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- adeus, direção 2022/2023
Cara comunidade académica, A atual direção, composta por mim, Isabel Costa, pelo António Subtil, pela Sofia Dias e pelo Hugo Mendes, foi eleita no dia 31 de outubro de 2022, data em que começou o mandato, e tomou posse a 22 de novembro do mesmo ano, após a aprovação da ata da eleição em AG. Conforme designam os estatutos do jur.nal, o mandato será de um ano, podendo o fim do mesmo ser antecipado até dois meses, de acordo com o artigo 32.º. Considerando que temos um novo ano letivo a começar e novas pessoas a chegar, sem dúvida cheias de vontade de trabalhar e continuar a contribuir para este bonito núcleo, como as que já cá estão, achamos que esta é a altura mais pertinente para terminar o nosso mandato, dado que ainda temos de esperar por novas eleições e a ratificação da ata das mesmas em AG e queremos que o núcleo esteja inativo o mínimo de tempo possível, sendo desejável que essa breve inatividade e troca de mandatos ocorra já do que no decorrer do semestre. Sendo assim, é com muito carinho e um grande sentido de missão cumprida que vos informo que o nosso mandato termina hoje. A partir de agora, os candidatos podem começar a enviar as suas candidaturas para a Direção do Jur.nal, para o email do Jur.nal, ou para o grupo da redação, relembrando que devem seguir as indicações expressas nos artigos 32.º e seguintes dos estatutos do Jur.nal, e as eleições serão no dia 2 de outubro, estando esta data, obviamente, sujeita a que apareçam candidatos e os mesmos concordem com o dia proposto, sendo aí então dados mais detalhes acerca das eleições. Informo também que estamos disponíveis para responder a qualquer dúvida ou comentário que surja neste sentido e tentaremos o nosso melhor para vos esclarecer. Da minha parte, aviso já que não me irei recandidatar, terminando aqui a minha jornada na Direção do Jur.nal. Resta-me agradecer tanto à Direção anterior que também integrei, ao Rafael Guerra, que me convidou para iniciar esta longa, mas bonita caminhada, à Maria Leonor Simão e à Carolina Sacavém, com quem naveguei no meu primeiro ano de faculdade e de núcleo, e à Direção atual/cessante, o António Subtil, a Sofia Dias e o Hugo Mendes, que tiveram a infelicidade de ter de me aturar enquanto diretora e aceitar os meus desafios e desatinos (que foram certamente muitos...). Obrigada pelas noitadas de palhaçada e pelas reuniões sem sentido e por todas aquelas interações nos corredores que não tinham qualquer propósito se não rir à gargalhada às 10h da manhã de uma segunda-feira cinzenta, obrigada pelas bebedeiras com a desculpa de “bonding de equipa” e por todos os dias normais que foram tudo menos isso… Agradeço também aos coordenadores Rafael Santos, Francisco Jesus e Beatriz Rodrigues pelo trabalho incrível e motivação que têm demonstrado e sei que vão continuar e à Inês Costa Graça pelo podcast incrível que desenvolveu. Aos redatores, peço que não larguem este bonito projeto e que continuem a encontrar aqui o vosso cantinho, onde podem espalhar os vossos pensamentos e sentimentos, independentemente de quão parvos ou perturbantes pareçam, aqui pertencem todas as mentes e todos os seus devaneios, nunca duvidem disso. Apelo também aos novos caloiros que dêem uma chance ao nosso Jur.nal e venham experimentar tudo o que este núcleo tem para dar. Muito obrigada por dois anos incríveis neste núcleo que, sem qualquer sombra de dúvida, alterou completamente o meu percurso nesta faculdade e a minha visão da mesma, não digo que tenha sido sempre fácil, mas sei que mais do que valeu a pena. Não só pelas experiências bonitas que aqui vivi e todas as atividades que juntos desenvolvemos, por todos os textos lindos que tive o prazer de ler e que me inspiraram profundamente, por todos os pensamentos partilhados, por todas aquelas vezes em que pensei “ah! afinal não sou a única que sente isto ou que pensa assim”, por toda esta comunidade que aqui encontrei e que juntos desenvolvemos e, especialmente, por todas as amizades bonitas que fiz e que sei que vou levar para a vida - a esta nova família que ganhei. Este núcleo foi muito falado, entre elogios e insultos, por bons e maus motivos, e essa é a sua principal beleza, a diferença que juntos aqui conseguimos fazer; nem toda a gente gostou, mas sem dúvida que foram obrigados a refletir sobre tudo o que foi chamado à atenção e isso, em si, já produz mudança - demos, sem dúvida, azo a umas quantas discussões. Por isso, a quem ficar, peço que não esqueçam o poder que este pequeno Jur.nal tem e que o usem SEMPRE pelos estudantes. Esta é a voz dos estudantes na nossa faculdade e é por e para eles que fazemos o que fazemos, é por eles que sorrimos aos elogios e aceitamos as críticas - tudo é pela comunidade que representamos. Nunca se esqueçam que só juntos conseguimos fazer alterações que perdurem e que, por muito absurdo que pareça, vale sempre a pena tentar - continuem a reclamar os vossos direitos e a fazer jus às vossas lutas, sejam elas quais forem, e não se confundam, não é só porque aqui as coisas são melhores do que no lugar X que quer dizer que não podem melhorar, há sempre espaço para melhorar e, só quando reclamamos o nosso espaço devido, é que as peças da máquina mexem, temos de dar o primeiro passo para pôr a engrenagem a mexer, não percam a noção disso. Tenho um orgulho inexplicável em todo o trabalho que juntos aqui desenvolvemos e no quanto cresci enquanto Diretora deste núcleo, muito obrigada por me tornarem uma pessoa diferente, mais completa e mais feliz (mas não se preocupem que vão continuar a levar com todos os meus pensamentos (in)felizes enquanto redatora...). Deixo-vos com uma das minhas citações favoritas do Pablo Neruda: “Podem cortar todas as flores, mas não podem impedir que a Primavera chegue” - Isabel Costa ---------------------------------------- Ao longo da vida, sempre sofri de falta de gratidão, talvez por uma falta de fé, ou por uma simples falta de coisas pelas quais estar grato. As coisas mudam. Estou profundamente grato a todos os que apoiaram este núcleo, pelos seus textos, desenhos, podcasts e palavras de admiração e afeto. Não vos consigo descrever de forma alguma o quanto o vosso apoio nos deu forças. Estou profundamente grato à Sofia pelo génio de pessoa que é e me deu a honra de testemunhar. Estou profundamente grato ao Hugo pela camaradagem e afeto que travámos. Estou profundamente grato à Isabel, por, há um ano, olhar para o puto com chinelos e fama de irresponsável, e arriscar. Obrigado. Obrigado a todos. -Diretojo ---------------------------------------- Era uma vez um miúdo com 18 anos que sonhara entrar na Nova School of Law há 3 anos consecutivos e que decidiu, para confirmar que seria essa a sua próxima casa, ir ao Open Day da faculdade no dia 26 de maio de 2021. Assim que chegou e foi encaminhado para o encantador relvado do campus, recebeu uma edição física do Jur.nal dentro de uma sacola. Foi a primeira vez que entrou em contacto com o núcleo. Em criança, muitas foram as vezes em que esse miúdo sentiu que foi mal interpretado ou que não se tinha expressado de uma forma que fizesse jus ao que sentia, pelo que a escrita o encontrou, pronta para ser utilizada como ferramenta capaz de o colmatar. Assim que tomou a decisão final da sua candidatura ao ensino superior, decidiu simultaneamente que, se entrasse em Direito na Nova, entraria também no jornal oficial dos seus estudantes. Em setembro de 2021, o miúdo entrou na sua faculdade de sonho e enviou um email ao núcleo com a sua candidatura. Em conjunto com o que viria a ser o Diretor do Jur.nal no seu ano de caloiro, entrou num núcleo que, pelo menos no seu primeiro semestre de sempre, se encontrava estagnado. Após novas eleições, e com um nervoso miudinho na barriga, o seu primeiro poema foi publicado e começou a ganhar mais coragem para usar o jornal como um palco que demonstra spoilers do que se passa na cabeça dos seus redatores. Estando presente e tendo acompanhado o trabalho dos seus amigos na Direção, o seu apreço e carinho pelo núcleo foram crescendo cada vez mais. Neste sentido, passado meio ano de mandato, aquando do convite para integrar a Direção, não hesitou um segundo e respondeu “Sim!” imediatamente. Hoje, em retrospetiva, faria exatamente o mesmo. A partir do momento em que foi eleito, no dia 31 de outubro de 2022, pôde continuar um trabalho de inovação, de elevação da sua qualidade e de aumentar o sentido de pertença e de comunidade entre os seus redatores. Integrando uma equipa que não conhecia bem, o agora homem sente que foi um enorme prazer ter percorrido este caminho com a Isabel Costa, António Subtil e Sofia Dias e orgulha-se de tudo o que alcançaram com o projeto. Para ele, foi uma honra ser Diretor-Adjunto do Jur.nal e terá sempre um lugar especial no seu coração para o núcleo. -Hugo ---------------------------------------- Este poema fala de amor, talvez até de santos e de Deus e poderá ter sido escrito por um lavrador, que dedicou 38 anos a descobrir uma visão quase mística do homem, que canta e atravessa a estrada nacional 117, para chegar a casa ou a algum lugar próximo de casa. Por isso, escutem só, que isto é um poema: “Como eu amo a noite. Como eu amo que o meu cérebro esteja muito cansado para censurar o meu coração. Como eu amo deitar-me e dormir, serenamente, no meu colchão de palavras com cheiro de mentira. Perante tanta verdade crua e destemida, perante empurrões que a realidade me dá vezes e vezes sem conta, tudo o que quero é um colo para me deitar, tudo o que quero é mentiras ditas em jeito de amor, que me mostram cores que nunca consigo ver em mais lado nenhum. O Jur.nal pinta-me o mundo. Todas as palavras que li coloriram-me a realidade cinzenta e fizeram-me chorar com a sensibilidade que vomitavam. Obrigada a toda a Redação e Coordenação que nos contaram mentiras com jeito de amor, uma e outra vez. A elas anuímos sempre, guardámo-las como se fossem segredos, mas fizemos-las do mundo quando nos deram permissão. Não há Jur.nal sem aqueles que escrevinham nas suas paredes de noite, por isso, obrigada pelas vossas insónias, noites mal dormidas, dedicação e carinho interminável. Fazer parte desta máquina apalavrada foi mais do que um prazer. Enche-me de orgulho todo o caminho que percorremos ao longo do mandato. Foi muito trabalho, mas ninguém mandou o Fernando Pessoa criar tantos heterónimos, sabem? Aos meus colegas da Direção, Isabel, Hugo e António: “Gosto muito das vossas noites. Fico estupidamente feliz por tudo o que fizemos, mas, essencialmente, cai-me o coração por este núcleo nos ter aproximado tanto. Adoro-vos. Muito. Isabel? Estás aí? Sinto que mereces algo especial só para ti por estes 2 anos. Sei que gostas quando digo que as palavras me tiram o chão e que não consigo encontrar melhor razão para cair, mas as tuas tiraram-me a casa toda e deixaram-me a levitar aqui e alí.” O Jur.nal é o que vocês quiserem que ele seja. Um lugar de luta. Um lugar de reivindicação. Um lugar de confissão. Um lugar de informação. Um beijinho lambuzado na bochecha. Mas, para mim, nunca será um Final. Nunca acreditei muito neles. O amor que serena não termina e o meu por este núcleo vai cambaleando num barco à deriva no mar, enquanto olha para as nuvens e tenta encontrar nas suas formas a forma do mundo. -Sofia
- Pedaços de cartão
Estava vento. Eu tinha-me sentado num banquinho à tua espera, no teu jardim favorito. Combinámos tudo em cima da hora, tu com a tua agenda apertada e eu com o meu calendário cheio, mas de alguma forma - um pequeno milagre, talvez, daqueles que nos passam ao lado na nossa busca incessante pelos grandes - conseguimos estender o tempo para cabermos os dois na pequena infinidade de uma ou duas horas. Estava vento. Era fim de dia, eu fechei o meu blazer - lembro-me de pensar que nunca o usaria no ano anterior àquele -, e esperei pacientemente por ti. Fiz do livro pesado que trazia na mala - e que também não traria no ano anterior - a minha companhia. Mas a minha cabeça não estava nas palavras que se misturavam nas páginas amareladas do livro. Quando vivemos em cidades grandes, os pedacinhos de natureza - uma brisa fresca, um grilo a cantar, uma flor a nascer no meio do cimento - podem passar despercebidos. São pedacinhos que estão aqui e ali e não os apanhamos no meio de tudo o que há à volta do aqui e do ali. São pobres sobreviventes da luta contra a teimosia humana, mas nós podemos ser teimosos e parar para os tentar encontrar. Podemos deixar que nos deem um pouquinho de esperança de que a natureza ainda existe, ainda vive, ainda é mais teimosa do que nós. Podemos sentir a brisa e ouvir o grilo e cheirar a flor e decidir que o universo é a coisa mais bonita de sempre, e podemos escrever num pedaço de cartão ADORO-TE UNIVERSO, e podemos não obter resposta mas contentarmo-nos com os pequenos milagres que ele nos dá quando sentimos a brisa e ouvimos o grilo e cheiramos a flor. A minha cabeça não estava nas páginas do livro porque estava nas árvores, e no lago, e no céu alaranjado. Eu estava a contentar-me com os pequenos milagres em vez de me focar nas páginas amareladas do meu livro. Não querendo minimizar as pobres palavras – eu amo as palavras, exceto quando as odeio –, as palavras estão em todo o lado; mas os milagres da natureza estão só aqui e ali e às vezes as palavras não chegam, apesar de estarem em todo o lado, porque os milagres não estão em quase lado nenhum e às vezes os opostos não funcionam assim tão bem juntos, e às vezes há coisas que nem sequer as palavras conseguem explicar, e às vezes eu odeio-as. Estava vento. Não demoraste a chegar. Vinhas, como habitual, de mochila às costas e mãos nos bolsos, com a maior tranquilidade do mundo. Costumavas dizer que eu andava pela vida com tudo controlado, mas naquele momento, enquanto caminhavas calmamente na minha direção, achei que o controlo estava todo do teu lado. De repente viver parecia tão fácil como caminhar entre as árvores do jardim. Outro pequeno milagre. Disseste qualquer coisa engraçada sobre a minha roupa - afinal, eu não a usaria no ano anterior, e tu, claro, sabias disso - e comentaste o título do meu livro. Estavas sempre a dizer que eu devia ter escolhido matemática mas o orgulho nos teus olhos contrariava as tuas palavras. Eu sabia, e tu sabias que eu sabia, que adoravas ouvir-me falar sobre Direito e sobre a forma como eu pegaria nele e mudaria o mundo. Esse teu orgulho sempre me ajudou a tornar certas as minhas incertezas, e se isso não é um milagre, então não sei o que mais será. Nunca me vai ser possível explicar aquilo que a fé inabalável que algumas pessoas têm em mim me faz sentir. Não estou a falar da idealização injustificada, nem da admiração por muito genuína que seja, nem das expectativas que nos pressionam – tudo isso pode ser mais prejudicial do que benéfico. Estou a falar da fé pura da pessoa que vê dentro de mim uma bolinha de luz. Escolhas à parte, fases à parte, erros à parte, a pessoa vê a minha estrelinha e sabe que eu ficarei bem porque a estrelinha está lá para me mostrar o caminho. E como me é impossível ver a minha própria bolinha de luz, eu só sei que ela está lá porque a pessoa que tem uma fé inabalável e pura em mim vê a bolinha de luz e eu vejo no reflexo dos olhos dela a bolinha de luz. E então eu sei que tenho a minha estrelinha. E então eu sei que vou ficar bem. E mesmo assim, esta é uma explicação terrível para a sensação. É que essa fé torna o incerto todo certo e o escuro todo luminoso e é definitivamente um milagre gigantesco. Por isso eu tento que algumas pessoas também saibam que eu vejo nelas as suas estrelinhas, que eu tenho nelas essa fé inabalável. E vou por aí – vamos todos por aí – a mostrar às pessoas as bolinhas de luz que vemos, e tornamo-nos distribuidores de milagres, todos nós. Que incrível. Estava vento. Falaste-me de coisas que eu não percebia mas gostava de te ouvir a explicar-me. Era das minhas coisas preferidas, aprender coisas contigo. Achava fascinante a forma como demoravas um bocadinho a encontrar as palavras certas para explicar - conseguia quase ver as engrenagens do teu cérebro a funcionar - e como mexias as mãos sempre da mesma maneira enquanto falavas. Agora quem não consegue explicar alguma coisa sem mexer as mãos sempre da mesma maneira sou eu. Suponho que seja algo normal – somos só partes das pessoas que passaram por nós – mas isso é sem dúvida alguma uma coisa normal milagrosa. Que milagre sermos construções de lego coloridas e confusas, sem forma definida, e irmos ganhando e perdendo peças uns dos outros. Que milagre uma das minhas peças (talvez várias das minhas peças) ser tua. Agora não sei se é nossa ou só minha porque não sei se ainda mexes as mãos a falar. Não sei de que cor está a tua construção ou que forma tem. Mas sei que parte do meu lego – parte do meu milagre – ainda és tu. Penso muitas vezes em como seria mais fácil se eu tivesse vindo com instruções para o meu lego. Saberia o que montar, onde montar, como montar; seguir as regras, e mais nada. Como não vim com instruções, como não há regras, o meu lego altera-se constantemente – torna-se quase cansativo. Às vezes pareço uma casa, outras vezes uma faca das que se usam para cortar a melancia, outras vezes um balão de ar quente. Fica difícil imaginar qual seria a imagem da caixa do lego, aquilo que a minha construção deveria ser. Apetece escrever num pedaço de cartão O QUE É QUE É SUPOSTO EU SER, UNIVERSO? Apetece perguntar se as outras pessoas têm livros de instruções e eu é que sou o lego com defeito. Porque é que toda a gente parece saber exatamente qual a forma que é suposto ter no fim? Eu não percebo nada de formas. A única coisa que eu sei é que tenho em mim as peças de todas as pessoas que me construíram - ou desconstruíram – e se calhar isso significa que não preciso de instruções. Porque para que servem os legos, senão para improvisar, montar e desmontar, experimentar, construir e destruir e voltar a construir com peças diferentes? Para que servimos nós, senão para mudarmos, evoluirmos, decairmos e levantarmos, engrandecermos, empequenecermos, e ficarmos deitados até nos apetecer pormo-nos em pé para caminharmos ao lado de alguém? Estava vento. Houve vários silêncios nesse dia. Mas os silêncios contigo nunca eram desconfortáveis - ensinaste-me a gostar deles. Agora nas conversas de café apetece-me gritar aos ouvidos das pessoas que estar em silêncio também é bom, que há muito que é dito sem falar. Todos somos demasiado lentos a ouvir. Somos demasiado rápidos a querer preencher silêncios que existiriam pacificamente se não fizéssemos nada em relação a eles. Somos demasiado rápidos a sabotar a nossa paz. Mas tu nunca foste rápido a criar caos. Sempre viveste bem no silêncio. Talvez esse seja o teu pequeno milagre. Estava vento. Foram duas horas muito normais, em nada milagrosas, e ainda assim, os pormenores estão em gavetinhas na minha cabeça que se abrem sempre que oiço aquela música na rádio. Sim, a música passou na rádio e eu escrevi isto. Sim, a música passa na rádio e eu fico triste. Sim, às vezes odeio a música. A música passa na rádio e eu lembro-me do vento e do jardim e da matemática e dos legos e das tuas mãos nos bolsos e do silêncio e dos teus olhos orgulhosos e só me quero deslembrar. Quero tanto deslembrar-me e lembro-me tanto que a certo ponto já não distingo aquilo que aconteceu daquilo que eu penso que aconteceu: será que os meus gestos das mãos vieram de ti? Que coisa era aquela que me explicaste naquele dia? Há quanto tempo é que estivemos juntos, mesmo? Enfim, de certeza que o meu calendário estava cheio – está sempre. De certeza que te vi a caminhar entre as árvores (se fechar os olhos ainda vejo) e de certeza que as duas horas passaram depressa demais. De certeza que foi tudo um pequeno milagre. De certeza que tu és um pequeno milagre. De certeza que eu sempre procurei pelos milagres grandes – de certeza que isso é uma tragédia. Só apetece escrever num pedaço de cartão FAZ-ME VER OS MILAGRES PEQUENOS, UNIVERSO, e talvez seja este o momento certo para perceber que, na verdade, o Universo nunca esteve realmente a ouvir.
- O gume da faca
Menino Quando chegar a hora De usares a faca Que trazes no bolso Não te vou culpar Afinal Já nasceste entre sangue Rodeado de gente dura Com facas e armas Num bairro de maldade De droga e terror Vives da rua e do grupo Aprendeste a não sonhar Escondes-te nas trevas Da noite e do dia Passas entre as balas Saltas sobre os mortos Já não choras a solidão Trazes sempre contigo Os olhos no gume de uma faca Rápida e impiedosa Ávida de sangue e vingança Mas ainda te tremem as mãos E ainda vertem lágrimas Os teus olhos de criança
- La petite mort
As minhas mãos encontram-se com as bochechas dele, os meus polegares parecem um limpa-vidros de um carro, movimentam-se ligeiramente para a esquerda e depois para a direita. As mãos dele estão nas minhas costas, tímidas, com medo de explorar outros habitats. A minha boca sabe a pastilha de mentol de marca branca. Separamo-nos. A boca dele está vermelha e o sítio ao pé do nariz também. Eu devo estar igual. Beijos não existiam, para mim, antes de beijar alguém na boca. Eram uma mentira que todos contavam. Ninguém amassa os lábios de outra pessoa, isso não existe. Todos aqueles que escrevem sobre beijos são escritores com uma imaginação tórrida, escrevem livros de fantasia, escrevem sobre o que não é real. Ora, beijar era, portanto, uma conspiração judaica até o João, moreno, alto e com olhos cor de chocolate, me espetar um beijo na boca, naquele dia quente de verão. Este processo da descoberta da existência das coisas relembra-me a Fenomenologia, em que o nosso objeto de estudo são os fenómenos, no seu sentido lato. Assim, tudo o que podemos saber do mundo e de nós próprios resume-se a fenómenos, a estes objetos fenomenais que o ser experimenta durante a sua finitude. Logo, toda a minha conceção de realidade era baseada nos fenómenos que experienciara, apelidando de tudo o que cabia a outros corpos finitos, até ao momento, de irreal ou imaginário. O ato de beijar alguém não foi a única vítima da negação da sua existência como conceito praticável. Morrer também o foi. Sabia que a morte circulava entre nós, estava connosco quando comíamos um gelado, quando lavávamos os dentes, quando discutíamos com alguém que amávamos, quando bebíamos café e alimentávamos o cão. Ela dançava o vira, mas, aos meus olhos, nunca tinha par. Nunca me tinha ocorrido a hipótese de a ver, de a encarar e de ter um jogo do sério com a criatura. Reconhecia o facto de as pessoas morrerem, mas não MORRIAM com letras maiúsculas, certo? Sim, não iam para o céu, eu não era assim tão tolinha, mas também não paravam de existir. O avô Joaquim morreu, mas não MORREU. No dia em que descobri que a morte existia estava muito calor. Estava tanto calor como no dia em que o João me deu o beijo. Talvez seja por isso que os franceses chamam ao orgasmo “La petite mort”, a pequena morte. O dia em que disse “olá” à morte foi também o dia do meu primeiro funeral. E eu não sabia existir num. Como se atua perante a morte? Como se a encara? Ela parece ter cara de poucos amigos, pensei. É suposto rir num funeral? É suposto sorrir? É suposto chorar, mesmo não conhecendo o falecido, mas sim os seus familiares, como era o meu caso? É suposto abraçar? Tinha a sensação que, perante a morte, não se devia existir. Seria uma falta de respeito existir quando alguém parou de o fazer e a mim educaram-me sempre a pedir “desculpa” e a dizer “obrigado” e eu queria ser uma menina bem-educada. A minha obsessão com comportar-me bem tornou-se em narcisismo, reconheci. Um homem morreu e eu perguntava-me se devia rir-me com ele estendido na sala. A minha mãe contou-me que o meu avô, quando vai a funerais, conta histórias e toda a gente se ri e isso deixou-me mais aliviada. A morte apresentou-se perante mim no silêncio de uma sala, em forma de luto. Quando vi alguém que conhecia a chorar de saudades profundas, causadas pela dança do vira da morte com o morto, soube que ela existia. Que ela não existia como pretexto dramático e sentimental nos filmes e era, logo, fictícia. Que a guerra causava mortes palpáveis. Que a gata da avó morreu. Que o avô Joaquim morreu também. E tudo o que foi preciso era mostrarem-me sofrimento causado por alguém que nem conhecia, que estava a 3 metros de nós, sem o coração a bater. A minha família era mestre em esconder as danças da morte. Nunca vi ninguém da minha família a chorar pelos pais falecidos ou avós ou amigos ou quem quer que fosse. Nunca fui aos funerais deles. Logo, era simples. A morte não existia se não deixava marcas que eu pudesse ver. Até àquele dia de agosto. Ninguém se riu. As pessoas choraram. E, sim, abracei. Eu sabia que o nosso fim era sempre o mesmo. Que a morte era a coisa mais natural que podia acontecer e mesmo assim não me conseguia abstrair do corpo morto ao lado, quase que ignorando os que estão vivos ao meu redor, como se a morte fosse algo mais raro que a vida. Como se tivesse o seu próprio sistema operante com uma economia e pessoas para maltratar. Como se, quando fosse para a cama, me deitava sobre um morto; como se estivessem pousados nos meus dois ombros mais uns quantos; como se quando levasse a colher com os cereais à boca engolisse mais um; como se os mortos fossem tão leves, tão pouco corpóreos, que estavam mais perto de nós do que os vivos. A morte era a hipérbole da vida e não o seu fim, era um exagero que levava demasiado e deixava muito pouco. A minha mãe, no silêncio daquela sala, sussurrou-me ao ouvido: "Sabes, Sofia, no livro que te emprestei diz-se que estar morto deve ser inteligente, que todos os mortos são muito inteligentes em forma de alma, porque Deus não suportaria viver com imensas almas burras. O corpo, esse, esse é um traste. A alma é brilhante. Merecedora de verdadeira beleza, amor. Se nos olharmos ao espelho e só víssemos a nossa alma morreríamos de espanto, do quão maravilhosa ela é. Viveríamos apenas nas costas dos olhos, sabes? Seríamos apenas as costas dos olhos. O interior. O lado de dentro. Mas, estou muito contente pelos nossos corpos transportarem as nossas. Assim, não poderia ouvir as tuas teorias e não saberia quem procurar para as ouvir quando morrêssemos." Sentia algo místico, sagrado, como se os que estavam naquela sala, numa noite de sexta-feira, guardassem o segredo mais precioso sobre o existir humano, mas se engasgassem entre lágrimas e soluços sempre que ele se prendia por um fio na ponta da língua. Eram calados como se o João, de olhos castanhos, lhes tivesse espetado um grande beijo na boca
- Ser Solid(t)ário - Melopeias
Track 1 – Travessia do deserto Melopeia : “É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo.” Bela merda, e agora? “Que caminho tão longo Que viagem tão comprida Que deserto tão grande Sem fronteira nem medida Águas do pensamento Vinde regar o sustento Da minha vida Este peso calado Queima o sol por trás do monte Queima o tempo parado Queima o rio com a ponte Águas dos meus cansaços Semeai os meus passos Como uma fonte Ai que sede tão funda Ai que fome tão antiga Quantas noites se perdem No amor de cada espiga Ventre calmo da terra Leva-me na tua guerra Se és minha amiga Que caminho tão longo Que viagem tão comprida Que deserto tão grande Sem fronteira nem medida Águas do pensamento Vinde regar o sustento Da minha vida Este peso calado Queima o sol por trás do monte Queima o tempo parado Queima o rio com a ponte Águas dos meus cansaços Semeai os meus passos Como uma fonte Ai que sede tão funda Ai que fome tão antiga Quantas noites se perdem No amor de cada espiga Ventre calmo da terra Leva-me na tua guerra Se és minha amiga Que deserto tão grande” Track 2 – Queixa das almas censuradas Melopeia : “Sabes filho, podes não concordar com os professores, mas tens de lhes obedecer.” “Sabes filho, o tio pode ser parvo, mas é família.” “Sabes filho, quando eu falo, tu comes e calas-te.” Avô, agora ando armado em jornalista como tu. Orgulhas-te de mim? Avô, agora ando armado em comuna e bi. Odeias-me? “Dão-nos um lírio e um canivete E uma alma para ir à escola Mais um letreiro que promete Raízes, hastes e corola Dão-nos um mapa imaginário Que tem a forma de uma cidade Mais um relógio e um calendário Onde não vem a nossa idade Dão-nos a honra de manequim Para dar corda à nossa ausência Dão-nos o prémio de ser assim Sem pecado e sem inocência Dão-nos um barco e um chapéu Para tirarmos o retrato Dão-nos bilhetes para o céu Levado à cena num teatro Penteiam-nos os crânios ermos Com as cabeleiras dos avós Para jamais nos parecermos conosco Quando estamos sós Dão-nos um bolo que é a história Da nossa história sem enredo E não nos soa na memória Outra palavra para o medo Temos fantasmas tão educados Que adormecemos no seu ombro Sonos vazios, despovoados De personagens do assombro Dão-nos a capa do Evangelho E um pacote de tabaco Dão-nos um pente e um espelho P'ra pentearmos um macaco Dão-nos um cravo preso à cabeça E uma cabeça presa à cintura Para que o corpo não pareça A forma da alma que o procura Dão-nos um esquife feito de ferro Com embutidos de diamante Para organizar já o enterro Do nosso corpo mais adiante Dão-nos um nome e um jornal Um avião e um violino Mas não nos dão o animal Que espeta os cornos no destino Dão-nos marujos de papelão Com carimbo no passaporte Por isso a nossa dimensão Não é a vida nem é a morte...” Track 3 – Vá… Vá… Melopeia : O dia acordou! Vai uma aula em falta e um saca-rolhas na mala, um café na baixa mas o chá é lá em cima, uma piadola na minha boca e um beijo na tua, uma festa na sexta-feira para recuperar da feira a que fui no feriado, um pulo na passadeira para depois passear a pança na padaria, um telefonema da família por atender porque estava a fumar e a foder numa orgia, um coma alcoólico para me distrair de qualquer estilo de vida metódico monótono porque só o caótico me cativa, as ruínas do raio da minha religião que querem ressuscitar, as reminiscências de remorsos a reprimir, e uma revolução para resolver assim que acordar amanhã. Eu nunca durmo. Eu quero tanto dormir. “Quando estou sentado à mesa deste café Sinto vocação de pensador engagé Mas o peso da consciência no peito Não consigo suportar este remorso Tenho que fazer um pequenino esforço Vou mudar de vida, ai isso é que vou! Ponho escritos sobre a mesa deste café Ponho escritos na consciência de boa fé Mas o peso da coerência no peito Não consigo suportar este remorso Tenho que fazer um pequenino esforço Vou mudar de vida, ai isso é que vou! (Vá... vá...) Amigo, sente-se à mesa deste café Vou fazer-lhe uma surpresa por ser quem é Trago uma velinha acesa no peito Não consigo suportar este remorso Tenho que fazer um pequenino esforço Vou mudar de vida, ai isso é que vou! (Vá... vá...) [Instrumental] Mas nem tudo são desgraças neste café Eu vou-me ligar às massas deste café P'ra ver se esta dor me passa no peito Não consigo suportar este remorso Tenho que fazer um pequenino esforço (Vou mudar de vida, ai isso é que vou!) (Vá, vá...) Sim? Pois, quer dizer... Bem... Sim, sim Não, nem tanto É pá... percebes, pá? Isto, pá... Quer-se dizer, pá... Enfim, pá Vou, vou, 'tá bem É pá, é tudo uma questão de coerência, não é? Coerência... Pronto, pronto Bem, 'tá bem... É pá... 'Pera aí, pá, 'pera aí, pá, 'pera aí, homem! É pá, não, pá Vá, vá Bardamerda...” Track 4 – A morte nunca existiu Melopeia : “Nós, comunistas, somos todos homens mortos em licença. Disso tenho plena consciência. Não sei se vão prolongar a minha licença ou se terei de me juntar a Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo. Em todo o caso, aguardo o vosso veredicto com compostura e serenidade interior. Porque sei que, seja qual for o vosso veredicto, eventos não podem ser parados.” Foi o que Eugen Leviné disse antes de ser executado. 1919. Eugen, Karl e Rosa. Todos mortos, mártires da revolução. E os eventos foram parados, Eugen. A maior fraqueza dos revolucionários da época foi, talvez, a sua tendência a serem vulneráveis a balas, até serem eles os que se habituaram a balear. A verdade é que eles morreram, e mataram, por nada. Porra, o Zé Mário também, não é mesmo? Deus não os reivindicou como a Cristo. A revolução falhou, vencida pelo capital e corrompida por tiranos. Se a morte não existisse, e eles vivessem para viver o século que passou, chorariam? Não importa. A verdade é que a morte da revolução não existe. Não a de Marx e Lenine, esses sim, morreram, enterremos os seus cadáveres, mas enquanto o mundo for feito, de mudança o será. “Tudo o que for vivente tem Uma queixa que o percorre E quando um dia a vida morre A morte morre também Essa já não mata ninguém Onde nasceu se sumiu Só p'ra esse corpo serviu Ali fez as contas do Porto Não vai de um p'ra outro corpo Porque a morte nunca existiu A morte não sai p'rá rua Nem anda de terra em terra E quando um dia a vida degenera A morte, cada um tem na sua Essa já não continua Onde nasceu foi acabada Depois foi ser enterrada Com o corpo debaixo de chão Mesmo nessa ocasião Foi pela vida gerada Onde é que essa morte está? Onde tem no acampamento P'ra matar milhares ao mesmo tempo Uns no estrangeiro, outros cá Essa morte não haverá P'ra que faça tanto corte 'Inda mesmo que seja forte Que haja isso, eu não acredito Estragou-se o sangue, perdeu o esp'rito A vida passou à morte Como é que podia ser Uma morte só ter tanta substância O mundo tão grande distância P'ra tanto vivente morrer Cada um tem de a sua ter E pela vida é que é fundada Qu'ela que anda de estrada em estrada Ninguém tenha esse abismo Desde que para o maquinismo É que fica a morte formada Desde que para o maquinismo É que fica a morte formada” Track 5 – Fado da tristeza Melopeia : Quando vives tanto tempo habituado à miséria, felicidade parece uma piada de mau gosto. Não confias nela, e estabeleces critérios tão altos para ser feliz, porque queres testá-la, e queres que falhe. Eu estabeleci duas linhas-mestre para a minha vida: a política, e a arte. Serei feliz quando todos tiverem paz, pão, habitação, saúde, e educação. E serei feliz quando conseguir escrever algo tão bonito que ninguém precise de tais utopias. É tudo o que consigo dar. “Ce qu'on appelle raison de vivre est en même temps une excellente raison de mourir. ” “Não cantes alegrias a fingir Se alguma dor existir a roer dentro da toca Deixa a tristeza sair Pois só se aprende a sorrir Com a verdade na boca Deixa a tristeza sair Pois só se aprende a sorrir Com a verdade na boca Quem canta uma alegria que não tem Não conta nada a ninguém Fala verdade... a mentir Cada alegria que inventas Mata a verdade que tentas Porque é tentar a fingir Cada alegria que inventas Mata a verdade que tentas Porque é tentar a fingir Não cantes alegrias de encomenda Que a vida não se remenda Com morte que não morreu Canta da cabeça aos pés Canta co'aquilo que és Só podes dar o que é teu Canta da cabeça aos pés Canta co'aquilo que és Só podes dar o que é teu Não cantes alegrias de encomenda Que a vida não se remenda Com morte... que não morreu Canta... da cabeça aos pés Canta co'aquilo que és Só podes dar o que é teu” Track 6 – Fado Penélope Melopeia : “Il n'y a qu'un problème philosophique vraiment sérieux : c'est le suicide. ” “Sagrado é este fado que te canto Do fundo da minh'alma tecedeira Da noite do meu tempo me levanto E nasço feito dia à tua beira E nasço feito dia à tua beira Passei por tantas portas já fechadas Com a dor de me perder pelo caminho A solidão germina nas mãos dadas Que dão a liberdade ao passarinho Que dão a liberdade ao passarinho E enquanto o meu amor anda em viagem Fazendo a guerra santa ao desespero Eu encho o meu vazio de coragem Fazendo e desfazendo o que não quero Fazendo e desfazendo o que não quero A fome de estar vivo é tão intensa Paixão que se alimenta do perigo De o chão em que se inscreve a minha crença Só ter por garantia ser antigo Só ter por garantia ser antigo” Track 7 – Qual é a tua, ó meu Melopeia : Qual é a tua, ó meu? Revolucionário, tu? AH! Que fazes tu, votar e escrever? É isso que consideras dar à comunidade? Vai mas é arranjar trabalho e quando pagares impostos falamos, não vales de nada ao povo a chuchar no dedo fechado em casa! Vá, sai do Twitter e faz-te à vida, ó camarada! “Qual é a tua, ó meu Andares a dizer "quem manda aqui sou eu"? Qual é a tua, ó meu? Nesse peditório o pessoal já deu Qual é a tua, ó meu Andares a dizer "quem manda aqui sou eu"? Qual é a tua, ó meu? Nesse peditório o pessoal já deu Com trinta por uma linha, esburacaste a Liberdade E a Alegria É só puxar a Pontinha, cai o Carmo e a Trindade No mesmo dia Com tanta Ladra no mundo, o teu Rato andava à caça Dos sapadores Quanto mais a dor dá fundo Menos a gente acha Graça aos ditadores Qual é a tua, ó meu Andares a dizer "quem manda aqui sou eu"? (tira a mão da papeleta) Qual é a tua, ó meu? Nesse peditório o pessoal já deu Qual é a tua, ó meu Andares a dizer "quem manda aqui sou eu"? Qual é a tua, ó meu? Nesse peditório o pessoal já deu O Intendente semeou, o Desterro e o Calvário Sem nenhum dó Mas Santa Justa acordou, porque a Voz do Operário Não Fala-Só Pedes Ajuda e Mercês Mas só Palhavã vais pondo No nosso prato Engarrafa-se o Marquês e cai o Conde Redondo Mais o Beato (o'vistes, pá?!) Qual é a tua, ó meu Andares a dizer "quem manda aqui sou eu"? Qual é a tua, ó meu? Nesse peditório o pessoal já deu (vamos embora) Qual é a tua, ó meu Andares a dizer "quem manda aqui sou eu"? Qual é a tua, ó meu? Nesse peditório o pessoal já deu Sem Socorro, ardeu-te a tenda, mas tu ficas Entrecampos A ver se escapas (até choras) Mas como não tens Emenda, vais com Baixa de sarampo Para a Buraca Não é possível meter Águas Livres numa Bica Como tu queres Quem pensa assim, podes crer, Campo Grande onde Benfica É nos Prazeres ('Tás a ouvir, ó Meco?) Qual é a tua, ó meu Andares a dizer "quem manda aqui sou eu"? Qual é a tua, ó meu? Nesse peditório o pessoal já deu (tira a mão da fruta) Qual é a tua, ó meu Andares a dizer "quem manda aqui sou eu"? Qual é a tua, ó meu? Nesse peditório o pessoal já deu Nesse peditório o pessoal já deu Nesse peditório o pessoal já deu Pa-ra-pa-pa (confere)” Track 8 – Eu vim de longe, eu vou para longe (“Chulinha”) Melopeia : A esperança é a última a morrer, e morrerá depois de todos nós. Portanto, abençoemos a alvorada da nova revolução! Sonhemos em prol do proletariado, qualquer o termo com que descrevamos a opressão, criemos novos mártires e musas! Avante o próximo Ismo! “Eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida. Que sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança, como bola colorida, entre a mãos de uma criança.” “Quando o avião aqui chegou Quando o mês de maio começou Eu olhei para ti E então eu entendi Foi um sonho mau que já passou Foi um mau bocado que acabou Tinha esta viola numa mão Uma flor vermelha noutra mão Tinha um grande amor Marcado pela dor E quando a fronteira me abraçou Foi esta bagagem que encontrou Eu vim de longe, de muito longe O que eu andei p'ra aqui chegar Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe Onde nos vamos encontrar Com o que temos p'ra nos dar E então olhei à minha volta Vi tanta esperança andar à solta Que não hesitei E os hinos que cantei Foram frutos do meu coração Feitos de alegria e de paixão Eu vim de longe, de muito longe O que eu andei p'ra aqui chegar Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe Onde nos vamos encontrar Com o que temos p'ra nos dar Quando a nossa festa se estragou E o mês de novembro se vingou Eu olhei p'ra ti E então eu entendi Foi um sonho lindo que acabou Houve aqui alguém que se enganou Tinha esta viola numa mão Coisas começadas noutra mão Tinha um grande amor Marcado pela dor E quando a espingarda se virou Foi p'ra esta força que apontou Eu vim de longe, de muito longe O que eu andei p'ra aqui chegar Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe Onde nos vamos encontrar Com o que temos p'ra nos dar E então olhei à minha volta Vi tanta mentira andar à solta Que me perguntei Se os hinos que cantei Eram só promessas e ilusões Que nunca passaram de canções Eu vim de longe, de muito longe O que eu andei p'ra aqui chegar Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe Onde nos vamos encontrar Com o que temos p'ra nos dar Quando finalmente eu quis saber Se 'inda vale a pena tanto crer Eu olhei para ti E então eu entendi É um lindo sonho p'ra viver Quando toda a gente assim quiser Tenho esta viola numa mão Tenho a minha vida noutra mão Tenho um grande amor Marcado pela dor E sempre que Abril aqui passar Dou-lhe este farnel p'ra o ajudar Eu vim de longe, de muito longe O que eu andei p'ra aqui chegar Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe Onde nos vamos encontrar Com o que temos p'ra nos dar E agora eu olho à minha volta Vejo tanta raiva andar a solta Que já não hesito E os hinos que repito São a parte que eu posso prever Do que a minha gente vai fazer Eu vim de longe, de muito longe O que eu andei p'ra aqui chegar Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe Onde nos vamos encontrar Com o que temos p'ra nos dar Eu vim de longe, de muito longe O que eu andei p'ra aqui chegar Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe Onde nos vamos encontrar Eu vim de longe, de muito longe Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe Eu vim de longe, de muito longe Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe Eu vim de longe, de muito longe Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe...” Track 9 – Inquietação Melopeia : Senhoras e senhores, e todas outras belezas que não se incluem em nenhum dos sexos, sejam bem-vindos ao Final da História e ao começo de um novo carnaval! No espetáculo de hoje, convidámos SETE. MIL. MILHÕEEEES DE HUMANOS a atuar! Uma salva de palmas, meus caros, uma salva! Infelizmente, Deus não foi convidado, devido ao incidente com os alemães há uns anos… Um mega mega rip para Ele! Ámen ámen ámen como, na Igreja, os senhores diziam ao Senhor! Antes de Lhe cuspirem na cara, cagarem ouro e violarem, não é mesmo? UUuuuuuu tenso. Epah, não me julguem, os muçulmanos não são muito melhores, olhem para o Irão e as sharias e o caralho, e nem me falem de Israel… Enfim, amigos, é a vida com e sem Deus! Oremos pelos humanos, oremos. Mas não são fantasias dessas que nos trazem ao espetáculo de hoje, não meus senhorarrobas, não. Hoje, tratamos de algo muito mais real: ideologias. De um lado, as forças do capital, acolhidas pelos lordes indisputados do dinheiro e da democracia, nessa ordem, ESTADOS UNIIIIIIDOOOOOOOOOS! Grandes palmas! E do outro lado, a disputar uma valente luta, TEMOS A – (o quê? mas atão? nem duraram cem anos? já acabou? já? atão e a Chi – não são comunis – mas como? tá no nome! ah. oh.) … Antes demais, o meu perdão à comunidade muçulmana. E O VENCEDOR, CARÍSSIMOS, SÃO AS FORÇAS DO CAPITAL! AMÉRICA, AMÉRICA, AMÉRICA! VIVA AO MERCADO LIVRE, À LIBERDADE, À DEMOCRACIA! VIVA AO POV – (ai isso é socialis – mas eu pensava que democracia queria dizer – ok, ok, pronto) Bem. E é assim que a história acaba. É o Fim da História. Foi assim que aconteceu. … Como dizem, os americanos: What now? Não sei com que vos entreter, meus caros, não sei. Bem, agora fodem-se, não é mesmo. Vamos só… Ficar a ver? Não é assim que histórias costumam funcionar, acho eu, geralmente por esta altura devíamos cortar para preto. Algo está errado, temos de chamar a produção ao palco, mas não se preocupem, espetadores, isto não será uma perca do vosso tempo! AH! AH! ENCONTRAMOS UNS PEQUENOS ANARCAS! (o público ama tragédias, vão papar isto tudo) SENHORAS E SENHORES, E TODOS OS OUTROS CARALHOS E CONAS, A HISTÓRIA DA HUMANIDADE PARECE NUNCA ACABAR! QUEM VENCERÁ! O SISTEMA MONOLITICO, QUE COMPRA, VENDE, MATA E ROUBA, SOBRE O QUAL TODA A TERRA MODERNA É CONSTRUÍDA, MESMO QUE TAL LEVE À SUA ANIQUILAÇÃO? Ou uma cambada de putos consumidos por inquietação? “A contas com o bem que tu me fazes A contas com o mal por que passei Com tantas guerras que travei Já não sei fazer as pazes São flores aos milhões entre ruínas Meu peito feito campo de batalha Cada alvorada que me ensinas Oiro em pó que o vento espalha Cá dentro inquietação, inquietação É só inquietação, inquietação Porquê, não sei, porquê, não sei Porquê, não sei ainda Há sempre qualquer coisa que está p'ra acontecer Qualquer coisa que eu devia perceber Porquê, não sei, porquê, não sei Porquê, não sei ainda [Instrumental] Ensinas-me a fazer tantas perguntas Na volta das respostas que eu trazia Quantas promessas eu faria Se as cumprisse todas juntas Não largues esta mão no torvelinho Pois falta sempre pouco p'ra chegar Eu não meti o barco ao mar P'ra ficar pelo caminho Cá dentro inquietação, inquietação É só inquietação, inquietação Porquê, não sei, porquê, não sei Porquê, não sei ainda Há sempre qualquer coisa que está p'ra acontecer Qualquer coisa que eu devia perceber Porquê, não sei, porquê, não sei Porquê, não sei ainda Cá dentro inquietação, inquietação É só inquietação, inquietação Porquê, não sei Mas sei é que não sei ainda Há sempre qualquer coisa que está p'ra acontecer Qualquer coisa que eu devia perceber Porquê, não sei Mas sei é que não sei ainda Há sempre qualquer coisa que eu tenho de fazer Qualquer coisa que eu devia resolver Porquê, não sei Mas sei Que essa coisa é que é linda!” Track 10 – Não te prendas a uma onda qualquer Melopeia : Oh. Vieste, amor. Eu? Estava só a. Contar grãos. Ia em vinte, ah ah. Ligaste-me? Oh, desculpa, perdi o telemóvel, onde? Caiu… No mar. Não faz mal, aquilo já só me distraía. Horas passadas a olhar para um ecrã, sem realmente fazer nada. Pelo menos aqui consegues… Sentir algo que valha algo. Cheirar a maresia. Já pensaste, o mar é profundamente humano, dele fizemos deuses e barcos, e pescamos e, e viemos de lá, há biliões de anos! Era nos tudo e agora será… Merda, desculpa, como estás tu? Como? Saíram da casa, mas – Bem, sim, a casa não era vossa, mas o teu avô estava lá há – quais direitos de propriedade, eles não podem – Lamento. … O trabalho? Oh, eu… Sabes, eu tenho estado muito investido no partido, ontem fui jantar com aquele, o que vai ser secretário para o ano, o pai dele é… Senhorio. Eu não… O adoro. Mas tu sabes, como é que é suposto fazer alguma coisa sozinho – não, não digas isso, tem de ser, meu bem, TEM DE SER PORRA. … Despediram-me. Com metade da malta. Preferes que eu desista? Morremos apenas, é? Lisboa vai afundar. Nós não temos nada. … Desculpa. Sou-te teu. Vem cá. Beija-me. O mar está tão bonito. “Esse rio que vai lento Espreguiçando-se a teus pés Não traz nunca a mesma água Não volta nunca p'ra trás Já não era o mesmo rio e Nem uma das suas ondas Voltará Para a nascente Não te prendas A uma onda qualquer Que a teus pés Venha morrer Enquanto o teu pé estiver Dentro dessa mesma água Muitas outras novas ondas junto dele Irão morrer Na cidade onde eu vivia Sempre tão cheia de gente Se bem que ninguém lá fique É costume eu vir cantar Uma cantiga que fala Do fluir das coisas que há Neste mundo E assim começa Não te prendas A uma onda qualquer Que a teus pés Venha morrer Enquanto o teu pé estiver Dentro dessa mesma água Muitas outras novas ondas junto dele Irão morrer [Instrumental] Esse rio que vai lento Espreguiçando-se a teus pés Não traz nunca a mesma água Não volta nunca p'ra trás Já não era o mesmo rio e Nem uma das suas ondas Voltará Para a nascente Não te prendas A uma onda qualquer Que a teus pés Venha morrer Enquanto o teu pé estiver Dentro dessa mesma água Muitas outras novas ondas junto dele Irão morrer” Track 11 – Linda Olinda Melopeia : Sim sim, o sol vai explodir, mas estás uma brasa, bora foder. “A linda Olinda A linda Olinda a linda gargantilha A nós a passa A nós a passa passa e não no nó Que na garganta traz a que lhe trilha Na face o vinho faz a maravilha E de azevinho a avinha sem ter dó É linda É linda Olinda É linda Olinda e linda gargantilha A linda Olinda A linda Olinda a linda gargantilha Desgraça a voz Desgraça a voz, é das avós a graça Que na garganta traz e que lhe trilha A graça velha já seu corpo humilha E tanta mágoa em olhos de água traça É linda É linda Olinda É linda Olinda e linda gargantilha Água preta A linda Olinda A linda Olinda a linda gargantilha É falsa a fala E lasso e falso o laço fá-lo a farsa Que na garganta traz o que lhe trilha Acorda ó linda, vai-se a armadilha O laço corta, o corpo não disfarça É linda É linda Olinda É linda Olinda sem a gargantilha” Track 12 – Treze anos, nove meses Melopeia : Sim, deveria ter treze anos e nove meses quando me declarei socialista. Era o que fazia sentido na altura, sabe. No pós-Trump e Brexit, 2016 foi um autêntico renascimento da esquerda online. Os meus pais? Bem, eles – “AQUILO NÃO É UM JOVEM, É UM PRETO.” … São conservadores, mas não o sabem. Se me tornei esquerdista para ser do contra? Não, não, eu – “África estava bem quando nós estávamos lá –” “Ouviste falar do Congo Belga?! Mataram 6 milhões de pessoas, mais que a população da Bélgica na altura, portanto do que raio estás tu a –” Não. Se eles estivessem mais presentes, ter-me-ia tornado como eles, certamente. Foi na sua ausência que me autoeduquei e me radicalizei. Sim, claro, a família enquanto instituição deve ser destruída, é mais que óbvio. Porque pergunta? “Deixa-me encostar a cabecinha Que sou pobre como Job Deixa-me chamar às vezes pela mãezinha E aprender a ficar só Começar a contar Branca a branca o nosso amor Sem fintar, sem temor Filho a filho eu te amaria Mais o pão de cada dia Às vezes melhor, outras vezes pior Fomos acertando o pensamento E a vida lá fora É que nos dava a cor P'ra pintar o amor Que estava dentro [Instrumental] Deixa-me enterrar tuas raízes No meu corpo de água e sal Deixa-me não ouvir bem o que tu dizes Quando não leste o jornal Começar a contar Hora a hora tantas vezes Treze anos, nove meses Gesto a gesto eu te amaria Mais o pão de cada dia Às vezes melhor, outras vezes pior Fomos acertando o pensamento E a vida lá fora É que nos dava a cor P'ra pintar o amor Que estava dentro La-la-la-ri-ra... Deixa-me sentar numa cadeira E descansar a teu lado Deixa-me gritar cá à minha maneira Que eu grito sempre calado Começar a contar Um a um os companheiros Os de agora, os primeiros Mão a mão eu te amaria Mais o pão de cada dia Às vezes melhor, outras vezes pior Fomos acertando o pensamento E a vida lá fora É que nos dava a cor P'ra pintar o amor Que estava dentro” Track 13 – Sopram ventos adversos (Mayden voyage) Melopeia : "A atual ontologia dominante nega qualquer possibilidade de uma causa social da doença mental. A quimio-biologização da doença mental é, naturalmente, estritamente proporcional à sua despolitização. Considerar a doença mental um problema químico-biológico individual tem enormes benefícios para o capitalismo. Em primeiro lugar, reforça a tendência do capital para a individualização atomística (estamos doentes devido à química do nosso cérebro). Em segundo lugar, proporciona um mercado extremamente lucrativo no qual as empresas farmacêuticas multinacionais podem vender os seus produtos farmacêuticos (podemos curar-te com os nossos antidepressivos). Escusado será dizer que todas as doenças mentais são instanciadas neurologicamente, mas isso não diz nada sobre a sua causalidade. Se é verdade, por exemplo, que a depressão é constituída por baixos níveis de serotonina, o que ainda precisa de ser explicado é porque é que determinados indivíduos têm baixos níveis de serotonina. Isto requer uma explicação social e política; e a tarefa de repolitizar a doença mental é urgente se a esquerda quiser desafiar o realismo capitalista." - Mark Fisher, que se suicidou, morto pelo capitalismo “Sopram ventos adversos Junto à praia que se quis E há sentimentos dispersos Que são barcos submersos No mar do que se não diz [Instrumental] Nos mastros que vão quebrar Soltas velas de cambraia E é cada remo a tentar Menos um barco no mar Mais um cadáver na praia [Instrumental] O dia nunca alcançado Morre em todas as marés E é sempre dia acabado Junto ao sargaço espalhado De tudo o que se não fez [Instrumental] Sopram ventos adversos Junto à praia que se quis” Track 14 – Eu vi este povo a lutar (Confederação) Melopeia : "A ideologia capitalista em geral, sustenta Zizek, consiste precisamente na sobrevalorização da crença - no sentido de atitude subjetiva interior - em detrimento das crenças que exibimos e exteriorizamos no nosso comportamento. Enquanto acreditarmos (no nosso coração) que o capitalismo é mau, somos livres de continuar a participar na troca capitalista. De acordo com Zizek, o capitalismo em geral assenta nesta estrutura de negação. Acreditamos que o dinheiro é apenas um símbolo sem significado e sem valor intrínseco, mas agimos como se tivesse um valor sagrado. Além disso, este comportamento depende precisamente da negação prévia - só conseguimos fetichizar o dinheiro nas nossas ações porque já tomámos uma distância irónica em relação ao dinheiro nas nossas cabeças." A arte faz o anticapitalismo por nós, satisfaz o nosso desejo revolucionário de sermos boas pessoas, e portanto podemos continuar a consumir com impunidade OH DEUS ESTAMOS TÃO FODIDOS “Eu vi este povo a lutar Para a sua exploração acabar Sete rios de multidão Que levavam a História na mão Sobre as águas calmas um vulcão de fogo Toda a terra treme nas vozes deste povo Mesmo no silêncio sabemos cantar Povo por extenso é unidade popular Somos sete rios, rios de certeza Vamos lá cantando no fragor da correnteza Eu vi este povo a lutar Para a sua exploração acabar Sete rios de multidão Que levavam a História na mão [Instrumental] Eu vi este povo a lutar Para a sua exploração acabar Sete rios de multidão Que levavam a História na mão A fruta está podre, já não se remenda Só bem cozidinha no lume da contenda Nós queremos trabalho e casas decentes E carne do talho e pão para toda a gente Ai, meus ricos filhos, tantos nove meses Saem do meu ventre p'rá pança dos burgueses Eu vi este povo a lutar Para a sua exploração acabar Sete rios de multidão Que levavam a História na mão [Instrumental] Eu vi este povo a lutar Para a sua exploração acabar Sete rios de multidão Que levavam a História na mão Alça meu menino, vê se te arrebitas Que este peixe podre só é bom para os parasitas Só a nosso mando é que há liberdade Vamos lá lutando p’ra mudar a sociedade Bandeira vermelha, bem alevantada Ai, minha senhora, que linda desfilada Eu vi este povo a lutar Para a sua exploração acabar Sete rios de multidão Que levavam a História na mão [Instrumental] Eu vi este povo a lutar Para a sua exploração acabar Sete rios de multidão Que levavam a História na mão” Track 15 – Ser solidário Melopeia : Chegando ao final, é suposto haver uma conclusão que faça tudo fazer sentido, que nos dê a chave para a felicidade e para a revolução. Meus caros, meus amores, família, e camaradas, José Mário Branco, seu poeta extraordinário, apenas vos consigo dizer: aprendam mas é francês como o Zé. “La lutte elle-même vers les sommets suffit à remplir un cœur d'homme; il faut imaginer Sisyphe heureux. ” “Ser solidário assim p'ralém da vida Por dentro da distância percorrida Fazer de cada perda uma raiz E, improvavelmente, ser feliz De como aqui chegar não é mister Contar o que já sabe quem souber O estrume em que germina a ilusão Fecundará por certo esta canção Ser solidário, sim, por sobre a morte Que depois dela só o tempo é forte E a morte nunca o tempo a redime Mas sim o amor dos homens que se exprime De como aqui chegar não vale a pena Já que a moral da história é tão pequena Que nunca por vingança eu te daria No ventre das canções sabedoria [Instrumental] (Oh oh...) Ser solidário assim pr'além da vida Por dentro da distância percorrida Fazer de cada perda uma raiz E, improvavelmente, ser feliz” Track 16 – FMI Melopeia : Para mais informações, obtenha a Edição Física do Jur.nal, Núcleo Oficial dos Estudantes da Nova School of Law! Já nas bancas por apenas 1€! Compre já! A canção tem 20 minutos, Por favor não me obriguem a pôr a letra aqui. Oiçam-na!
- Mente-me, que eu gosto
Querido Xavier, Todas as mentiras têm um pingo de verdade. É isso que as torna tão perigosas: as mentiras nunca são totalmente mentira. Mas as tuas são diferentes, deixam um sabor doce na boca e não aquele trave amargo tão característico. Acho que é a maneira como quase me consegues enganar que me encanta, sempre que me olhas nos olhos e lanças as tuas palavras como flechas na minha direção. A tua pontaria não é perfeita, sejando sincera, nunca foste ótimo no tiro ao alvo, e muitas vezes falhas completamente o centro. Eu finjo que não noto, porque também não sou excecional neste jogo, embora seja de longe melhor do que tu. Por isso, proponho que continuemos a disparar tiros no escuro e contemos quem acerta mais vezes, quem perde primeiro: o certo é que sairemos aos buracos, sempre com algumas partes do outro e com menos partes de nós. E assim eu oiço-te, miro-te, concordo com o que dizes, finjo-me de surpresa. Riu um pouco, porque é a minha vez de dar espetáculo: é a minha vez de atuar nesta tragédia. E que belo papel que faço, uma performance impecável - afinal, a prática leva à perfeição. Talvez a minha verdadeira vocação fosse o teatro... E tu ouves-me, miras-me, concordas com o que digo, finges-te de surpreso. Ris-te um pouco. Vejo que também conheces bem a arte da sedução, além de gostares de mentir à descarada. E assim dançamos: um passo em frente, dois ao lado, agora eu dou uma volta. Uma pausa. Um sorriso. Um olhar. Talvez não seja tão mau assim, viver no conforto da incerteza. Observas-me e estudas-me por mais um momento, medes-me de cima a baixo, imitas o que eu faço como se fosses o meu reflexo num espelho. E eu faço o mesmo contigo: fico reduzida ao reflexo de um reflexo, algo que gostaria de ser e não sou. E depois falamos. Falamos muito, porque contigo as conversas são sempre longas e as noites demasiado curtas e quentes: o verão é a altura ideal para as conversas de café que não têm nada a acrescentar. Tu falas, pouco dizes. Felizmente para ti, eu tenho sempre tanto para contar. Gosto de pensar nisto como uma troca inocente de presentes, em que cada um dá o que pode oferecer. E, se um dia, durante o nosso cochichar, no meio deste câmbio de ideias e segredos, procurasses a minha sinceridade - se um dia eu quisesse ser sincera – dir-te-ia: lá no fundo, nos recônditos do meu coração, eu até gosto das tuas mentiras, porque sei que a tua verdade não será tão agradável aos meus ouvidos. E, se um dia, procurasse a tua sinceridade - algo que dificilmente ainda sabes usar - dir-me-ias que gostas daquelas que eu te conto, que te trazem conforto para a alma e alegria para o espírito. Por isso, acho que talvez não sejamos uma causa totalmente perdida, e só um caso extremamente difícil: uma dinâmica demasiado requintada para os olhos alheios do mundo compreenderem. Mas, e se formos? Bem, nesse caso, é como toda a gente diz: pelo menos, só se estraga uma casa. Ontem, sentados nos degraus à porta do meu prédio, sussurraste-me ao ouvido, enquanto eras invisível ao mundo e só o vento te conseguia ouvir: "Amo-te". As palavras enganam, mas os olhos não mentem. E eu ri-me, como sempre: "Aí, Xavier, mente-me. Mente-me, que eu gosto." Penélope.
- Qual é o fim último de ser?
Qual é o fim último de ser? O que nos amarra a um comportamento específico, a lutar por uma certa ambição, a combater os pensamentos e a atirarmo-nos de cabeça a um pensamento? Não é o desejo de ser, é o desejo de pertencer. De que resta saber tudo, ser mais educado, mais correto na forma de agir, se não temos ombro para chorar ao fim do dia, se não há ninguém que celebre connosco. O mundo não aplaude as diferenças, o mundo pressiona-nos a ser iguais, como uma marca, marca de telemóvel, tirar a carta aos 18 anos, média de 15, roupa impecável e de preferência não uses essas calças mais do que 3 vezes, à 4ª já vão notar que só te restam 6 pares no armário e não vai parecer suficiente. Para ti não é suficiente, porque comparas, ele é mais bem sucedido e aquele tipo de calças fica melhor a raparigas como ela. Não nos compreendemos, não queremos ver os outros, queremos ser iguais aos outros, de preferência um pouco melhores, para que sejam os outros agora, a querer ser um bocadinho melhores do que nós. Tem de ter impacto, é preciso que vejam que cheguei atrasado, estaria a dar demasiada importância ao momento se chegasse à hora exata, o que é que iam pensar? Que eu estava desesperada! Não, não devem ver-me, tenho de vender a minha imagem, estou serena e isto não me afeta. Não poderia afetar-me, é menor do que eu. Afinal, este é o meu mundo, eu defino as regras, as regras que os outros também definiram e que usamos para nos compararmos uns aos outros, que usamos uns contra os outros. Porque eu também me atraso, seria incapaz de vos acusar, se também eu fosse perfeita. Ou talvez o desejo que temos de todos sermos perfeitos, é o que nos leva a acusações. Qual é o fim último de ser? O que nos amarra a um comportamento específico, a lutar por uma certa ambição, a combater os pensamentos e a atirarmo-nos de cabeça a um pensamento? Não é o desejo de ser, é o desejo de pertencer.
- A JMJ e a máquina do tempo
Em Lisboa, de 1 a 6 de agosto, decorreram as Jornadas Mundiais da Juventude, das quais tive a alegria de participar. A cidade sofreu a infestação de milhares de jovens que ressignificaram as suas ruas, os seus pontos turísticos e o seu dia-a-dia. Convívios, espetáculos de dança, passeios, exposições e eventos de grande escala levaram com que jovens de polos opostos no mundo conhecessem uns aos outros, em encontros inesperados. Por outro lado, a meio de todo o barulho e da excessividade de pessoas por metro quadrado, parecia percorrer uma leve brisa, que procurava tocar o coração de todos os presentes. A felicidade genuína no rosto dos participantes combinava com o ressoar das palavras do Papa no sentido de ajudar cada um no seu encontro pessoal com Cristo, em um caminho de descoberta do seu verdadeiro Eu. Sei que estas palavras podem parecer estranhas, seguramente atemporais. Isto porque, nos dias de hoje, não é normal ser católico. É demasiado arriscado escapar das circunstâncias e tendências deste tempo, de uma sociedade cada vez mais volátil, das aparências, lobby de uma felicidade de supermercado, para aderir à beleza de um acontecimento que teve a sua origem há mais de 2.000 anos. Por que 1,5 milhão de pessoas se deslocariam a Lisboa para ouvir um homem idoso, rouco e de cadeira de rodas a falar? Por que se ajoelham perante um mero pedaço de pão? Só podem ser loucos. Atualmente, ser católico é ser louco, ser radical. Partindo desta mesma perspetiva, nota-se que o evento sofreu muitas críticas. Por que o Estado vai gastar tanto com as Jornadas? Para que gastar sequer? São perguntas válidas, razoáveis de serem feitas e discutidas, muito embora estudos apontem para um enorme retorno financeiro para o país, além da projeção internacional de Portugal como um país global e capaz de abrigar um evento de tão grande escala. Também se questionou dos mais de 4.800 abusos cometidos por sacerdotes em Portugal nos últimos 70 anos. Trata-se de atos praticados por seres abomináveis, que se revestem da Palavra de Deus para agir de uma forma que não poderia estar mais distante Desta. É dever de uma geração ativista fazer memória destes factos e cobrar uma postura mais ativa e “imperativa” da Igreja em relação ao assunto. Mas aonde será que está essa geração ativista? Creio que muitos dos críticos em relação ao evento não puderam acessar uma outra ótica, decerto menos popular. O Papa Francisco veio trazer palavras simples e progressistas, para todos os jovens que se julgam fazer parte de uma geração ativista. São palavras que, penso eu, mostram-se capazes de modificar a imagem da Igreja que há muito tempo perdura no imaginário popular: uma instituição velha, engessada, que não responde às questões do presente. Durante os 5 dias que passou em Portugal, o Santo Padre apontou à necessidade do combate às desigualdades sociais, especialmente no acesso ao ensino superior, à emergência de uma ecologia integral, denunciando uma produção industrial irresponsável e imediatista e à uma Igreja universal e acolhedora que aceita Todos (Todos, Todos). Não obstante, dsta multitude de problemas, veio realçar um ainda mais grave: o facto de que muitos de nós deixamos de ser jovens. Nos nossos núcleos de amizade, no estudo, em questões políticas, com a família, procuramos teimosamente por respostas a perguntas que nunca foram feitas; perguntas que surgem de qualquer lugarzinho medíocre que não do nosso coração. E nisto nos conformamos, lutando por sonhos artificiais. Passamos então a viver em contínua nostalgia, desejando um futuro que já é passado, ou ainda, um futuro irrealizável; raiz da profunda melancolia que nos assola. Seduzimo-nos pelos nossos confortáveis sofás, nos quais visualizamos o passar da nossa vida através de uma televisão. Assim, em um piscar de olhos, tornamo-nos velhos rabugentos, próximos do deletério fim da nossa vida. Para isso que o Papa alerta: “Preocupamo-nos antes quando estamos prontos a substituir a estrada a fazer por uma paragem em qualquer estação de serviço que nos dê a ilusão de conforto”1. Junto com todas as suas frases que estão a circular pela internet, surgem reflexões e ensinamentos acutilantes, diante das quais devemos procurar receber de braços abertos, ao invés de fechar os nossos ouvidos a qualquer afirmação que nos incomoda. Se nos incomoda é porque diz respeito a nós mesmos. Dilatando os meus ouvidos, percebi que está na hora de iniciarmos um caminho: largarmos os comandos que nos entregam um conforto pré-definido e deixarmos com que sejamos feridos pela Beleza da realidade, por tudo aquilo que é prenhe de significado. Neste percurso, pode haver percalços, tropeços e acidentes, mas o mais importante é nunca permanecermos caídos. Este é o nosso derradeiro destino: cansarmo-nos, cairmos, levantarmo-nos. Um constante recomeço, mas sempre fora do sofá. E que nunca esqueçamos dos outros, verdadeiros irmãos, já enrugados e cheios de problemas nos joelhos, que permanecem no sofá: precisamos de erguê-los, a fazer memória de que “o único momento em que é lícito olhar de cima para baixo uma pessoa é para ajudar a levantar-se”2. Assim, após um longo tempo sentado no sofá, apareceram na televisão da minha vida, no seguimento de um curto-circuito, o Papa Francisco e mais de um milhão de jovens, que em conjunto, vieram propor a realização de um caminho. Subitamente aprendi que trilhar esse caminho é a única máquina do tempo capaz de me fazer voltar a ser jovem. 1. Encontro com os jovens universitários 2. Vigília com os jovens
- ansiedade do ser e do estar
Coração, pára de bater. Peço-te. Imploro-te. Parece uma bomba-relógio. Tique-taque-tique-taque-tique-taque-tique-taque. Explodirás algum dia? O meu corpo não aguenta o barulho que fazes. Pim-pum-pim-pum. Queres gritar, abrir-me um buraco no peito, esventrar-me até às entranhas. O estômago faz o mesmo. Dói-me tudo. Posso abdicar de ter órgãos? Quero abdicar do ser e do estar, da burocracia de respirar, que por si só já se começa a revelar uma tarefa pesada. Não aguento, tenho a boca seca, tenho de beber água. Pego na garrafa, está vazia, foda-se. Tenho dentro de mim toda a maquinaria existente, trabalha vinte e quatro horas sem parar sem qualquer manutenção de tal maneira que Álvaro de Campos olharia para mim e exclamaria todas as onomatopeias que o seu vocabulário alguma vez poderia encontrar. Pulmões, tenho pulmões, tenho mais pulmões do que aqueles que se aprende em anatomia. Ou o raio que a parta. Ansiedade que vive dentro de mim como um feto que nunca nascerá, cala-te. Não aguento tal, mas tenho de escrever, escreve escreve escreve. Só um exorcismo resolveria isto. Mas provavelmente nem Satanás alguma vez viu alguma coisa assim. Tenho mensagens para receber, jantares para ir, planos para ir, matéria para estudar, sítios onde tenho de estar, não te atrases, vai, não vás, mas se não fores sentes-te mal. Ainda me dói o estômago. Quero ir à sanita vomitar os meus pesadelos, até querer continuar a vomitar mas não ter absolutamente nada empírico, físico, palpável no estômago. As horas passam, viras e reviras na cama, não vais adormecer, são duas da manhã e não vais adormecer e amanhã vais sobreviver à base da má vontade e do café e dormir é uma tarefa tão difícil porquê? É só fechar os olhos, fecha os olhos, não te mexas, pode ser que adormeças, mas já passou uma vida inteira e tu nem dormir consegues. Três quatro cinco da manhã, vírgulas para quê, se estás preso no teu próprio ser? Mas também não sou Saramago para ter a pretensiosidade de não usar vírgulas. De quem me fui lembrar. Se Saramago ainda caminhasse neste planeta, dir-lhe-ia que gostei do Ano da Morte, pedir-lhe-ia desculpa pela ignorância dos bonecos que nunca se deram ao trabalho de ler um dos seus livros, jurar-lhe-ia ler tudo o que ele escreveu até morrer. A psicóloga perguntou por aquilo que mais me incomoda. E eu respondi: a mim incomoda não ser omnipotente para poder fazer ler ver saber tudo. E ela esbugalhou os bonitos olhos verdes. Não ouvi o que disse a seguir. Mas sei que ela esbugalhou os bonitos olhos verdes, (mataria para ter nascido com eles), e suspirou. E eu, dentro da minha cabeça confusa, lembro-me de pensar que ela me mandou mentalmente à merda.
- Soneto da Cabra/Haiku do Cabrão
Soneto da Cabra Passei por Santos, Mamei uns betos, Quantos? Seiscentos. Deixei-os retos. Que seca Absoluta. Sou boneca, Mas sou – Os conservadores estão errados mas não podem estar completamente errados Eu não sinto nada por eles quando eles me sentem o corpo todo não quero ter mamas Quando me. Entram. Eu mal respiro a culpa é minha a culpa não dos meus namorados Quero atenção não quero amor quero amor não quero atenção quero mais do que camas Eu odeio estas noites hipnóticas. As mulheres são tão eróticas. Haiku do Cabrão Quero-a tanto. Como é ser um palco? Invejo-a tão.
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