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Poemas de Fernando Ruivo

Desconclusão


Se cá estivesses, eu não teria morrido

Mas também, sei que agora, o quanto pedir, não o concedereis


Eu tive a oportunidade de mudar, de alguém ser

Eu pude, não noutra como pensava, mas nesta vida

Tantas vezes, Tu me ofereceste renascimento

Ser algo novo, mudado, de alma renascida

Tantas vezes plantaste oliveiras

Mas eu não as regava

Tantas vezes me procuraste

Mas eu escondia-me

Tantas vezes me falaste

E eu não escutava

Mesmo eu sendo pá partida, faca bota, defeituosa

Procuraste fazer de mim um instrumento da Tua paz

Mesmo eu sendo de alma desprovido, homem seco

Procuraste-me mas eu não me deixei encontrar


Mesmo que Deus queira

Se o homem não sonha

A obra não nasce

E para o homem que não dorme

Uma obra é inconcebível


De nada me servem lamentos e poemas melancólicos agora

Ser um coitadinho não me vai fazer mudar

No máximo alguns têm pena

Outros, desprezo

E por pena não vale a pena

A alma é muito pequena


Pelo menos percebi que poderia ter sido diferente

Isso deixa-me esperançoso e sorridente

Quando morre a videira

A terra a acolhe

E a espalha pela Terra inteira.


Ultramar III


No cesto do cultivo me misturo com os outros vegetais 

Verdes de outras hortas, do minho a sagres, desiguais 

Eles vivem felizes, contando e sua terra louvando 

Ó cozido salgado, quanto do teu sabor

São vegetais de Portugal

E lá estava eu com eles também, não tão entusiasta

Tinha a minha fé, mas lá esperava o que me esperava lá

Aí! Se eu soubesse o que me vinha

Aí! Se eu soubesse o que me aguardava


Andávamos nos pelo mar a dentro, como os nossos antigos 

Eles porém viram o império a ser erguido 

Nós vamos acabar por vê-lo destruído


E no cesto de vegetais que segue pelo céu refletido,

Tal como nuvens que atravessam pelo mar refratado

Embalado por ondas do seu andar, cesto de ferro couraçado, 

Lá contam-se histórias, jogam-às cartas, acende-se tabaco

(tem lume que me dê?)


Um camarada aproxima-se de mim:

“Aí então, o senhor é de lá de cima”

“Lá de cima só o Senhor Deus, eu sou da margem do Douro”

“Oiça o que digo, depois de ver o que há aqui em baixo, 

Deixa de ver o que há lá em cima”

Tinha razão. 


A vela 


Tão louvada é a luz 

Glorificada pelos seus brilhos

Amada pelo seu iluminar 

Que a verdade traz aos olhos

E é passada como chama em tocha

Tão forte que nem caverna nem rocha

Alguma vez a poderão ofuscar 


Nunca ninguém porém fala do pavio 

Pavio que carrega a chama e a sua luz

Que se sacrifica como que em cruz

Para que a chama queime 

E a luz não se torne vazio 


Nunca ninguém porém fala da cera 

Cera que envolve como senhor o pavio da luz dama

Que ao derreter se deixa marcar pela chama

Para que nele sempre lembre do que brilhou

E a luz não se torne esquecida, efémera


Assim não esqueçamos que para a bela luz brilhar 

Houve um pavio que ardeu 

Houve cera que derreteu 

E por fim, houve quem a vela acendesse 

Para fazer luz

E a luz foi feita

 
 
 

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