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O vício da solidão

Dizem-nos sempre a nós, introvertidos, para nos espevitarmos, para sairmos da casca, chamam-nos "bichos do mato". Somos demasiado silenciosos, demasiado sozinhos. Mas nunca ninguém diz a um extrovertido que se acalme, que tire um tempo para si, que é demasiado ruidoso, que se cale. Parece que somos uma espécie rara e decadente viciada na droga da solidão. 


Eles não entendem. Talvez nunca entenderão. A liberdade, o conforto, o refúgio. A leveza de viver sem a pressão, sem a crítica, sem a imposição da vontade alheia. A arte de observar, sentir, absorver, saborear tudo. De encontrar vida, amor e beleza em todo o lado. A chance de poder ficar mais um pouco porque não tenho pressa. O facto de não ser preciso arranjar assunto para preencher o silêncio. Porque o silêncio é casa, é abrigo.


Mas há algo sobre o qual eles estão certos. A solidão é um vício. É um abraço apertado que não nos solta e do qual não nos queremos soltar. Queremos mais. E mais. E quando damos por nós, afundámo-nos. Faz-me lembrar quando era criança e caía no insuflável...as outras crianças continuavam a saltar e eu não me conseguia levantar. O mundo continua, todos são tão produtivos, tão sociais, tão alegres... E nós, introvertidos, viciados nesta droga, não conseguimos sair do abraço apertado da solidão. 


Acima de tudo, ninguém fala da sensação de estar rodeado de gente e sentir-se sozinho. Da necessidade de fugir. Do refúgio que é a solidão. Mas, à semelhança de todas as drogas, também esta deixa sequelas. Desgasta. Corrói. Queima. Prende. Ninguém fala de como o refúgio e a liberdade se tornam numa prisão. A loucura, o desespero de tentar sair desta bolha e não conseguir. A espiral de pensamentos que surge de repente e nos apanha desprevenidos. E, de um momento para o outro, precisamos de fugir do nosso refúgio, porque este se apoderou da nossa mente e a virou contra nós. Mas fugir para onde? 


Seremos nós cobardes? Estaremos a refugiar-nos numa ilusão momentânea de um mundo pacífico que não existe? Será a solidão mera negação do caos e do ruído que nos rodeia? Será medo do perigo, da perturbação, da crítica do mundo?


Será isto auto-sabotagem? Ou auto-salvação? Será esta espiral de pensamentos, esta ânsia de fugir da bolha, uma forma de me salvar de mim mesma?


Seremos nós efetivamente uma espécie deslocada, incapaz de se adaptar e aceitar o mundo? Ou estarão os extrovertidos a fugir ao vício da solidão, a este tormento constante, a este abraço que, sem que nos apercebamos, nos afunda e sufoca? São eles que fogem da solidão, ou somos nós que fugimos do mundo? E para onde fugimos todos? E quando vamos parar de fugir?


 
 
 

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