Poemas de Fernando Ruivo
- Fernando Ruivo
- Oct 28
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Desconclusão
Se cá estivesses, eu não teria morrido
Mas também, sei que agora, o quanto pedir, não o concedereis
Eu tive a oportunidade de mudar, de alguém ser
Eu pude, não noutra como pensava, mas nesta vida
Tantas vezes, Tu me ofereceste renascimento
Ser algo novo, mudado, de alma renascida
Tantas vezes plantaste oliveiras
Mas eu não as regava
Tantas vezes me procuraste
Mas eu escondia-me
Tantas vezes me falaste
E eu não escutava
Mesmo eu sendo pá partida, faca bota, defeituosa
Procuraste fazer de mim um instrumento da Tua paz
Mesmo eu sendo de alma desprovido, homem seco
Procuraste-me mas eu não me deixei encontrar
Mesmo que Deus queira
Se o homem não sonha
A obra não nasce
E para o homem que não dorme
Uma obra é inconcebível
De nada me servem lamentos e poemas melancólicos agora
Ser um coitadinho não me vai fazer mudar
No máximo alguns têm pena
Outros, desprezo
E por pena não vale a pena
A alma é muito pequena
Pelo menos percebi que poderia ter sido diferente
Isso deixa-me esperançoso e sorridente
Quando morre a videira
A terra a acolhe
E a espalha pela Terra inteira.
Ultramar III
No cesto do cultivo me misturo com os outros vegetais
Verdes de outras hortas, do minho a sagres, desiguais
Eles vivem felizes, contando e sua terra louvando
Ó cozido salgado, quanto do teu sabor
São vegetais de Portugal
E lá estava eu com eles também, não tão entusiasta
Tinha a minha fé, mas lá esperava o que me esperava lá
Aí! Se eu soubesse o que me vinha
Aí! Se eu soubesse o que me aguardava
Andávamos nos pelo mar a dentro, como os nossos antigos
Eles porém viram o império a ser erguido
Nós vamos acabar por vê-lo destruído
E no cesto de vegetais que segue pelo céu refletido,
Tal como nuvens que atravessam pelo mar refratado
Embalado por ondas do seu andar, cesto de ferro couraçado,
Lá contam-se histórias, jogam-às cartas, acende-se tabaco
(tem lume que me dê?)
Um camarada aproxima-se de mim:
“Aí então, o senhor é de lá de cima”
“Lá de cima só o Senhor Deus, eu sou da margem do Douro”
“Oiça o que digo, depois de ver o que há aqui em baixo,
Deixa de ver o que há lá em cima”
Tinha razão.
A vela
Tão louvada é a luz
Glorificada pelos seus brilhos
Amada pelo seu iluminar
Que a verdade traz aos olhos
E é passada como chama em tocha
Tão forte que nem caverna nem rocha
Alguma vez a poderão ofuscar
Nunca ninguém porém fala do pavio
Pavio que carrega a chama e a sua luz
Que se sacrifica como que em cruz
Para que a chama queime
E a luz não se torne vazio
Nunca ninguém porém fala da cera
Cera que envolve como senhor o pavio da luz dama
Que ao derreter se deixa marcar pela chama
Para que nele sempre lembre do que brilhou
E a luz não se torne esquecida, efémera
Assim não esqueçamos que para a bela luz brilhar
Houve um pavio que ardeu
Houve cera que derreteu
E por fim, houve quem a vela acendesse
Para fazer luz
E a luz foi feita


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