not mean to intrude! I’ll leave right away! ❞ ❝Nonsense, Child, it is alright. You were merely wandering and wondering. There is no harm in such. ❞ I held my hands behind my back and fiddled with my feet out of embarrassment. The woman placed her free hand on my left arm and asked: ❝Why are you here, Child? Did you come alone? ❞ I replied with a nod. The woman furrowed her brows further and let go of her hat, so that she could hold both my hands with care. ❝I am the Witch of the Wilds. And I am the only girl in this forest. You must be far, far away from home. ❞ ❝I’m cold and hungry, Miss. I woke up in a bed of moss and I think I am hurt as well… ❞ She lifted herself slowly and opened the door with a key. As she gestured to the inside of the Cabin, she hushed with a soft voice: ❝Come inside for a cup of tea and some rest. The Moon has risen, and it is no time for little girls to wander alone. ❞ I did no more than thank her. I could feel my heart pounding as I entered the cabin. It was filled to the brim with strange objects, and vials of every colour possible and imaginable were messily arranged on shelves and tables. The Witch stood across what seemed to be a kitchen counter and filled a kittle with water – she then placed it on top of an old stove. She flicked her wrist, and the flame underneath the kettle came to life. She turned to me and leaned against the counter: ❝What sort of tea do you enjoy, Child? Herbs? Fruits? ❞ ❝Oh, I love fruit! ❞ ❝Is that so? Any preference? ❞, she extended her hand to reach the tips of my hair, and fiddled with them, ❝Perhaps a blueberry blend? To match your unique coloration. ❞ I shied-away from her touch and curled my hair between my fingers – ❝It’s messy, I’m sorry. I must have lost my braids whilst sleeping. ❞ She smiled and began to select the ingredients for the tea. She plucked a few leaves from a plant that hung from the ceiling, and opened a jar filled with blueberries. She carefully measured the perfect amount for the blend, and continued to chat with me whilst working: ❝Dark brown hair with blue ends – how quaint. Did you dye it yourself? ❞ ❝N-no, I did not. Mother helped. ❞ The Witch suddenly stopped stirring. She turned quickly after dropping the mixture onto the kettle, walked across the room, and pulled out a checkered red blanket, wrapping it on my shoulders. She then pointed at a tall bench and gestured for me to sit on it. ❝Forgive me, ❞ she apologized, ❝I do not feel the cold, and thus I had forgotten about your early request. ❞ I answered with a smile. How kind of her. The black-haired woman returned to her task, and as she poured the liquid into two matching teacups, her bird companion flew back to the counter, watching intently. It chirped at me. I could not hide my curiosity any longer and asked if it was a Raven. She cackled, with a heartly laughter and explained that it was neither a Raven, nor a Crow: ❝A Blackbird. The beak is orange, my dear. Ravens and Crows have black beaks. ❞ the woman then pushed the small cup towards me: ❝Drink this, Child. It will help you feel better.❞ I blew onto the warm cup and held it with both hands. We sat there for a while, quietly drinking. The Witch did not sit at the counter with me, but rather at the edge of her window, forever staring into the outside. I took the time to become familiar with the Cabin. It seemed like this ‘kitchen’ took up the whole bottom floor, with wooden stairs at the far end of it. It had many cabinets, and many, many plants – whether on the floor, ceiling, on the tables, or even growing out of the cabinets. Unlit candles of all shapes and sizes were spread out as well. As for the tables – there were at least three: one with books stacked on top of it, another with round stains from mugs and cups, and a larger one that was next to the door, filled with pots, plants and gardening supplies. On this third table there was also an object that did not match the rest of the decoration – a singular porcelain vase, in traditional white and blue, with a delicate shape and intricate design. The vase was tall and elegant, with a narrow neck that flared gently towards the base. The surface was covered in a smooth, glossy glaze that caught the light from the window and shimmered, in such a way that only ice on a sunny day could do. But what truly drew me towards it were the butterflies that adorned it – they were engraved in exquisite detail, with each graceful wing captured perfectly. Some were in full flight, and others sat in branches or flowers. ❝Have you taken a liking to this room, Child? ❞ I almost jumped in my seat. How embarrassing! I was caught staring whilst a guest! ❝I’m so sorry! ❞ I blurted, my cheeks growing hot – was it the tea, or was it my embarrassment? ❝It is alright. You have never been here before; it is only natural. ❞ The Witch left the brim of the window and sat in front of me. Her hand reached for her Blackbird, and it let her finger stroke it’s head – it closed its eyes in pleasure. Would it be ok to ask questions? Perhaps it would be rude… but the Witch seemed so sweet! And everything seemed so wonderful – all these plants, this cabin, this tea, this bird…! And that, that— ❝You’ve been gawking at my vase for a while, dear. ❞ My eyes widened. She noticed! – I’m such a sour guest, I should be ashamed! She was kind enough to care for me, and I have done nothing but intrude…! And as the woman gave me an endearing look, her eyes answered all my preying doubts: ❝It is an antique. Do you know what that is? ❞ ❝I don’t, no…❞ ❝How old are you, Child? A decade, perhaps? ❞ I nodded. ❝Well, an antique is something that has lived more than hundred times your life. It is quite valuable due to its age and quality – and I am not surprised you are drawn to it. ❞ ❝How so? Is it… ❞ ❝Yes, Child. It is magical. ❞ I covered my open mouth with my hand: ❝So you truly are a Witch! ❞ ❝Well, but of course— ❞ ❝And the fire on the stove was really your magical hand? It wasn’t a trick? ❞ She lifted her right hand and snaped her fingers. A small flame sprouted from her index finger as if it were a candle. The Witch closed her hand with a flourish, and the fire was gone. ❝Miss Witch! ❞ I exclaimed, ❝You’re amazing! ❞ ❝I’m most thankful, sweetness. ❞ the woman smiled with closed eyes, and as she opened them, the smile gave place to a strange, serious expression, ❝But do not call me ‘Miss’. My title is ‘Witch’. Please address me as such. ❞ I clasped my hands and smiled with all my heart: ❝No problem, M—Witch! Oh, this is most wonderful! Can you do something else? Please, please, please? ❞ The Witch of the Wilds shook her head, and her face softened once again: ❝I already have. Were you not hurt before, Child? ❞ Hurt? Oh! Yes, I was hurt! But the— ❝…the pain is gone after the tea! ❞ She nodded in response. I examined all my limbs for the bruises I previously had. ❝My knees are no longer scrapped! ❞, I clapped out of joy, and the bird reacted fearfully, jumping to his mistress’s shoulder, ❝Oh, this is most wonderful! Thank you, so much! ❞ The woman stood up and coddle the bird, and moved to the cabinet from which she removed the blanket: ❝It is no trouble, really. However, there is something I would like for you to do as… repayment. ❞ The cabinet made a sharp wooden sound as she opened a drawer and searched for something on it. I gave one last look at the vase (for she was not watching me), and turned to the Witch: ❝What is it, Mi—Witch? ❞ She gave the bird something, and it flew to the counter, dropping it as it lowered. It seemed to be an old and worn pack of cards, with silver engravings on it, forming shapes and symbols I did not know. ❝A Tarot reading, Child. ❞ the Witch explained, ❝All I wish in repayment is a look into your Future. ❞ The Witch sat across from me, took out the cards and began shuffling her deck. I stared in awe: ❝I don’t know what that is. ❞ The woman cut the deck and spread the cards, and finally, shut her eyes. She opened them with force, and a hint of a glossy, blue glow bathed them. Candles lit with soft flames across the room, making up for the absence of light due to nightfall. I felt my stomach in knots and let the blanket fall from my shoulders. I was nervous. So nervous. I did not understand what was going on. The Witch of the Wilds, and her mystical glowing eyes, offered me a warm smile and asked me to pick a card. And so, I did. My first card had a cloaked figure, who stood in front of three spilled cups – they also had two cups standing behind them, and both were still full. I couldn’t help but to furrow my brows. ❝Alright, come close. ❞, the Witch whispered as she extended her palm for me to place the card, ❝Let me show you everything I know. ❞ She took one good look at it and placed the card on the centre of the circle with a dejected face. ❝What is it? ❞, I murmured, ❝Is it bad? ❞ ❝It is your Past. The Five of Cups. ❞, the woman responded, ❝It represent loss, grief or even disappointment… It leads me to believe you have experienced deep pain and sadness. ❞ My heart ached. ❝Grief…? What is grief…? ❞, I mumbled under my breath, ❝And what sadness? I feel happy. I am here. ❞ The raven-haired woman removed her hat and placed it on the edge of the counter. She had a third eye drawn neatly with black paint on her forehead, much like a tattoo, that glowed softly with the same intensity as her new blue eyes. ❝Grief is sorrow, unhappiness. It comes to you when you lose something you hold dear. As for you… perhaps you feel happy now, but considering this is your Past... perhaps you did not feel happy before. ❞ I shook my head in confusion. I did not understand. The Witch kept insisting on this. ❝Tell me, Child. Why did you come here? ❞ I closed my eyes and tried to think. But the more I tried, the less I was certain. I had no memory of arriving. Or of leaving. In fact, I had no memory at all. I felt something warm dripping through my cheeks, and a cold hand wiping them away. Her blue eyes, all three of them, stared at me from below, for she had come to where I sat and lowered herself to coddle me. ❝We will speak of this later, alright? For now, let us see what your Present has in store. ❞ I nodded. She stroked my arms lovingly and kissed my hands before returning to her seat. The Witch asked me to take another card. I wiped my tears away, dried my hands on the hem of my skirt, and obeyed. XVII. Seventeen. The card depicted a brown-haired girl, pouring water from two jugs: one into a river, and the other onto the ground. Above her shone t— ❝The Star. ❞, the Witch peeped, as I turned the card to face her, ❝A mysterious but joyful present. ❞ ❝Does… does this mean I will have to carry water with me…? ❞, I inquired, forcing a smile. The Witch giggled and responded: ❝This card is often seen as a symbol of hope and inspiration and suggests that the subject, which is you, is currently experiencing a moment of peace and optimism. The Star tells you that the present is a time of mystery and hope. ❞ I tilted my head to the side in confusion. The Witch lightly touched my cheek to get me to look at her. ❝It means you are on the right path, Child. ❞ I smiled, genuinely this time. Perhaps it was not so bad. ❝And now, a Third? ❞ ❝A third. ❞, the woman said with a smile, ❝For your Future. ❞ Two cards laid in the centre of the circle now. I let my hand guide me to the third. XVI. Sixteen. A tower being struck by lightning, with people falling from it. It scared me. So, I dropped it on the table. The Witch looked entranced by it. But said nothing. I tried to read the letters on it. T T-O T-O-W T-O-W-E T-O-W-E-R TOWER. ❝The To… wer. The Tower? ❞, I questioned. She who was in front of me took a deep breath, and spoke in a raspy, low voice. ❝A symbol of sudden chaos and destruction. A dangerous time in your future is coming, full of unexpected trials and tribulations. ❞ I held my breath. ❝It… is also my birth card. ❞ Danger. Danger? No, no, no— ❝Miss Witch… am I in trouble? ❞ The Witch got up and opened a drawer near the stove. She took a slender box from it, and removed a brown… stick? from it, and took it near a flame. A rich smell came from it almost immediately. ❝Miss? Miss Witch? ❞ She handed the stick to the Blackbird, which took it on its claws and began to fly in circles. The woman then approached the counter and cleaned up the deck of cards: ❝I told you to just call me ‘Witch’. ❞ she blurted, still in her raspy voice, ❝And do not worry, Child. As long as I am here, none may hurt you. ❞ I left the bench, and picked up the fallen red blanket, wrapping myself in it again. The Witch turned to me after putting the Tarot Deck back in its drawer. ❝How about we go to sleep, hm? ❞, the woman hushed, offering me her hand. I took it, holding it close. Her eyes had returned to the usual black, and the mark on her forehead no longer glowed, ❝I have an extra bedroom ready for any guest that may come. My feathered friend can keep you company if you so wish. ❞ The Witch raised her arm and whistled softly, and the Blackbird came to rest on her index finger. It chirped happily, and expertly lifted the remainder of the brown ‘stick’ to its beak. ❝The incense is almost done burning, anyhow. We can sleep safe and sound, dear. ❞ I nodded: ❝Thank you, Witch. I can sleep alone – I think your friend would prefer to be next to you. ❞ She smiled and led me to the top floor. My eyes were heavy, and I realized how much I wanted to sleep as soon as I laid eyes on the bed. The Witch, however, insisted that I changed into something she handed me; she called it a ‘short nightgown’, and exited the room for me to be at ease. The gown went down to my feet, far too large for someone like me. The fabric was soft, and I nestled my body in between the bed sheets. The Witch came shortly after and made sure I was comfortable. She assured me I had nothing to fear nor worry, and that tomorrow we’d spend time together. I answered that I knew, and that I was happy. She smiled. And I fell asleep. ACT II. I had been staying with the Witch for a few weeks. We had gotten used to one another. She even mended my dress and taught me how to braid my hair. She had been trying to help me regain my memories, but progress was little to none. ❝Focus now! ❞ the Witch scolded, voice unwavering, ❝You spoke of a Mother. She helped you dye your hair. Focus on that memory. Why do you remember it? What does she look like? ❞ My eyes were closed, and the earthly smell of incense filled my lungs. I took a deep breath. And plunged my head into the ice-cold water. Memories. My Mother. My blue eyes. Her blue eyes. My brown hair. Her brown hair. Mother. Eyes. Hair. Love. Love. Love. Love. A hand tugged my head out of the water and forced me to breathe again. The Witch stood, her hair wet as well, and held my fringe out of my head. ❝Slow down, Child. Are you alright? You started to yell and almost drowned. ❞ I shivered in reply. She held me on her lap and embraced me closely and whispered: ❝Let’s count colours, honey. Shall we? It’s going to be okay. Count colours with me, come on. ❞ I nodded and tried my hardest. ❝One blue mushroom. ❞ The Witch patted my head and ushered me to keep going. ❝Two… two purple flowers. ❞, I whispered, ❝I see three—no, four red berries on a bush. ❞ ❝Where, Child? Point them to me. ❞ And I did my best to point my trembling finger towards it. She held my hand and embraced me harder. ❝Very good. You did great, Child. I am so glad. ❞ ❝But I… could not remember. ❞ She whispered that it was okay. She did it thrice before asking me what is. I lied and responded that it was okay. It was not. I could not remember. I was nothing but a Child with no memories. No home, and no perspective to ever return. We went home afterwards. We only talked once on the way back. ❝I want to keep trying, Witch. ❞ She sighed: ❝My sweet, simple Child. This is not going to work. In fact, I’ve told you so but you... ❞ she paused, as if she already knew she was going to regret her following words, ❝…you just cried. ❞ I stomped my feet and stood still. The Witch noticed, adjusted her hat, and turned to me. ❝Come on. Let us go. Do not mind my wicked words, let’s just get out of this place and get you some rest. ❞ I closed my eyes and breathed again. And then, I resumed walking by her side. She entered with no words, and I sat on the counter. As we had done dozens of times by now. The Blackbird came to nestle between my fingers, and I stroked his head twice. ❝Tea, Child? ❞ I nodded accordingly. The Witch began her routine. I got up from the bench to do mine – my task was to water the plants. The Witch thought watering the plants with water from the Dreampool would make me more connected to it, and to the flora of the Wilds as well. The porcelain vase was still there. I couldn’t explain why, but it drew me closer and closer. I had never touched it before – how did porcelain even feel? Was that a little bit of dirt? Perhaps from the plants. My hand was wet. Maybe if I just— The vase began to spin and tremble, as if it was victim to its own earthquake. The Witch lifted her head from her task, and quickly pushed me back. ❝What is going on? ❞, I cried, ❝Is it my fault? ❞ ❝Give her space! ❞, scoffed the Witch, ❝She is quite the dramatic one! ❞ Slowly, the ceramic material of the vase began to shift and flow, much like molten lava. The shape became more and more humanoid, and hands made of porcelain searched for the edge of the table, looking for support for pushing further away from the urn, as if someone was escaping from it. As the humanoid pushed through, more parts of its body were revealed: head, chest, navel, and legs. Finally, there stood before us a young woman, who, with a final shove from her arms, freed herself from her vase, and fell onto the floor with a thud. Her face and body were still made of porcelain, white and decorated with beautiful blue engravings. But just as she opened her mouth, the ceramic material that surrounded her cracked and fell from her face and limbs, revealing dark skin with pale patches. Her hair remained just as blue as her eyes, flowing down her back in waves, and her body was now covered with a long dress that matched the vase perfectly. She stood up, cracked her neck, and smiled at us, eyes glinting with mischief: ❝Hello, ❞, she gleamed, voice melodical, ❝I have been waiting for this for so long. ❞ The Witch groaned: ❝Why now? Why do you always pick the worst moments? ❞ I was in too much shock to even utter a single word. ❝Awn, I can bid thee did miss me! ❞, the girl cheered, ❝And I simply had to meet our new mate. ❞ She turned around and swept the cracks of her ‘old skin’ under the table, much to the displeasure of the Witch, who made sure she was aware of it. In her back, long butterfly wings were drawn in black and blue ink. I tugged at the Witch’s sleeve and asked: ❝Who is this? ❞ ❝I, ❞ retorted the girl, turning around with a flourish, ❝am the Porcelain Vase. Has’t thee not been paying attention, girl? ❞ ❝She’s a Demon. ❞ explained the Witch, ❝A Spirit that inhabits beloved objects. Do not worry, you did not release her – she comes out whenever she fancies. ❞ I took a step forward and wondered: ❝Shall we call you Miss Vase? ❞ She laughed, echoing with a perfect pitch: ❝The Beldams over there refers to me as ‘Demon’. Thee, Child, may call me however thee wish. …but not ‘Miss Vase’. ❞ I looked at the Witch, whose sour expression highly contrasted against the Spirit’s amused one. ❝How… how about ‘Butterfly’? Those are the decorations on your dress, and on your Vase, Miss. ❞ The Spirit clasped her hands together, her porcelain gauntlets, rings and bracelets clashing with a light sound: ❝Butterfly…! I enjoy it. A worthy name for a lady like myself. ❞ ❝Butterfly, Demon, Vase; You will still clean up after your own mess. ❞ hissed the Witch, who had reached towards a closet and threw a broom at the blue-haired woman. She caught it, and stuck her blue tongue out in defiance, but did not complain about the labour. I was still most curious. And did not know where to turn for answers. The Witch got back to her brew, but not before holding my shoulders and whispering that the third girl was not bad, just awfully annoying. It was enough for me to approach her. ❝Hello, Miss Butterfly. ❞ ❝Child! ❞, she greeted, a large smile plastered on her face. Upon closer inspection, I could tell she was not fully human – the blue of her eyes was far too large, and she had no black pupils. She had white discolorations on various parts of her skin, such as around her left eye and across her neck. Her blue hair had very thin white streaks, and the top part of it was done in a traditional way, with four hoops in total. And her lips… The Witch wore blue lipstick, but her true colour was the same as mine – pink. The Butterfly had blue tint on both her lips and her cheeks. – ❝Has’t thee come to help me? ❞ I gave her a heartfelt smile and a giggle: ❝Not quite! I came to ask about you. ❞ She leaned against the broom, with her left hand, and placed her right on her waist: ❝Well, ask away! ❞ ❝The Witch called you an Antique. Does that mean you are an old lady? ❞ Her expression cracked. On the other side of the room, the Witch dropped her spoon, and it filled the place with the sound of falling metal. ❝No! ❞, barked the Butterfly, as the Witch did her best to suppress her laughter, ❝I am an Immortal! I age not. ❞ ❝Then why do you speak like an old lady? ❞ The Witch could not hold it any longer and let her raspy cackle out. She held on to the counter and hid her face between her arms. The Butterfly was not pleased, and lashed out against her: ❝Oh, as if thou art young! Little Beldams likes to hide her real age behind elixirs and potions! ❞ The Butterfly rushed to the Witch’s side and began to shake her with a smile and continued to make fun of her. The Witch shooed her away, telling her to get back to cleaning. I chatted with the Butterfly for the whole afternoon while we took care of the cabin. She had a fondness for dusting, for she hated when her Masters and Mistresses did not do such. I, for one, was simply happy to hear about her tales. ❝Has’t thee and the Beldams become thick as thieves? ❞ the Butterfly asked, as we were sweeping the front porch, away from the Witch, ❝My lady is quite antagonistic with guests. ❞ ❝I think so, ❞, I answered quietly, ❝I like her a lot, and she has been helping me regain my memories. No luck so far but— ❞ ❝How so? My lady is a wish granting Beldams, after all. ❞ I stopped sweeping. ❝Wish granting? Don’t you just mean Witch? ❞ ❝Witch granting Beldams do not exist! That would be a Witch granting Witch! ❞ I tilted my head, and the Butterfly stopped sweeping as well, in order to face me. ❝The lady grants wishes. Has the Beldams not offered thee a wish yet? ❞ A voice boomed from the other side of the door: ❝No ❞, the Witch announced, opening the door in a flash, ❝I have not. ❞ I looked at her in despair and confusion: ❝Miss— ❞ ❝Quiet. ❞, she cut, ❝I have not offered such, because I want you to use it wisely, Child. I want you to regain your memories so that you may choose accordingly. Not by pressure or interference from another. ❞ Her sombre gaze fell upon the Butterfly, who smirked and bowed in response. The Witch of the Wilds then turned to me, and furrowed her brows in pity: ❝Do you understand, Child? ❞ ❝And what if I wish for my memories…? Will you grant me such? ❞ ❝Of course, Child. ❞, she replied softly, ❝If that is what you desire, I will grant it. I apologize for not being truthful – but what if you wish for your memories and realize you want to return home? Then I can no longer help. That is why. ❞ I nodded and wiped my face against my sleeves. A cold pair of arms enveloped me, and the Butterfly’s blue hair fell upon my shoulders: ❝Poor, little thing. And us girls were having such a valorous time! And I have gone and ruined it. ❞ ❝It’s alright, ❞, I responded, ❝you meant no harm, Miss Butterfly. ❞ ❝I will… leave you to it. ❞, the Witch muttered, as she slipped back into the cabin, ❝I apologize once more. I hope you can understand. ❞ She closed it as lightly as she could, and I leaned into the Butterfly’s touch. I felt safe with her. ❝Do not mind my lady. She is a cruel mistress. The worst I have had. ❞ She let go of me, and sat on the porch, broom forgotten somewhere nearby. She tapped the empty space next to her, as an invitation for me to sit as well. And I did. ❝Why do you stay with her, then? ❞ The Butterfly shrugged and flashed me a smile: ❝I like her. My lady is a mystery, and a disgrace, all wrapped up in black lace. ❞ I asked her to tell me more about them. She laughed. ❝She’ll hear us, Child. Art thee sure? ❞, I hid my face in response, and mulled it over once more. Before I could retort, she began. ❝I did belong to a previous guest. The gentleman had been my Master before her. ❞ I hushed my tone to a whisper, and asked: ❝But you said she did not like guests…? ❞ The Butterfly shook her head. ❝My Mistress adores her guests. She does not enjoy having them. ❞ She faced me, and must have noticed my puzzled expression, for she then changed her approach: ❝What doth thee know of her past? What does my lady know of yours? ❞ I pondered, and answered in a low whisper: ❝Nothing… ❞ ❝Nothing. ❞, she repeated, ❝Nothing means thou art free of past bonds, past pain, and past mistakes. It means you can be with one another without truly knowing naught. Thee sees her only as what thee can see, not what you know. Thee may know the lady enjoys camomile tea; thee may know she resents me, but thee know not why that is. ❞ I said nothing. She breathed deeply and continued. ❝Thou art the first to arrive with no memories. Some were truly lost, and some came looking for a wish. And the Beldams nurtured all of them. And the more they spent time with her, the more they knew her. And the lady knew them. ❞ ❝I am the first with no memories…? ❞, I inquired. She nodded and continued: ❝It means she does not feel the burden of sharing. Therefore, the lady is free to enjoy your presence as herself. ❞ ❝I don’t understand, Miss… ❞ ❝Are thee not afraid of what you might find about yourself in those memories, Child? Of what thee might discover about thy heart? Thy past? ❞ I did not reply. And thus, she continued. ❝If the Beldams was in thy position, the lady would be terrified. And the more she would discover, the more disgusted she would feel. And that is why my lady detests sharing it with her guests. ❞ ❝But you shared parts of your past with me, Miss! ❞, I whispered, hand half covering my mouth to muffle the sound, ❝Sharing is not a bad thing! ❞ She nodded, with a sad smile: ❝Very good, Child. To truly connect with someone, we must be willing to show them all parts of ourselves - the valorous and the wicked. It takes courage and vulnerability to let someone in, and to connect. But first, one must be at peace with themselves, and accept the parts one is ashamed of as well. Both me and the Beldams know this. But only one has truly faced herself. ❞ ❝So, when the Witch opened her heart to her guests, she— ❞ ❝Was overcome with regret and hurt herself. My lady was not ready. And perhaps she never will be. ❞ The Butterfly took my hand and held it tenderly: ❝To be vulnerable and true is the first step into being loved and loving. But not everyone is ready to be such. And it ends up hurting both themselves and the other. ❞ ❝…And your previous Master…? Was he hurt? ❞ ❝They were close. He forgave her. But the lady was not well. My lady claimed for freedom, and lashed out, from a place of anguish and regret. So, he made his wish. And the Beldams was free once more – free from him. I was what was left behind. ❞ A slow clap came from behind us. The Witch stood on the open door. ❝Quite the show, Demon. However, you have left out the most important part – I long for freedom, for these connections have done nothing but hurt me. Caring and living with another, dedicating our limited time in this realm is arduous and ungrateful. If you live for others, you cannot live for yourself. ❞ The Butterfly jolted up and held onto her dress as she faced the Witch: ❝How dare thee say such! To be loved and to love is one of the greatest things one can do! Especially mortal beings such as yourself! ❞ ❝Easy for an Immortal like you to say, ❞, the Witch hissed back, ❝But how about being known? To be forever bound to another by your darkest secrets and most disgusting features? I do not wish to be perceived as such. ❞ ❝If we want the rewards of being loved, we have to submit ourselves to horrifying ordeal of being know. ❞, the Butterfly pleaded, ❝Thee simply cannot accept yourself, and thus cannot accept others, or that others may accept thee. ❞ A dark expression took over the Witch’s face, and she almost snared in response: ❝You are nothing but a piece of decoration that was lucky enough to develop a spirit. You will live forever, and thus you live unafraid of being hurt or making mistakes, for you will always have another day. Our lives are not limitless. I do not wish to live mine in pain. ❞ ❝Our lives? ❞, retorted the Butterfly. ❝Mine, and hers. ❞, scoffed the Witch, as she pointed at me. Silence fell. The Witch dusted her clothes off, and unclenched her fists, revealing a glowing, round stone. Not a stone, no. A compass. ❝The thing about your new friend, Child, ❞ she spat; although her expression was one of apathy, her tone of voice revealed her true, distasteful feelings, ❝is that she only comes out when something draws near. ❞ I stood up, and tried to seem strong: ❝What is it? Can I help? ❞ ❝You most certainly can, Child. ❞, although she referred to me, the Butterfly did not break eye contact with the Witch as she spoke, ❝My presence means the Wilds beg for a Ritual. And all three of us – Beldams, Spirit, and Guest – might not but take part. ❞ ❝I don’t understand, ❞, I cried, ❝I don’t understand any of this! You never told me about any Ritual, nor Wishes, nor Spirits! Not a single thing about other guests, either! ❞ ❝I’m sorry, Child, forgive me. I truly am sorry. I never thought it would be so soon and I was enjoying my time with you and— ❞ ❝No! This is all wrong! I know nothing about you! ❞ I took a step back, filled with anguish and despair. The Butterfly noticed and stepped towards me as well: ❝Settle down, Child. Nothing can be resolved like this. Think about thy heart, thy feelings for the Beldams. How grateful thou art to have met— ❞ But it was too late. And I had already set my mind on what I would do. My urges, my instincts, my emotions begged me to do only one thing. To run. And so, I did. As far as I could. But I did not know the Wilds. I did not know the paths. I stepped on every mushroom that got on my way and ran from every sound that filled my ear. I only knew one place besides the cabin. And so, I ran into it by chance. Perhaps it was fate. Perhaps it was human. But I ran into the Dreampool. It was a mystical realm, air thick with humidity and the intense smell of lavender. The pool was filled with shimmering waters that reflected the stars above, and various floating rocks formed a perfect circle. I fell to my knees due to shortage of breath and felt a whisper near my ear. I was not alone. Spirits, ghostly figures approached me. Some asked me if I was alright, and others welcomed me. A white, foggy snake slithered close to me and spoke: ❝Come bathe, Child. Step into the waters. You will feel refreshed. ❞ I nodded and pushed myself into the waters. Cold. So, so cold. It entered my nose and lingered in my throat, making me gasp for air. I dove and came up, and stood beneath the circle of rocks. The spirits took their places, each resting on a different rock. A sloth spirit hung from its platform and approached my nose: ❝Child, ❞ it claimed, ❝Take a back seat, or play pharaoh. Dance with us and shake your bones. ❞ My eyes felt heavy. And my throat closed. I could no longer think. ❝Dance, Child. Shake your bones. ❞ I dragged my feet through the water. I could not think. ❝Shake your bones. ❞ I moved my arms aimlessly. I could not think. ❝Your bones. ❞ I moved. ❝Your bones. ❞ I moved. ❝Now sing, Child. Repeat. ❞ ❝Lion. Valefar. ❞ And I repeated. ❝Cat. Baal. ❞ And I repeated. ❝Sloth. Amon. ❞ And I repeated. ❝Snake. Paimon. ❞ And I— ❝CEASE THIS! ❞ A sound. An explosion perhaps. Heat. And the earthly smell of incense. I opened my eyes. The Spirits were no longer animals, but grotesque figures. There were no longer signs of the sloth, snake, lion, or cat. All that was left was five other monsters, each one hungrier than the other; the animals' playful demeanour shifted, becoming more predatory and sinister. Their eyes glowed with an otherworldly light, and their bodies began to warp and contort. The Witch had told me the Dreampool was a dangerous corner of the Wilds, where the line between illusion and reality blurred and twisted. And I had fallen into its trap. Something pushed me against the waters, and the remaining monsters dived too. I struggled to keep my head afloat, and something nestled against my legs, pulling me under. ❝Hold on! ❞, the Witch’s voice pleaded, as she wrapped her arm around my neck, pulling from underneath the water. As my head came up and I began to breathe, I could see what was hurting me – a terrifying mix between a crocodile and an octopus, with tentacles sprouting from its sides. The tentacles tugged at my leg, and its jaw unhinged as if to swallow me whole. The Witch pierced her sword right between his teeth, straight towards it’s insides. She let go of me and took the blade out quickly, for the creature had to close its mouth out of pain. She then held the weapon with both hands and stabbed it right though it’s head. The creature turned to dust. Another pair of arms grabbed me, as the Witch plunged herself into another battle, setting her sword on fire. A melodic voice called for me and hushed me: ❝Hello, Child. My task is to bring thee home safely. ❞ ❝Miss Butterfly? Where— ❞ The Spirit pushed me away from her, dodging something at the right moment. A gigantic leg, which ended in a sharp, barbed tip, separated us. I looked up, and towering over us was a giant crab, whose shell was covered in million eyes. The Butterfly ran through the water and grabbed my arm, pushing me to run. ❝Wait! ❞, I begged, ❝The Witch! ❞ But it was of no use. The Butterfly was far stronger and pulled me out of the waters. I could only look back and see her amid those unknown horrors. From the ground, sprouted a beast with the body of a scorpion, but the head of a carnivorous plant. Its razor-sharp pincers snapped at us, and the Butterfly tried to hide me behind her. But it was far too fast, and its tail lashed at me, knocking me against the ground. And I fell unconscious. ACT III. I did not know how long I had slept. I stirred, feeling groggy and disoriented. I opened my eyes to find myself in my bed, in my dimly lit room. Slowly, all my memories came flooding back – the fight, the beasts, the danger, and the fear. I pushed myself out of bed. I had to check on them. Where were they? How did we return? …Did they return? As I wobbled to my door and opened it, the Blackbird flew through it. It landed on my shoulder and trembled on it. I gave it my hand, but it did not want to leave my shoulder. Strange. This bird had never been on my shoulder before. I forced myself to go down the stairs and stumbled onto the kitchen. The Witch stood there, calmly stirring her tea kettle. She had a bandaged arm and wore her signature hat. She was alone. ❝I see you’ve awakened, ❞, she said, ❝Would you like to drink something? ❞ Her voice. Her voice lacked emotion, lacked empathy. And when she turned around…. Her dark circles were as deep as the sea. ❝Are you alright, Miss? ❞, I muttered, ❝What happened? ❞ Her empty smile fell, and a terrifying energy took over. ❝I told you. I don’t like to be called ‘Miss’. ❞ I took a step back out of fear and apologized. Her frail smile returned. ❝You, my little mince, found the Ritual without me. Without preparation. And you fell for the Demons’ tricks. ❞ ❝Speaking of Demons, ❞, I mumbled, as I peeked into the rest of the room, ❝Where is… ❞ ❝Where is who? ❞, the Witch replied sharply, ❝There has never been anyone here except us, Child. ❞ ❝Witch, please. ❞, I begged, stepping further into the room, ❝The Butterfly, our— ❞ And there it was. The porcelain vase. Smashed to pieces. I lifted my head from the floor to where the Witch stood. She leaned against the counter, much like she had done on my first day, and smiled. But her smile did not reach her cold, black eyes. ❝On your first day, you pulled the Tower. Do you remember, Child? ❞ ❝Yes, I— ❞ ❝The Tower, as I said, is my birth card. I hold it close to me. ❞, she continued, completely oblivious to my discomfort, ❝It represents destruction, but destruction to begin anew. ❞ The Blackbird nestled against my neck, still trembling. The candles lit once more, not with red, soft light, but with a ghostly blue flame. The Witch drew circles with her finger on the counter. ❝It’s freedom. ❞, she explained, ❝Freedom from which holds you back. ❞ ❝What about the— ❞ ❝Have your memories returned, Child? Mine have. ❞ My eyes widened. ❝It’s true. It seemed like our friend was stopping me from tapping into my early years. Said I had to look into myself and face it with time and care. That I had to heal my inner Child. ❞ I froze out of fear. Somehow, deep in my heart, I knew. Knew why she understood me. Why she cared for me. Why I trusted her since the very beginning. ❝But alas, ❞, she cackled, ❝she was my heart. My companion. She made me weak. Pulled me back. ❞ ❝You don’t mean— ❞ ❝Now it makes sense. Why am I trapped here. Why I cannot leave. These are the woods I got lost in as a Child. ❞ ❝And you, dearest, aren’t even real. ❞ I was backed against the table where the remains of the vase stood. My legs trembled, and I was filled to the brim with cold sweat. I cried from the bottom of my lungs: ❝But I am real! ❞ ❝Silly girl. No, you aren’t! You are me. I am you. I am bound to you forever. The mistakes you did left me stranded here, away from my true life. You are a test to my freedom, and to my own strength. ❞ ❝I love you, Child. Make no mistake. I loved her too. Which is why both must go. ❞ ❝I don’t understand! If I am you, why won’t you care for me, instead of hurting me?! ❞ She cackled, and the sound of metal against the floor tiles rang in my ears. She came towards me in a slow pace, head swinging and a twisted smile. ❝The Outer Gods have shown me the truth. They plunged their teeth into my arm and enlightened me. You are nothing but a test. If I don’t do this, you will replace me, and the cycle will begin anew. ❞ I slid against the door. Tears fell. ❝No! Don’t do this! Accept me, love me, stay with me, and we can be together forever in the Wilds! I would never, EVER hurt you! ❞ I cowered under her, and she unlocked the door behind me. I laid in the floor on my back, somewhere between the inside and outside of the Cabin. The Witch’s hat fell, and her grim face stared at me from the top, through the strands of black hair: ❝Because I love you, I will let you run. ❞ I did not react, paralyzed, and confused. The haunting sight of a woman yelled at me to run, and I came to my senses and went. The Blackbird sunk its talons in me as I began to run and took flight in front of me. I followed it. The Wilds were endless, and in the midst of my tears, I could not see much. I fell dozens of times, each one becoming more and more bruised than before. Her voice chased me, the sound of steps and rustling from a mad woman. Her shrieks told me a tale of love, hatred, and freedom. And how she wished to be free. How I was a Star Child, and she nothing but a Tower waiting to be destroyed. How the pain of past, the chains of past stopped her from moving forward. But she would be free now. And I love her. I want her to be free. So, I stop. And decide to do the bravest thing and be vulnerable. ❝WITCH! ❞, I yell, deep from inside my lungs, ❝I’m here! Come and kill me! ❞ I whistle, just like she had done, and call for the Blackbird. It rests on my index finger. Soon, the sound of leaves being cut reaches where I am. And I stand on the other side. ❝Have you given up, Child? I did not know we were quitters. ❞ ❝I love you, Witch. I don’t care how awful things became, or how terribly they went. I don’t care about any of that. I forgive you. ❞ She laughs. ❝You WHAT? ❞ ❝I forgive you. ❞ She shakes her head, blowing a few strands out of the way. She no longer grins with bloodlust, instead giving way to a serious expression. ❝I forgive everything you ever did. I forgive everything you ever lived. Every lie you told, every mistake you made, and everyone you pushed away out of fear. ❞ ❝If you cannot live with me to be free, then kill me. But you will kill me with the knowledge that you are forgiven, and that I love you. No matter what happens. I am you. You are me. ❞ She drops the sword. And falls to the ground. She turns her face towards the heavens. Her eyes become blue once more. The mark on her forehead does too. And the Blackbird flies to her once more. I too go to her. And embrace her. She weeps. ❝My heart! ❞, cries the Witch of the Wilds, ❝I killed our heart! ❞ ❝I know. I forgive you. ❞ And I weep too. We stay together, in a bed of moss, surrounded by glowing mushrooms and flowers, bathed in a ghostly blue light, and in tears. ❝I wish for the Butterfly, our heart, to return. Please, grant my wish, Witch of the Wilds. ❞ But I can feel her reaching for her sword once more. And I let her.
- Rewards
É fácil olhar, ser olhado, mas sem ser visto. Gosto que me toques, gosto da minha mão no teu cabelo curto e da tua na minha cintura, ou quando desces um pouco mais, mas não gosto que me olhes nos olhos. Porque aí não me dás aquele calor, fazes-me sentir frio no fundo da barriga. Não olhes nos meus olhos que eu posso chorar, canta baixinho mas uma música que não fale de nós. Se me encostar a ti, finge que não percebes, deixa-te estar nesse teu canto. Prefiro que não me olhes, é assustador pensar que me podes ver. Quero sentir-te mas não abras esse teu livro, não vás querer também que eu te conte a minha história em voz alta. Não tires a minha roupa toda, estas estrias não te mostro. Há coisas que não sabes, que não vais gostar, que não quero que gostes. Vira-te para lá, não durmas ao meu lado, deixas-me desconfortável, falas muito e pareces querer saber tudo. Beijos na testa, não te atrevas. E muda o perfume, que tenho medo de fixar o cheiro. Procuro-te nas ruas, nas entradas do metro, quando chove e quando visto aquela blusa que gostas. Não falo de ti com medo que me ouças, por mais longe que possas estar. Não quero que saibas que fico vermelha e coro quando me elogias, pareço uma adolescente, porra! Guardo dentro de mim um pânico de que saibam, tapo os ouvidos com as mãos e deslizo pela parede enquanto me deixo cair em pranto. Sento-me no chão frio e preocupo-me por sentir pouco. É que quero deambular, sentir prazer aqui, quero que me ouçam, tenho urgência em seguir a minha vontade. Mas assusta-me o quanto quero que saibas acerca de mim, a pressa que tenho de dizer tanta coisa, falar-te da minha mãe, do meu corpo, da doença, do medo de que me vejas falhar. Vais-te assustar, vou-te afastar. Só podes gostar do pouco que vês, do bocadinho que te dou. Conhecer é o ponto final ou de partida? Porque quero fugir à inércia, ao não saberes de mim, ao conforto da impessoalidade, o pensar que te posso e consigo afastar só porque sim. Não me sinto preparada, não vejas as olheiras, as costas demasiado magras, não me vejas dormir tantas horas ou a não dormir de todo. Não olhes assim para mim. Não venhas ser o tema da minha terapia. Posso ver-te de fora, admirar-te daqui ou então só tocar-te, agora não fales, abraça-me devagar. Não tenho nada para te dizer, nem devias estar aqui. Fecho a porta com estrondo, piso um vidro do copo partido e sei que acabou. Apetece-me abrir a porta outra vez, correr atrás de ti e dizer que te conto tudo, agora sim, senta-te, eu vou falar. Mas o pé está dorido e tu já foste embora, era a última oportunidade. Não me viste porque eu te pedi que não olhasses.
- 1ª correspondência
Cemitério de Lisboa (campa no1312), 6 de abril de 2023 Meu Evaristo, Agora que a poeira já assentou, e que eu já sei agarrar na caneta, posso finalmente escrever-te. Tem sido complicado encontrar uma superfície plana onde assentar a folha, penso que ninguém ponderou a necessidade essencial dos mortos escreverem. A vida após vida é tão escura quando está de dia, e ilumina-se tanto à noite, quando as velas se acendem e as flores ganham cores especiais (se bem que eu sempre disse que não queria flores). Como estão as nossas filhas? E as galinhas, ainda põem 2 ovos ao dia? Às vezes, o chefão aqui da zona decide ligar a nossa televisão ultra-mega-enorme, e põe a dar as nossas memórias. Olha, ontem passaram as da Zezinha, e hoje passaram as minhas. Para ser honesta, eu só pedia para que passassem “Os Batanetes”, assim à noitinha, e que pusessem também a dar o som das gargalhadas da Filipa. Aquela cabrita, nossa neta, ria desalmadamente. E só assim é que o programa tinha graça. Espero que continues a dar as caixas das batatas ao Miguel. Aquele palhacinho, nosso neto, bem se metia lá dentro e deslizava com a terra pelo campo fora. Diz-me, por favor, que não partiu mais dentes. Ele já tinha uns dentinhos tão afetados. Em parte, era minha culpa, mas querias o quê? Que eu desse cenouras na Páscoa? E brócolos no Natal? Mal posso esperar por te apresentar à malta daqui. Quando estiveres a chegar, avisa, tenho de fazer a cama e preparar o teu almoço favorito. Até te arranjo umas bolachinhas e um vinho tinto. Sinto falta de, sorrateiramente, mergulhar os lábios no teu copo, e de te gritar “ALTO! ALTO! CHEGA!” quando insistias “Se queres beber, eu encho-te o copo!”. Parece que vos conheço a todos tão bem... Guardo com todo o carinho a voz da Filipa; o olhar traquina do Miguel; os teus aconchegos ao fim do dia; até as discussões tontinhas das nossas filhas. Conheci-vos a todos tão bem, e não podia orgulhar-me mais disso (ainda que de momento o meu maior orgulho seja ter chegado aqui primeiro que vocês, já tenho lugar reservado no sofá, bem ao lado da nossa coelhinha). Sempre tive medo de não me ter dado a conhecer tão bem quanto devia. Mas quando olho aí para baixo, e vos vejo a amar-me com tanta força, tudo desvanece. Lembro-me de como vos deixei e das saudades que tenho. Acredito que, se o meu nome ainda continua convosco, talvez vocês me tenham amado mais do que deviam. Seus totós, já deviam saber que as pessoas morrem. E agora? É suposto eu guardar o vosso amor onde? Eu já nem corpo tenho! Andei em pés de lã a vida inteira, só para que, quando me fosse, nem notassem que eu não estava. Talvez a lã fosse grossa demais e eu tenha deixado um rasto de fio no chão. Perdoem-me. Os maiores beijos “cagadinhos” que tenho em mim, Emília P.S.: compra aquelas gomas dos tubarões azuis para o Miguel. Para a Filipa, qualquer chocolate serve. Lisboa (na nossa casa), 13 de abril de 2023 Minha Emília, Morro de saudades dos teus berros a chamar-me para a mesa. Pereço de saudades do teu cheiro, antes de tomares banho. Faleço de saudades da minha ajudante da apanha de fruta. Bato a bota com saudades tuas. Todos nós batemos. Saudades de nos afagares nos teus abraços, até dos teus beijinhos “cagados”. Andamos todos como se fôssemos bombas relógio, à espera que o primeiro expluda em lágrimas, só para que se torne legítimo o choro coletivo (não vou ser eu o primeiro a ceder, isto eu não perco). Fico feliz por te terem ensinado a escrever, e que bonita que é a tua letra. Tenho pena que eu não tenha tido o vagar para te ensinar. As tuas cartas fizeram-me falta nos tempos de guerra, mas agora fazem muito mais. As nossas meninas continuam a marrar uma contra a outra, mas nada que não se suporte. Olha, vendi as nossas galinhas! Juro que foi por um bom preço... Agora temos coelhos! Fiquei desolado quando a nossa coelha se foi, logo depois de ti, então tive de arranjar mais. Ias adorar estes, têm um pelo mais macio que o teu cabelo (ainda tens cabelo?). Eu contento-me com a nossa televisão de 4 canais. Ainda vejo “Os Batanetes” com a nossa neta, mas ela já não se ri. Começo a achar que fazia de propósito só para tu te rires. Agora percebo porque gostavas tanto de dar doces ao Miguel. Ele tem de arranjar energia em algum lado para descer o monte, enfiado nas caixas de batatas. Só pode ser o pico do açúcar a dar-lhe o empurrão inicial, já que não pode contar com as tuas mãos. Deixa que, quando faltar pouco para te voltar a chatear, eu mando-te uma carta a avisar. Eu sei que não se deseja a morte a ninguém, mas por favor, deseja a minha. Cada um dos que cá deixaste conheceu uma “Emília” diferente. E cada um de nós amou essa tua versão de modo diferente, mas na mesma intensidade. Gostava que houvesse um concurso qualquer de “Quem amou mais a Mila?”, só para que fosse um tremendo fracasso. Quase como aquela vergonha do “Quem quer namorar com o agricultor?”. Agora já nem posso ter o nosso terreno e os meus coelhos em paz, que de 15 em 15 dias passa uma carrinha da tvi a perguntar se estou viúvo... Não te preocupes, Milita. Eu finjo sempre que estou a ter um ataque e eles fogem a sete-pés. Até podes ser lembrada por poucos na aldeia, mas acredita que esses poucos produzem mais amor, do que o padeiro produz pão. Andaste tu, metida por entre as ovelhas, com medo de ser conhecida, para agora nem teres onde arrumar o amor que sobrou de ti. Guarda-me um lugar no sofá ao teu lado (e diz aí ao patrão para ir arranjando uma tv cabo, quero ver “O Preço Certo” quando aí chegar). Mil beijos do teu eterno, Evaristo P.S.: Não te preocupes, já tratei disso. Ainda que eles tenham saudades de receber as guloseimas vindas de ti.
- O Tempo que Decorre
“não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe?” Ao voltar a cabeça para o lugar de onde veio observou com estranheza as diferenças na sua aparência. Depois de passar todo aquele caminho a observar com atenção o que o rodeava pareceu-lhe estranho ser-lhe tudo tão indiferente, afinal voltar devia ser o complemento da ida e não algo separado, estranho e distinto, no qual o caminho e a paisagem são irreconhecíveis. Constatando isto, decidiu olhar para o seu companheiro e com estranheza mascarada de ironia perguntou-lhe o que ele achava da paisagem: - “Parece-te familiar?” Ao que ele respondeu que não. De repente, toda a sua jornada tinha desaparecido em conjunto com as árvores, os montes, as finas estradas em terra batida, os sentimentos de superação e toda a história que se ali vivera poderia ter sido feita de prédios de cimento impessoais e a estranheza provocada seria a mesma que a de andar às tantas da noite num qualquer bairro perigoso da periferia. No fundo, os momentos que tinham passado que se materializavam ali foram embora porque as únicas coisas que valem a pena ser vividas são as que deixam testemunho físico e quando estes vestígios desaparecem há o vazio. Fugimos sempre do vazio quando percorremos o caminho, muitos dizem que é ele que vale a pena, mas, enquanto pensava sobre isso, ele chegou à conclusão que na sua vida o único trilho que importava era a fuga. A fuga podia ser de hábitos, ambientes, pessoas, de si próprio, mas fugir era sempre uma solução. A parte positiva é que na fuga é sempre possível descobrir algo, no entanto, chegados ao fim, as coisas parecem sempre ser menores porque a linha do horizonte continua longínqua mesmo depois de tanto andar . Fazendo o exercício reverso, a sua simples ausência já alterava a realidade que conhecia e a viagem, por mais curta que fosse, também o fazia. Decidiram voltar e, por garantirem a si mesmos que não conheciam nada daquilo, a angústia tomou-os no íntimo e, cada um, para si mesmo questionou como seria possível. “Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam” pensou um deles, leitor de Saramago, e, de facto, este outro que o esperava não era outro alguém, mas sim o outro de si. A viagem, reza a lenda, traz benefícios, mas altera-os com a trajetória. Ele saiu de casa a querer alcançar o cume da montanha, alcançou antes uma descoberta mais valiosa do que apenas ver a bonita paisagem que constava observar-se dali . Não que a beleza seja inútil, estou convencida que ela vai mudar o mundo, no entanto, em momentos de crise como o dele há coisas mais importantes do que a estética. O outro que ia tentando falar, em vão, para esconder o desconforto concordava silenciosamente com tudo. O caminho de regresso foi mais pacífico. Não trouxe histórias, no entanto, trouxe a paz de quem já viu tudo e não se recorda de nada, por isso, trouxe a paz da novidade. Quando chegaram a casa e se aperceberam como tudo estava olharam de forma cúmplice. No final, riram-se ambos e com o caminho se perderam em deambulações filosóficas. - “Do outro lado do abismo está com certeza alguém.” E começou a chamar.
- E se me matasse
Acordo canso-me e durmo e estou farto portanto vou dormir para sempre. Se me quiserem enterrar estarei no meu quarto a apodrecer depois de uma overdose de vinho erva e uma boa masturbação que é isso que estes virgens que não fazem nada da vida merecem. Porra. Ah mas vai ao psicólogo dizem vocês não queres ser feliz? Para me dizerem na verdade os teus problemas surgem da tua infância ORA MUITO OBRIGADO SENHOR DOUTOR QUER ME DAR UMA MÁQUINA NO TEMPO? E dizer ah já pensaste que viver é muito bom na verdade e tudo o que precisas é uma droga ou uma ideologia para acreditares Sofro de síndrome de vida de merda. Não sou do julio de matos. Olhei para a vida objetivamente e concluí que não é para mim. Assim me vou. Faço nada disto como todos vocês fazem nada a fingir que fazem tudo. Neste curso há dois tipos de pessoas: os que acham que vão mudar o mundo e mudam de ideias ao fim de dois dias e os que acham que são o mundo e nunca mudam de ideias. Os primeiros deviam estar em artes e os segundos vão para a política e para os bancos e para os escritórios mas todos acabam na miséria exceto quando conseguem defecar em cima de alguém que não há maior prazer para quem estudou direito que iludir-se que está no sítio certo. Mas também para onde iriam? Nós merecemos a faculdade e ela merece-nos - casal feito no inferno. Onde mais enfiaríamos estes gajos que sabem chupar o professor ou o senhor presidente da associacomissãodeussabeoque que se não acertarem com a boca na pila haverão de acertar nos tomates isto tudo para depois poderem ser eles a fazer ordens e vestir se de fatinhos e uns falarem ordens como se tivessem mínima significância e outros para poderem falar de acórdãos como se alguém acordasse coisa alguma na porra do direito Estes direitolas que concordam muito que “O Direito deve ser democratizado e desburocratizado” mas depois não sabiam responder a um teste de português do 3º ano sem pedir 2 folhas extra ao professor só existia Direito porque o Código Civil foi escrito por gajos do Estado Novo que só sabiam falar latim e todos nós achamos por bem não falar como pessoas normais que o Direito não é para o povo ora essa és o quê comuna o Direito é para Política essa merda da política estes que vão ser os próximos políticos com os seus dramazinhos e tachos estes nucleozinhos que só servem para “networking” como eles dizem estes liberais que querem desmantelar o sistema e criar um pior estes comunas que acham escrever poesia no Twitter bué revolucionário aqueles fachos que haverão de dar aulas estou farto de vocês todos e de se acharem importantes os vossos Deuses não percebem que Deus não existe? as vossas ideiazinhas tão profundas como a cova das Marianas mas como ela vazias que vão todos acabar na exploração ou a ser explorados estágios não renumerados depois de exames que pagaram para chumbar porque o Direito Porque o Direito é Dinheiro e é por isso que eu vou pessoalmente explodir com Madrid se vos vir outra vez de férias lá a meio do semestre enquanto dizem que estudam direito enquanto eu vivo ABAIXO DE SALÁRIO MINIMO NA CIDADE MAIS CARA DO PAÍS E AINDA POUPO NO FINAL DO MÊS Mas não têm culpa de nada eu sei e vão me chamar hipócrita porque uma vez bebi café no Starbucks eu sei porque ninguém tem culpa de nada num sistema somos todos vítimas não é mesmo mas ai de quem critique sistemas que isso são ataques pessoais Vão dizer que estou errado que não sei do que falo que estou a ser desnecessariamente incendiário mas olhai me nos olhos eu não quero saber se a casa pega fogo se já estou a arder eu não vou sobreviver portanto estou me perfeitamente a cagar Vocês sabem que estou certo. Vão dizer que não, mas quando se olharem ao espelho, vão se lembrar de mim. E no vosso interior, podre de sonhos mortos e cegueiras, vão-me dar razão. Até dizerem bom dia a um jurista e fingirem que amam isto tudo e que são senhores muito bonitinhos e inteligentes e respeitados. Fodam-se todos. O meu problema é que quis saber de vocês, e amei-vos. E querer saber magoa tanto. Estou cansado e dormir não descansa. Quero gritar mas isso não alivia nada. Nada alivia nada. Portanto, recuso-me. Adeus, sejam felizes a ser escravos do sistema, eu vou ser livre.
- Adeus que me vou embora
ou uma carta de amor aos corredores por onde passei e a novos começos há cerca de dois anos o futuro chegou e deixou de ser um amanhã longínquo desejado por quem tinha planeado a sua vida até ao mais ínfimo detalhe sem qualquer margem para erro ou desvios. a meu ver, existem poucas coisas das quais podemos ter absoluta certeza, mas sempre me imaginei a amar o curso que escolhi e a fazer dele o meu destino. não aconteceu. as minhas intenções e vontade de querer realmente gostar de algo não foram suficientes para me sentir satisfeita com o caminho cheio de incertezas que estava a traçar enquanto estudante de direito. o meu coração já pertencia a tantas outras coisas, mas eu, cega pelos ideais de o que é que um bom aluno deve ou não fazer, nunca as consegui enfrentar. lutei contra isso durante mais tempo do que aquele que gostaria de admitir e, ainda que o presente fosse doloroso por me impedir de sonhar com o futuro, só continuei a caminhar por estar rodeada de pessoas que nunca me deixaram desistir. isto não é uma carta de amor à faculdade, mas sim a quem frequenta os seus corredores e tem um abraço pronto para aqueles cujas certezas sobre a sua mera existência foram abaladas. a minha estadia em campolide não foi e não será muito longa, mas seria incapaz de não me despedir daqueles que ficaram quase mais felizes do que eu aquando a minha perseguição pelas paixões que me assombraram a vida inteira. estarei para sempre grata por novos começos, mas deixo uma parte de mim convosco, ainda que tal não me pareça um agradecimento suficientemente digno. yours truly, magna araújo amorim.
- Entrevista à Associação Direito Mental
NOTA Esta entrevista foi realizada entre o nosso Redator e Diretor-Adjunto Hugo Mendes e a Cofundadora e Vogal da Direito Mental Raquel Sampaio, que, desde já, agradecemos pela disponibilidade, simpatia e profissionalismo. Tem como objetivos divulgar a Associação e abordar a importância da saúde mental. Como surgiu a ideia do projeto e quais as principais missões do projeto? A ideia do projeto foi de um dos fundadores, Nuno Castelão, porque passou por um burnout em 2019 e, entretanto, a pandemia piorou o período difícil pelo qual passou. Posteriormente, contactou o Martim Krupenski, Diretor-Geral da Morais Leitão, que, por sua vez, contactou Rita Rendeiro, Presidente da Direito Mental, que, por sua vez, contactou a própria Raquel Sampaio. Esta, diz, sempre foi explícita relativamente aos seus próprios problemas de saúde mental, fazendo alguns posts sobre estas questões “e eles acharam que nós os quatro fazíamos um bom encaixe”. O Nuno, que tinha trabalhado muito tempo em Londres, vinha de lá com a ideia da LawCare, uma charity com mais de 25 anos, que também trabalha nesta área para advogados, staff e business development com uma linha telefónica interpares. Tendo esta associação britânica como exemplo, e como estavam bem posicionados na comunidade jurídica, começaram a contactar várias sociedades de advogados. Montaram a estrutura do projeto, definindo, a nível jurídico, que seria uma associação sem fins lucrativos. Raquel acrescenta que foi há mais ou menos um ano que oficializaram a associação na Conservatória, começaram a trabalhar no site e no que poderiam oferecer. Estabeleceram como linhas-mestres: ajudar de forma interpares, uma vez que não são psicólogos nem psiquiatras; sensibilizar para quebrar o estigma, desconstruindo e contribuindo para uma delimitação dos termos corretos de stress, ansiedade, burnout , etc.; e, para além disso, queriam ter algum tipo de dados, recolhendo e divulgando dados, porque “não queríamos basear-nos em achismos”. O lançamento do projeto decorreu no dia 26 de maio de 2022, pelas 18h, no Auditório da Morais Leitão, que começou precisamente pela sensibilização da causa numa abordagem “na primeira pessoa”, feita de testemunhos pessoais, por exemplo, de José Eduardo Martins e Sofia Leite Borges que falaram das suas próprias experiências; e contou, ainda, com a presença do psiquiatra Luís Madeira. Desde então, têm feito eventos com os Associados relacionados com a gestão do stress e da ansiedade, como dormir melhor, como organizar o dia, como não estar sempre em urgência, etc. Entretanto, foram convidados para falar de diversidade de inclusão, como atrair e reter talento, e perceberam que “seria aí a chave de entrada nesta indústria”. Conseguiram perceber que havia um problema comum a este tipo de organizações que se traduzia no desafio de como oferecer melhores condições às futuras gerações. Em 2023, têm trabalhado nessas áreas, em eventos de sensibilização, têm tido oferta formativa e têm estado sempre em parceria com psicólogos e psiquiatras. Lançaram um estudo em parceria com a ProChild CoLAB e com o Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho (CIPsi), denominado “O impacto da cultura organizacional na saúde mental e bem-estar dos/as profissionais do direito”, cujos resultados serão apresentados no final do ano. A título pessoal, qual a importância que a saúde mental tem na sua vida? E quais os episódios que destaca como momentos propulsores para embarcar neste projeto? Os desafios da saúde mental, no caso de Raquel Sampaio, têm um histórico familiar que se fez refletir na própria e que, quando começou a trabalhar, se traduziu em episódios bastante agudos da depressão, em que não era funcional, não conseguia levantar-se da cama, não via qualquer tipo de horizonte nem conseguia manter uma rotina. Vivia num mundo de contrastes, entre ter imensa ou nenhuma fome, entre ter muito ou nenhum sono e sem saber lidar com a situação, apesar dos antecedentes familiares. A partir do momento em que é diagnosticada como tendo depressão, começa a ser medicada, com um acompanhamento psiquiatra e psicoterapêutico simultâneo. “A partir daí, a minha vida mudou completamente!”. O diagnóstico e a psicoterapia permitiram-lhe perceber-se melhor não só a si própria enquanto pessoa, mas também aos seus sintomas e aos seus limites; é o que “faz de mim o que eu sou hoje”. Quais são os objetivos e as prioridades da associação para o futuro próximo? Estão a pensar fazer algum tipo de formação contínua na área da saúde mental nas faculdades? O principal objetivo, para 2023, é precisamente o estudo anteriormente mencionado, não só pelo seu enorme encargo financeiro, mas também pela consolidação científica que requer e que necessita de uma profundidade para que os resultados reflitam a realidade. Farão uma série de roadshows por todo o país, para que tenha a maior representatividade possível. Em relação às faculdades, pretendem ouvir os alunos das diversas faculdades de Direito para perceber melhor as necessidades do seu público-alvo, o que faria sentido e o que teria adesão por parte da comunidade académica. Estão disponíveis para serem contactados e para dialogar com as Associações de Estudantes, bem como com as Faculdades. Como é que os estudantes de direito podem ajudar a vossa causa e as vossas iniciativas? Pensam integrar alguns voluntários e/ou estagiários? “Testemunhos na primeira pessoa são sempre mais valiosos no que toca à saúde mental .” No ano passado, realizaram um evento intergeracional em parceria com a Linklaters, em que o painel de convidados era composto por um estudante, um estagiário, um associado júnior, um associado sénior e um sócio - interessante pelas várias perspetivas na escala hierárquica dos escritórios de advogados. Neste sentido, estão abertos a qualquer oferta de voluntariado. Ao mesmo tempo, e a outro nível, têm considerado a montagem de uma linha ou um Whatssap em que as pessoas possam ter algum tipo de apoio. No entanto, Raquel confessa um certo receio de que não tenha adesão, sobretudo porque já existem muitas linhas telefónicas nesse âmbito. Toda a divulgação das atividades da Associação e toda a participação que os jovens possam vir a ter “é essencial”, bem como no anúncio dos resultados do estudo, apontado para 10 de outubro, Dia da Saúde Mental. Na sua opinião, porque razão tantos alunos universitários têm problemas de saúde mental? Quais os conselhos que pode dar para contornar esses problemas e, no fundo, “sobrevivermos” ao curso de Direito, tendo já passado por isso? Primeiramente, os riscos são óbvios: a pressão que vem de todos os lados, quer dos colegas, quer dos pais, quer do próprio mundo do trabalho, que inicia no primeiro dia, relacionada com os estágios durante a faculdade e no verão, com o currículo impecável com inúmeras atividades extracurriculares, etc. A pressão e a concorrência são multilaterais e as consequências psicossociais são enormes . Muita gente pensa, erradamente, que a advocacia é a única saída e acabam por depositar uma certeza absoluta naquele resultado que, se não acontecer, a vida desmorona. A realidade é que existem várias alternativas que não passam por se ser advogado. Para lidar com tudo isto, Raquel aponta os básicos: para além de partir de uma base de autoconhecimento, muito desenvolvido na terapia ou noutro método adaptado ao indivíduo (porque não pode ser “one-size-fits-all” ); dormir bem e com qualidade, comer de forma saudável e ter algum tipo de lazer que nos tire do contexto académico, porque às vezes deixamos de ter perspetiva e confundimos as barreiras entre o trabalho e a vida pessoal. É importante ter, a cada semana ou a cada mês, um ponto de autoperspetivação e autorreflexão, perceber que a faculdade não é tudo na vida : há desporto, há amor, há amigos, há concertos, há lazer, há ler outros livros que não sejam académicos, há passear um cão. São esses momentos em que nos distraímos desses contextos, que são rios de pressão, que nos dão esse horizonte. Mesmo nos momentos de maior desespero, conseguimos ter essa visão de dentro para fora: “quando estás na ilha não tens perspetiva, quando sais da ilha já consegues olhar e perceber”. Na sua opinião, como é que os estudantes de Direito se podem preparar, a nível mental, para o mercado de trabalho? A informação é essencial. Hoje em dia, não é só a organização que nos está a entrevistar, nós também os estamos a entrevistar a eles; também devemos, em entrevistas e em jobshops perceber logo quais são as condições de trabalho: qual é a política de férias, se há ou não um regime de trabalho híbrido ou alguma flexibilidade nesse sentido, falar com pessoas que já passaram por lá, etc. Para além disso, Raquel aconselha a que tenhamos o máximo de experiências possíveis, tal como a própria que participou numa panóplia de coisas diferentes, tendo vivido em Moçambique, Nova Iorque, Timor-Leste, tendo feito Erasmus e tendo trabalhado no Governo enquanto Adjunta do Gabinete do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros do XXI Governo Constitucional para as áreas de Ambiente e Economia; porque “não sabemos se não experimentarmos”. No que toca à competitividade do dia a dia, devemos garantir um bom horário de sono, uma alimentação saudável regular e procurar retirar a pressão diária ao descansar e ao ter algumas bolhas de segurança que propiciem sossego. O que fazer para nos tornarmos ativistas na área da saúde mental? Raquel começa por dizer que só se apercebeu que era uma ativista aquando do processo da depressão e depois de passar por essa “travessia do deserto”: um período de vergonha, medo de retaliação, medo de não conseguir manter o trabalho e, ainda, de ter passado por essa vulnerabilidade e fragilidade toda, que achava que era e que devia pôr uma cara bonita e ir trabalhar (mas não é, admitir que nos sentimos mal e que precisamos de ajuda é um ato corajoso). “Eu não quero que mais pessoas passem por experiências como chorar no parque de estacionamento da sociedade de advogados” . Basicamente, deve-se procurar receber o máximo de informação e transmiti-la. “Para ser ativista, tens de ter informação e dados científicos sobre o assunto”. Para além disso, a ajuda passa por pequenas contribuições com sugestões de conteúdos para o site, no caso da Direito Mental – o ativismo passa, também, por estas pequenas ações, porque “nem todo o ativismo tem de ser na primeira pessoa”. É possível começar de várias formas, mas Raquel aconselha a procurar informação para poder transmiti-la da melhor forma sem cairmos nos “achismos”, nos populismos e nos clichés fáceis das publicações do Instagram. VER: https://www.cuf.pt/mais-saude/stress-cronico-sindrome-de-burnout ; https://www.santander.pt/salto/sindrome-burnout-o-que-e ; https://www.helpguide.org/articles/stress/burnout-prevention-and-recovery.htm https://www.lawcare.org.uk/ Abreu Advogados, CMS, LinkLaters, Miranda e Associados, Morais Leitão Galvão Teles, Soares da Silva & Associados, DLA Piper, PLMJ, SRS Advogados, VdA Vieria de Almeida, Úria Menéndez – Proença de Carvalho, FARFETCH, TELLES, Sofia Leite Borges e Associados, SPS e Cuatrecasas. http://prochildforms.prochildcolab.pt/ci https://saudemental.pt/recursos/
- Entrevista ao primeiro preso político pós 25 de Abril
NOTA INTRODUTÓRIA: Esta entrevista foi feita ao Dr. Rodrigo Moita de Deus, que é empresário, escritor e comentador. Atualmente é comentador no programa O último apaga a Luz. Esta entrevista será como se fosse a contar uma história e não estará dividida por perguntas. A entrevista é sobre como o dr. Rodrigo Moita de Deus e o seu grupo o 31 da Amarda que foram os primeiros presos políticos no pós 25 de Abril. Entrevista foi feita para o jur.nal o jornal da Nova School of Law. Entrevista realizada por Zulficar Silva e está escrita em forma de história. ENTREVISTA ESCRITA EM FORMA DE HISTÓRIA: Em 2009, num jantar de amigos, o Dr. Rodrigo Moita de Deus e o seu grupo, o 31 da Armada, tiveram a ideia de substituir a bandeira Republicana pela Monárquica na câmara de Lisboa. A substituição aconteceu às 22h. Mesmo tendo duas esquadras de polícia ao lado da câmara, acabaram por não ser presos, provavelmente porque os polícias que passaram pensaram que o grupo estaria a tratar de umas lonas, já que havia algumas no edifício nesse dia. Após a substituição, o grupo do Dr. Rodrigo Moita de Deus manteve contacto com a câmara através dos jornais. Tendo sido acusados por furto da bandeira, o grupo exigiu uma troca de bandeiras. O mesmo se sucedeu, o grupo realizou uma operação para a troca de bandeiras, em que “Darth Vader” (referindo-se ao Dr. Rodrigo Moita de Deus) apareceria no parque de estacionamento do município a entregar a bandeira a outro elemento do 31 da armada, enquanto gravavam o sucedido. Por fim, dirigiu-se à câmara e devolveu a bandeira roubada, pedindo de volta a monárquica, no entanto, quando chegaram ao hall da câmara foram detidos. A ironia desta detenção é que os polícias não iam com grande vontade, mas sim por ordens superiores. Ao deterem o grupo por obrigação originou um interrogatório algo cómico, no sentido em que a polícia fazia as suas questões e davam respostas engraçadas. Este interrogatório ocorreu na PSP, sendo acusados de furto e invasão, mas, apesar disso, saíram no mesmo dia, não ficando detidos. Esta detenção originou, no mesmo dia, uma notícia peculiar nos canais de comunicação social, referindo que um grupo de jovens foi preso por troca de bandeiras. Quanto à defesa judicial, o grupo não necessitou de fazer uma grande defesa, pois o ministério público acabou por arquivar o processo, sem chamar o grupo novamente. As razões do ministério público para terem arquivado o processo tinham que ver com o facto de que o grupo devolveu o objeto, e em bom estado, sem, assim, ficar provada a intenção de furto, já que devolveram o mesmo. Quanto à invasão do espaço público, também não deram tanta importância, pois o grupo subiu por umas escadas ao terraço, não tendo entrado no espaço. Por fim, o ministério público referiu que todas as bandeiras, atuais ou anteriores, são símbolos nacionais constitucionalmente protegidos, desde o tempo de D. Afonso Henriques até agora, concluindo que, qualquer bandeira nacional pode estar lá. A acusação mais grave que fizeram ao grupo foi a de uma tentativa de golpe de estado. Neste caso, o magistrado do ministério público gostou de fazer este parecer de arquivamento. Nesse parecer cita Paiva Couceiro, uma figura histórica portuguesa que, este sim, atentou diversas vezes contra a República, e pelas armas, chegando quase a declarar a independência da região norte do país e criou a monarquia do Norte por um período de 3 meses. Por fim, relembra que nem Paiva Couceiro foi acusado de supressão do Estado, sendo, assim, era disparatado o grupo ser acusado de tal coisa. Esta história, no meio de um parecer de 30 e tal páginas bem justificado e pensado, serviu para justificar o arquivamento do caso, já que o grupo apenas ergueu um símbolo nacional. Desta forma, o grupo conseguiu demonstrar que é possível passar uma imagem política por parte do grupo, sem necessidade de ser agressivo, tendo na mesma um forte impacto político, tendo em conta que o grupo realizou essa operação, no mesmo sítio que se fez o 5 de Outubro, onde ocorreu o fim da Monarquia e a implementação da República. No entanto, existiram algumas replicas, outros grupos fizeram a mesma brincadeira pelo país, sendo a mais conhecida a do Castelo de Guimarães. Isto fez com que a varanda vira-se um pouco chacota e, como consequência, o Presidenta da República não subiu à varanda para hastear a bandeira. Tudo isto aconteceu em 2009, mas em 2010 era a comemoração dos 100 anos da República, que em vez de ser comemorada na varanda, acabou por ser noutro sitio. CONCLUSÃO: Entrevista ao primeiro preso político pós 25 de Abril Em suma, foi contada a história de como o Dr. Rodrigo Moita de Deus e o seu grupo o 31 da Armada, foram os primeiros presos políticos no pós 25 de Abril. E queria agradecer ao Dr. Rodrigo Moita de Deus por ter-me dado esta entrevista.
- Rosa - Melopeias
Track 1 - Nádia Melopeia: Abres o livro e, de repente, novas personagens passam a figurar na tua história. A tua existência só a ti pertence, mas algo em mim flutua sempre que me lembro que dela faço parte. No próximo capítulo, espero um papel com mais carga (não emocional, por favor). Por enquanto, deixo-me navegar naqueles que são os parágrafos que tu aprendes a colocar. Nádia sem nada a perder Nádia quer tudo esquecer Quer ser outra mulher num lugar qualquer Longe do que a viu nascer Nádia sem nada a temer Nádia com tudo a temer atravessa o mar Egeu Escuro como breu dois filhos, um abraço Frio, medo e cansaço Dias e dias, noites e noites De uma viagem sem fim Podem um começo e um final Ser tão iguais assim? Dias e dias, noites e noites De uma viagem sem fim Podem um começo e um final Ser tão iguais assim? Podem um começo e um final Ser tão iguais assim? Nádia não sabe nadar nádia no meio do mar Tem a cara já molhada ajuda a disfarçar As lágrimas que devolve ao mar ah ah ah Track 2 - O Melhor Presente Melopeia: A chama brilha e apazigua. É impossível mantê-la em cativeiro, guardá-la só para mim. A chama, de vez em quando ameaça, ou apagar-se, ou incendiar tudo a seu redor. Solta uns palavrões, quer quando os tachos caem das suas mãos trémulas, como quando tenta sair da cama às escuras e esbarra contra móveis que sempre ali estiveram (ainda que ela jure que não); chora quando percebe que nem os bombeiros conseguirão extinguir o seu excesso; ensina a mover montanhas, e a chegar até elas; mostra que nem tudo o que causa arrepios na espinha é mau (mas arroz de peixe é, ainda que feito por ela); e acima de tudo, prova que o amor não cabe em potes. No colo da minha chama sinto-me tão mais quente, tão mais viva. Quem me dera que os relógios se queimassem, os calendários ardessem, e que tudo a cinzas restasse, apenas para que o meu pequeno fogo comigo permanecesse. Para que ao seu colo pudesse sempre voltar. Vais receber o melhor presente Que o saibas estimar e querê-lo pra sempre Que o saibas cuidar tudo ensinar Que o saibas amar Vais receber um melhor amigo Que vai partilhar a vida toda contigo Os irmãos mais velhos são Os heróis do batalhão da nova geração E no meu colo sempre haverá espaço pra dois Que o colo de uma mãe Aumenta quando chega alguém Por mais que ainda não Entendas posso prometer Que este é o melhor presente que irás receber Vão discutir, não vais ter paciência Vais exigir a tua independência Tudo isso é normal fica sempre igual Não te vou mentir ah ah ah Vão discutir quem tem o comando O lugar do carro, quem toma banho primeiro Mas uma coisa eu sei não vai haver ninguém Que te conheça tão bem E no meu colo sempre haverá espaço pra dois Que o colo de uma mãe Aumenta quando chega alguém Por mais que ainda não Entendas posso prometer Que este é o melhor presente Que este é o melhor presente Que este é o melhor presente que irás receber Track 3 - O Verdadeiro Amor Melopeia: “We didn´t realize we were making memories. We just knew we were having fun.” Se eu fosse tua e tu fosses meu O mundo inteiro iria ver O verdadeiro amor acontecer E esse amor seria para o mundo inspiração E em cada canto, cada lugar Alguém se iria apaixonar Dentro do meu peito há um amor prisioneiro Que anseia a liberdade Mas teme a perpetuidade De amar sem ser inteiro Mas eu sou tão tua e tu não és meu E o mundo inteiro não irá ver O verdadeiro amor acontecer Track 4 - Dois Namorados Melopeia: “I’ll go.” “And I’ll stay.” “And we’ll be okay.” Quando nada indicava Que a vida que levava Fosse mudar rápido assim Pois eu era mais velha Que os velhinhos do jardim Quando os dias não passavam E só falava na saude Vi-te na rua, reconheci-te Dos nossos tempos de juventude Não tinhas casado Nem tinhas ninguém E disseste ser feliz assim Que a única mulher De quem gostaste de verdade Mas que já tinha cara-metade Foi de mim E dormimos encaixados Dois namorados Sem tempo a perder Cabelos brancos desalinhados Pés entrelaçados Já sem medo de adormecer E eu que acreditava Que a vida só nos dava Um amor assim uma só vez Dou-te um abraço apertado E vamos de braço dado Para todos verem o que a vida fez E dormimos encaixados Dois namorados Sem tempo a perder Cabelos brancos desalinhados Pés entrelaçados Já sem medo de adormecer Já sem medo de adormecer Track 5 - Benjamim Melopeia: Voam os beija-flores atrás das suas bagas, por entre o cimento da vida moderna, com o seu bater de asa acelerado, para que se fale em “efeito borboleta”. E os patos? Que um dia acordaram e decidiram usar todas as capacidades, que em uníssono, foram rejeitadas aos humanos, sabe-se lá por quem quer que nos tenha feito (eu sei exatamente quem me fez, já tu…). Os patos voam, andam e nadam. E nós, míseros humanos, ficamos contentes por termos máquinas (atenção, por nós criadas) a fazer o mesmo serviço que um patinho cambaleante do Jardim da Gulbenkian. Pobre, Benjamim. Que não se pode dar ao luxo de voar livremente como um beija-flor, ou de ter todas as capacidades do pato do Pocoyo, mas que nele possui a racionalidade de amar outro alguém. Quer dizer, será que possui tal razão? Sabes tudo de mim o meu princípio e fim Onde quero ir e onde não vou Sabes ver dentro de mim Onde ninguém pode entrar onde os que vieram Não querem voltar E assim vivemos os dois Sem fazer conta de nada somos morada Dos nossos corações amando só porque sim Vivemos assim eu pra ti, tu pra mim Meu Benjamim Amas mesmo em dia não E quando não peço perdão Quando o vento sopra noutra direção E assim vivemos os dois Sem fazer conta de nada somos morada Dos nossos corações amando só porque sim Vivemos assim eu pra ti, tu pra mim Meu Benjamim Track 6 - Só Um Beijo Melopeia: “Vá, anda!” “Eu canto a parte da Luísa.” “Okay, eu fico com a do Salvador.” Todas as minhas mini criaturas, encarregues das minhas emoções, estagnaram as suas tarefas diárias, para que naquele momento, só os meus olhos, os meus ouvidos e o meu coração, trabalhassem. Um batimento falhou, uma nota não foi captada, e a minha visão rapidamente ficou turva. Francamente, que trabalho tão mal feito. Já te pedi Até insisti Para não chegares perto Perto de mim Que é melhor assim Que é algo incerto E eu não sou de grandes paixões Quebrar corações não é para mim Prefiro evitar, no meu canto ficar É melhor assim Mas tu não me quiseste ouvir Voltaste a insistir A chegar perto assim Egoísta ruim Sei que foi só um beijo Mas não foi só um beijo P'ra mim No instante em que te vi Deixei de procurar Não tinha mais sentido Se aquilo que buscava E sem saber sonhava Era contigo E desde logo, ignorei o teu pedido Pois o que dizia a tua boca Era pelos olhos desmentido Investi sem hesitar Nunca quis nada tanto assim Tudo fiz por um beijo Mas não foi só um beijo P'ra mim Já te pedi (no instante em que te vi) Até insisti (deixei de procurar) P'ra não chegares perto (não tinha mais sentido) Perto de mim (se aquilo que buscava) É melhor assim, que é algo (e sem saber sonhava) Incerto (era contigo) E eu não sou de grandes paixões (e desde logo) Quebrar corações não é para mim (ignorei o teu pedido) Prefiro evitar, no meu canto ficar (pois o que dizia a tua boca) É melhor assim, mas tu (era pelos olhos desmentido) Não me quiseste ouvir, voltaste a insistir (investi sem hesitar) A chegar perto assim (nunca quis) Egoísta ruim (nada tanto assim) Sei que foi só um beijo (tudo fiz por um beijo) Mas não foi só um beijo (mas não foi só um beijo) P'ra mim (pra mim) Track 7 - Maria do Mar Melopeia: “Mas porquê, avó, por que te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: «O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!»” Todos os dias Maria olhava o mar pela janela Maria era do mar mas o mar não era dela E por viver numa ilha No meio do azul plantada maria além do nome Tinha o mar como morada Maria, Maria do Mar se o vento voltar Solta o cabelo vai ver os barcos partir O dia há-de vir em que um queira ficar E só no teu nome navegar Sabe prever tempestades conhece as marés E os peixes que bem cedo Lhe vêm beijar os pés Maria, Maria do Mar se o vento voltar Solta o cabelo vai ver os barcos partir O dia há-de vir em que um queira ficar E só no teu nome navegar Uh uh uh uh uh uh uh uh Uh uh uh uh uh uh uh uh Uh uh uh uh uh uh uh uh Maria, Maria do Mar se o vento voltar Solta o cabelo vai ver os barcos partir O dia há-de vir em que um queira ficar E só no teu nome navegar E só no teu nome navegar E só no teu nome navegar Track 8 - Não Sei Ser Melopeia: Provavelmente, o que aqui escrevo só faz sentido devido ao prolongar da noite. No entanto, é com as estrelas que percebo que a minha vida é uma pintura, na qual somente eu tenho o pincel. É com as estrelas que percebo que se o que penso me faz sentido enquanto ser pensante, ao menos uma pessoa, dentro das muitas outras que por esta altura já no terceiro sono se encontram, concorda comigo. Não há outra sensação como a de concordância com nós mesmos. Quem sabe se a lua também concorda. Pena que alguém, verdadeiramente esfomeado por respostas, lhe deu uma trinca tão grande, que hoje ela nem sabe o que vestir para na festa dos meus pensamentos aparecer. Assim que nasce a manhã E me acorda bem devagar Vejo se decidiste voltar E a desilusão faz de mim derrotista Balanço na corda da vida como um equilibrista Não sei ser não sei ser sem ti Não sei ser não sei ser sem ti Já só com um sopro canto Até que ele chegue ao fim E há um vazio no peito Um não saber ser por direito E algo que sem se ver Faz-me um ser imperfeito Não sei ser não sei ser sem ti Não sei ser não sei ser sem ti Já só com um sopro canto Já só com um sopro canto ah ah ah Ah ah ah até que ele chegue ao fim Track 9- Querida Rosa Melopeia: Petit Gateau de caneca! Ingredientes: - 4 colheres (sopa) de farinha de trigo; - 4 colheres (sopa) de açúcar; - 4 colheres (sopa) achocolatado em pó; - 1 ovo; - 2 colheres (sopa) de leite; - 2 colheres (sopa) de óleo. Preparação: 1) Numa caneca de cerca de 300ml (que possa ir ao microondas) misture bem a farinha, o açúcar e o achocolatado; 2) Acrescente o ovo e misture bem com um garfo; 3) Por último, misture o leite e o óleo; 4) Leve ao microondas em potência alta por 3 minutos (dica: a partir da metade do tempo, quando a massa começar a subir, desligue o microondas, espere que a misture baixe e ligue novamente, repita a operação até que a massa não baixe mais: o bolo estará pronto). Bon appétit! Querida Rosa, és a flor mais bonita Que algum jardim viu nascer Pode haver no teu canteiro uma rosa parecida Mas nenhuma tem o cheiro Da flor da minha vida Querida Rosa, minha prosa, poesia És a mais bela sem saber E se alguém vier certeiro Pra ter colher, primeiro Terá antes de me ver morrer Serei o teu fiel jardineiro Mesmo quando a primavera terminar Se te crescer um espinho Cuidarei com carinho Para que ele não te possa magoar Querida Rosa, se o mundo acabasse E só ficasses tu e eu Para mim bastaria saber que acordaria Cada dia com um beijo teu Serei o teu fiel jardineiro Mesmo quando a primavera terminar Se te crescer um espinho Cuidarei com carinho Para que ele não te possa magoar Se te crescer um espinho Cuidarei com carinho Para que ele não te possa magoar Track 10 - Mesma Rua Mesmo Lado Melopeia: A esperança média de vida, em Portugal, regista-se entre os 77 e os 83 anos. Setenta e sete anos são anos a mais para quem se resigna com o que tem. Alguém que se conforma com a vida que leva, bem pode esperar que essa vida se conforme consigo. Desde pequena fui ensinada a “relativizar”. Se o meu irmão berrava a plenos pulmões, eu devia “relativizar”. Se a educadora se esquecia de colocar o meu desenho no quadro que ficava, na entrada da sala, à vista dos pais, eu devia “relativizar”. Hoje em dia, quando o Spotify se lembra de enfiar, sorrateiramente, um anúncio (um ou seis) na minha playlist, eu devo “relativizar”. Contudo, ninguém me diz que devo “relativizar” a minha existência e aquilo que quero fazer dela. Eu não quero ser como o Carlos (chamemo-lo assim) desta música, que “relativizou” demais, até ver a vida a passar-lhe à frente dos olhos. Nada contra os “Carlos”, mas também nada a favor. Às vezes, também me sinto um “Carlos”. Eram os dois da mesma aldeia Mesma rua, mesmo largo Mesmo jeito de criança Mesmo olhar envergonhado Havia até quem dizia Que eram uma só pessoa Pois só se separavam À noite quando chegavam À rua onde moravam Mas o tempo foi passando Com ele o jeito de criança E aquela uma só pessoa Já era quase só lembrança Ele esperava por ela Mas ela tinha outros planos Tinha encontrado o amor Amor que ele conhecia Há tantos, tantos anos Foi da janela do quarto Que a viu sair para o casamento Chorou como se estivesse No altar naquele momento E foi dizendo bem baixinho Que prometia ser fiel E a ali naquele momento Sentiu o toque dela E lhe deu o anel Preferiu viver sozinho Para se ela quisesse voltar Mesmo quando bem velhinho Não se cansou de esperar Sabia que ela estava longe Mas não deixou de acreditar Que um dia ela viveria Na mesma aldeia Mesma rua, mesmo lado Mesmo lar Track 11- Envergonhado Melopeia: “Como é que cabe tanto fulgor, tanta vida, tanto amor, dentro de alguém? E como é que esse alguém consegue viver num mundo tão restritivo, num mundo onde ter raízes fixas é a obrigatoriedade da existência das árvores, num mundo onde os cafés vêm queimados e custam mais de 50 cêntimos?” “Podes dar um dia de folga ao teu coração? Estou farta de o ouvir resmungar.” “Ele tem umas cordas vocais fortes, não achas?” “Eu só queria beber o meu café.” Não fiques triste se eu pareço desligada Isso não quer dizer Que não esteja apaixonada Enquanto outros escrevem poemas, declarações Eu sinto mas baixinho sem mostrar as emoções Quero que saibas, meu amor Também eu arrasto a asa E há uma festa cá dentro Sempre que chegas a casa Que quando acordo e vejo Que ainda não foste embora É noite de santos cá dentro Mesmo não se ouvindo aí fora Perdoa então meu bem o meu modo abrutalhado Porque este amor apesar de grande É também envergonhado
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