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  • A realidade do Direito

    Chegada ao fim do primeiro ano do curso em que sempre quis ingressar, deparei-me com uma triste realidade: os estudantes estão a perder o seu idealismo, a sua esperança, a sua luz… Sejamos honestos, pelo menos aqui e hoje, eu serei; muitos de nós, como eu, entram neste curso pela sua paixão pela justiça, pelo seu sentimento de indignação perante as injustiças verificadas no mundo e porque querem melhorar isso; a certo ponto todos queremos, e acreditamos que podemos, mudar o mundo; queremos ser o próximo Nelson Mandela ou o próximo Harvey Milk, queremos ser a pessoa que não se resignou, aquela que lutou até ao fim e fez a diferença – todos queremos o nosso momento Brown vs. The Board of Education or Roe vs. Wade; queremos alterar a ordem vigente e atingir a igualdade. No entanto, entramos no edifício da “elite intelectual” e encontramos muita indiferença e muito elitismo e, no fundo, o que nos resta é um sentimento de impotência. Se calhar tudo com que sonhamos foi exatamente isso: apenas um sonho. Um idealismo infantil, um grito revolucionário dos anos da adolescência, que de nada serve contra o mundo burocrático e corporativo com que nos deparamos. Se calhar já ninguém quer discutir tudo o que ainda falta alcançar, mas sim quão monetariamente irrelevantes essas questões são; esse é o trabalho que não dá dinheiro, sem dinheiro não podemos viver, sem dinheiro de nada serve um curso universitário, sem dinheiro não temos nem podemos fazer nada; pois, sem direitos, os outros também não. Assim, após 10 meses do curso que eu achava que ia mudar a minha vida, ela, de facto, mudou; está agora emergida num mundo fútil de discussão sobre as melhores firmas, onde um estágio seria o jackpot académico, porque “só assim terás um bom salário” (não me tenham por hipócrita, eu também entendo que é assim que funciona), num mundo em que Direito da Família não diz respeito à necessidade de proteger as crianças, mas sim dos fundos exorbitantes que a resolução de um litígio de divórcio pode proporcionar, um mundo em que até o imposto progressivo é discutível, porque nem sempre é justo para quem tem mais dinheiro. Este mundo engoliu-me, como engole a muitos, e é triste passar a ver vidas como cifrões e, mesmo que seja apenas por um segundo mínimo antes da racionalidade nos atingir, não o podemos negar. Somos sugados pela ganância e perdidos no meio dela, vemos como toda a justiça funciona e não piamos, pois sabemos que, só por aqui estarmos, estamos num ponto de privilégio. Mas temos que subir à superfície e lembrarmo-nos que é por estarmos nesta posição que podemos e devemos piar; é esta posição que faz as nossas vozes valerem algo; mesmo que pareçam mínimas no meio de todas as outras e completamente insignificantes perante a doutrina (muito unilateral) que nos absorve, é sempre superior à de quem está de fora. É por vermos, por dentro, como isto tudo funciona que podemos agir, que sabemos como agir. Não percamos o idealismo que ainda vibra dentro de nós, não nos resignemos, não apaguemos aquela chama que se acende sempre que vemos a justiça vencer. Por muito que pareça que este lado leva apenas a um voto de pobreza, pois não é o alvo das grandes firmas, há tantas coisas que é possível fazer, há tantos lados por onde começar e há tanto a exercer. O mundo tem inúmeras vertentes e nenhuma delas está minimamente aperfeiçoada, há, sem dúvida, algo para todos os gostos, mas só há um caminho possível: o da evolução conjunta em sociedade e esta só evolui se for melhor para todos. Não existe evolução unilateral, não existe evolução de 20% com o detrimento das condições dos outros 80%, não existe evolução se a maioria continua estagnada, ou, pelo menos, não deveria existir. Não digo que devemos todos viver mal para não existirem injustiças e desigualdades, digo exatamente o oposto, que devemos trabalhar para que todos possam viver um pouco melhor; as injustiças estão cá, não vale a pena negá-las, nem as glorificar. Sim, certas pessoas trabalharam muito para viver mais confortavelmente, isso está tudo certo e não podem de forma nenhuma ser prejudicadas pelo seu esforço, mas tem que existir um outro esforço para garantir que todos conseguem atingir esse patamar. A ideia base não é impedir ninguém de chegar a certo patamar, mas sim trabalhar para que todos tenham oportunidade de lá chegar. Nós não podemos determinar quem ganha a lotaria natural ou social, mas podemos lutar para que todos consigam comprar o bilhete. Por isso, sim, o mundo do direito mostrou-me uma realidade um pouco infeliz, com indiferença e ganância, mas também me mostrou o que eu sempre senti: que, independentemente do funcionamento atual desta área, os problemas continuam aqui, cada vez mais sentidos e cada vez mais reportados até, e continuam a ter que ser combatidos e nós temos as ferramentas para o fazer. Daqui a uns anos, nós seremos a linha da frente da justiça (e talvez da Política, considerando a quantidade de juristas no Governo e no Parlamento) e nós escolhemos em que direção a pretendemos levar. Não é altura de perder a esperança, mesmo que seja difícil com tudo o que vemos a acontecer nos bastidores, é altura de erguer as nossas vozes num grito conjunto e perceber que, mesmo que seja navegar contra a corrente, queremos fazer algo que nos orgulhe. Queremos ser a geração de juristas que não se conformou com o elitismo da área e que não cruzou os braços, a que “saiu à rua” quando era necessário, e combateu um mundo que só funciona para alguns. Enfim, acho que o que quero realmente dizer é que nunca devem perder o vosso idealismo, é o que vos faz mexer, é o que vos faz acordar de manhã e aguentar mais uma época de exame e é, essencialmente, o que vos fará mudar o mundo…. Gozamos diariamente com o slogan da nossa faculdade “Sê um agente da mudança”, mas não é mentira, nós temos a capacidade para o ser nos nossos moldes. Nós temos, e teremos ainda mais, o poder para tomar as decisões que alteram a ordem vigente, se assistirmos às grandes ruturas positivas (a meu ver) que decorreram ao longo da História, elas foram executadas por juristas (ou juristas de alma), estas consolidações ocorreram em tribunais ou em parlamentos, depois de serem reivindicadas nas ruas, claro. Nós temos sim o poder para mudar o mundo e temos o conhecimento para o fazer, por isso, não deixemos todo este conhecimento ser desperdiçado em disputas fúteis ou injustas, e apliquemo-lo à mudança que queremos ver no mundo. O futuro é já amanhã e todos os dias há algo que pode ser feito; atualmente o nosso papel é estudar, o que já de si é um grande privilégio, para que futuramente consigamos usar tudo isto para atingir avanços nas condições sociais globais, para que mais ninguém tenha que desistir dos seus próprios sonhos e para que mais ninguém se sinta inferior num mundo em que somos todos iguais.

  • Casa

    Eu tive de arruinar umas quantas casas para perceber que nunca tive outra senão aquela que trago dentro de mim; sujei demasiados lençóis com as minhas botas poeirentas e o meu coração sangrento até perceber que a tragédia de viver é uma ferida que se estanca com as próprias mãos. Ajudei a abrir demasiados armários até ter percebido que a solicitude pelo Outro é apenas medo do Eu quando temos demasiados esqueletos a apodrecer no nosso próprio guarda-fatos. Mas hoje descanso em paz; para o bem e para o mal, enterrei todos os meus ossos. Hoje a casa em que entro é minha e de mais ninguém, e durmo à noite descalço e de peito aberto, agarrado à minha loucura nua. Hoje o cortinado paira despreocupado ao sabor da aragem quente de verão, e debruço-me sobre todas as minhas janelas sem pensar nas cobras debaixo do parapeito; hoje o céu do fim de dia caiado de amplidão já não cai sobre mim onerosamente como um remorso irredimível, mas antes se coa lenientemente por meu corpo adentro, como os fios de música que os dedos de minha mãe derramavam quando me amparavam no escuro — o mal das pessoas foi sempre não ter aprendido a ouvir a melodia que todos os dedos têm. Hoje, ao anoitecer, já não fujo dos cantos de todas as minhas paredes com medo das sombras que eles possam guardar em si. Hoje já não tenho de fugir pela janela quando me batem à porta – porque hoje já não tenho visitas. Afinal, que valor têm elas quando para as receber um homem tem de esconder toda a mobília que tem e deixar a casa vazia e puída como a delas? Esta madeira aqui está podre, aquele quadro não combina com as cores da sala, as janelas são demasiado pequenas, o chão é demasiado frio e áspero, as divisões estão todas desarrumadas. Pois que hei eu de fazer, porra? Arrombam-me a porta (fui eu que deixei a chave debaixo do vaso ao pé da entrada), irrompem-me por casa adentro (fui eu que os convidei a entrar), esquadrinham-me e criticam-me os quatro cantos de todas as divisões (fui eu que lhes deixei ver tudo), e depois disto tudo ainda têm o descaramento de acabar o dia a lanchar na minha cozinha aos risos e às gargalhadas (fui eu que sugeri). Este recuerdo aqui é feio, Obrigado, comprei-o a pensar na melodia dos dedos, Na quê? Deixa estar, És estranho, Ainda nem viste o sótão. Talvez arranje um cão; preciso de alguém com quem falar, mas as pessoas vêm atreladas a palavras. Palavras e o raio dos juízos de valor. Palavras vazias, que se espalham pela minha casa e me mancham tudo, me fazem sentir um sem-abrigo e me desterram do único lar em que fui feliz; juízos que me invalidam a casa e a veem como um antro. Não fales, caramba. Faz da minha casa museu – entra, entra mas não fales. Vai passando pelos artefactos que tenho aqui dentro, e finge perceber o seu significado; abana imbecilmente a cabeça em cega afirmação e concórdia com o que encontrares, faz de conta que entendes tudo, que entendes o sangue nas paredes e as folhas todas espalhadas pelo chão, que entendes os montes de cinzas no quarto e as máscaras todas empilhadas na mesa. Faz de conta que me conheces. Julga, mas em silêncio. Julga, mas conservando sempre na tua mente a dúvida de saber se estás a julgar corretamente ou não, por não teres a certeza do significado das coisas que estás a ver. Epá não entendo nada deste quadr… não fales alto, arre, estamos num museu – não entendes o problema é teu; finge que entendeste e continua a andar. Sim, um cão, é mesmo isso, decerto que ele me compreenderia; a solidão sempre foi uma questão de incompreensão – sempre foi uma questão de falar em duas línguas diferentes. O cão ao menos só tem uma. Babosa e salivante; lambedora. A verdade é que tentei durante demasiado tempo imitar as casas arrumadas dos outros até ter percebido que a casa de uma pessoa é demasiado íntima para passarmos uma vida inteira a dispô-la da maneira que nos pedem. Estou desamparadamente só. Talvez seja esse o preço a pagar para se viver na própria casa. Então, vamos aí quando? amanhã? Sim, sim, podem vir amanhã, O quê? não te consigo perceber, estás a falar estrangeiro, Ah, desculpa, sim, venham amanhã – mas ficamos todos no quintal.

  • A perigosa dança do bom Homem

    Lá está ele, dentro da festa, dançando intensamente. Trata-se de um movimento estranho àquele comum, que é pouco elaborado, seguro e estável, apreciado pelos leigos. É um devir dinâmico e fluido. A sincronia do indivíduo com a música pode não ser perfeita, mas nota-se o esforço, a dedicação para cumprir o grande desiderato naquele momento, a satisfação incondicional. De repente, o evento torna-se um show para o qual ninguém pagou ingresso. A cor da cerveja na mão direita parece mais reluzente e o cigarro à mão esquerda, ui, delicioso! Outro ponto interessante a se notar é o sorriso. Não é aquele tímido e resguardado e nem aquele totalmente aberto, para mostrar todos os dentes. É trêmulo, cansado e incerto do que quer ser, isto é, incongruente com o sentimento externalizado pelo indivíduo; O que seria surpreendentemente inadequado, certo? Por que estar a hesitar neste aspeto se já se entregou a todas as tentações, oportunidades e prazeres momentâneos? O sorriso é, na verdade, uma última fagulha da interioridade humana a tentar encandecer a distorção que sofre, a procurar cessar este estado ilusório ao qual o indivíduo se submeteu. O homem, agora, aparenta ser e aparenta estar, apenas isso! Contudo, esta forma de conduta não surge inconscientemente, ou por uma força maior, não é algo tão reducionista como um fundamentalista religioso poderia dizer que são “as forças do Diabo agindo sobre jovens transviados”. Na verdade, a situação é apenas o ato final de uma obra de ficção construída tanto pelo equivocado entendimento de que deve haver uma resposta firme e imediata face às incertezas, inseguranças e preocupações provenientes da árdua e tortuosa rotina humana quanto pela perigosa distorção do que deve ser a prossecução da felicidade e a busca incondicional pelo famigerado “viver intensamente cada momento”. Portanto, o grand finale é o completo desvirtuamento e a brusca transformação de valores, como a ponderação, a felicidade, a apreciação da beleza humana e às vezes, a sexualidade; em sentimentos puramente físicos e esvaziados de sentido conduzidos em horas noturnas, que tentam imprimir a inquietação perante estes valores nas ofertas e tentações abundantes no mundo terreno, tais como rebuscados e atraentes objetos, substâncias, ou, até mesmo, indivíduos, que se submeteram à mesma distorção. Ademais, é fator preocupante que estas distorções não são apenas casos isolados ou esporádicos, mas elementos que afetam uma crescente abundância de indivíduos facilmente identificáveis. Cada vez mais são vistas aquelas “comuns personalidades”, caracterizadas pela estranha dança e pelo duvidoso sorriso, regurgitadas na mesma ilusão. Ainda por cima, esta experiência, por ser “fácil” e sedutora, é vendida pelos seus participantes como o antídoto para as vicissitudes da vida e a pílula da felicidade, no intuito de atrair mais pessoas para participarem nesta grande ilusão coletiva. Então, a festa, para alguns, torna-se um evento quase místico, um porto seguro para os que vêm de um tortuoso caminho e um momento apoteótico capaz de sanar abruptamente a necessidade de felicidade do Ser Humano . No tocante ao aspeto da docilização do Homem, que se acostuma com a subversão do mundo à sua volta, vale trazer Fiódor Dostoiévski, que o trata, mesmo em uma situação distinta, na sua fantástica obra “Crime e Castigo”: ‘’Que poço, contudo, souberam abrir, e usufruem! Usufruem mesmo! Acostumaram-se. Primeiro choraram, e depois se acostumaram. O vil homenzinho se acostuma a qualquer coisa!’’ Todavia, por outra perspetiva, a dose de realismo necessária para este desorientado “vil homenzinho” só poderá decorrer de forma eficiente se perpassar pelo próprio. Em um certo ponto, cansado de tamanho esforço empreendido e encarcerado pela manipulação sentimental a que se submeteu, finalmente, para e vai à casa. É nesta localidade, o seu verdadeiro porto seguro, em que vai render-se à calmaria e começar a recapitular, agora em um novo estado de espírito, o turbilhão em que investiu, bem como o seu real significado, chegando, em última instância, à mera desilusão. Afinal, quem nunca se cingiu à profunda reflexão após uma experiência de extremo regozijo e indagou-se sobre o seu real significado, isto é, o que se aproveitou e o que foi efémero, ou melhor, o que se construiu e o que se destruiu? Após a repentina deceção tomada como resposta que, contudo, se encontra a esperança para uma mudança de atitude: permitiu-lhe lembrar, em meio àquela espetaculosa forma de agir, daquele hesitante sorriso, poderosa reminiscência simbolizante da essência do Ser Humano, que é capaz de se abstrair das atraentes ilusões, e de, em um passo não-trivial, erguer-se ao Mundo de forma consciente, sem deixar nada de lado*. Portanto, agarra-te ao sorriso. Rebobina os teus momentos, vai ao início e recomeça! Ainda há tempo. *Para um maior aprofundamento, ler “O Senso Religioso” de Luigi Giussani, uma abrangente interpretação do Homem.

  • A urgência de fazer Reformas

    Portugal é um país estagnado há 20 anos, algo que se tem acentuado com a ausência de reformas estruturais, que mantém o país, como é comumente dito, na “cepa torta”, isto tudo, apesar de ter recebido um grande volume de fundos europeus, que poderiam ter proporcionado oportunidades únicas e flagrantes, se corretamente aplicados; fundos que poderiam ter sido um instrumento indispensável na melhoria das condições de vida dos portugueses. Nesta conformidade, em que o vigésimo terceiro governo constitucional de maioria absoluta está em exercício, Portugal irá receber com o Plano de Recuperação e Resiliência e com o programa Portugal 20-30 o maior pacote de fundos da sua história, que prevejo que, infelizmente, serão, uma vez mais, desperdiçados com políticas erradas. Com uma economia endividada, em que a dívida pública em percentagem do PIB atingiu os 135,2% em 2020 e os 127,5% em 2021, segundo o relatório do Banco de Portugal, o nosso país tem que mudar estruturalmente para conseguir assegurar um futuro aos seus jovens. Deste modo, as prioridades dessas reformas deverão ser claras e centrar-se nos eixos fundamentais e estratégicos da governação, designadamente a saúde, a educação e a fiscalidade. No que diz respeito à saúde, temos, neste momento, um Serviço Nacional de Saúde fulcral para assegurar um acesso igualitário e generalizado à saúde enquanto direito constitucionalmente consignado, o que na prática não acontece. O SNS deve ser reformado, de modo a utilizar toda a capacidade de saúde instalada no país. Um utente que necessite de recorrer a cuidados de saúde não está preocupado se o prestador é privado ou público, mas se o seu problema de saúde é resolvido a tempo e horas e com qualidade de atendimento. Devemos e podemos reformar a saúde, inspirando-nos no que por essa Europa fora é bem feito e produz excelentes resultados, procurando implementar um modelo e um sistema nacional de saúde que não viva com amarras e preconceito ideológico, mas que se centre nos problemas do utente. As pessoas com menos rendimentos, a que o SNS diz acudir, não têm efetivamente um acesso à saúde, mas um acesso a intermináveis listas de espera, muitas morrendo sem terem sido atendidas. Este modelo de saúde vigente em Portugal agudiza o nível de desigualdade ao invés de promover o acesso universal a cuidados de saúde, independentemente da natureza do prestador. A reforma estrutural que, na minha opinião, tem de ser feita é criar um sistema nacional de saúde, que conjugue o setor público e o setor privado utilizando de forma eficiente as verbas orçamentalmente canalizadas para a saúde e criando carreiras mais atrativas para os profissionais de saúde, de modo a fixar o capital humano altamente qualificado. No que concerne à educação, a velha e sensata máxima “um país dois sistemas” nunca fez tanto sentido. O sistema de educação em Portugal penaliza os mais pobres que, por não terem posses, não podem escolher livremente a escola que querem para os seus filhos. O Estado enquanto representante de cada um dos portugueses tem de garantir, zelar e financiar a escola que os pais querem para os seus filhos nomeadamente a escola privada, se assim for a sua escolha. Ao nível do ensino superior, os políticos afirmam vezes sem conta que esta é “a geração mais qualificada e preparada de sempre”, mas também é a geração que mais emigra. Devemos então perguntar-nos a razão pela qual isto sucede. Os motivos são de clara compreensão, uma vez que o país não apresenta perspetivas para que esses jovens consigam subir na vida a trabalhar. A fiscalidade é outro critério fundamental para a compreensão da estagnação portuguesa de duas décadas e para a crescente emigração de jovens altamente qualificados para outros países europeus. Segundo o relatório Taxing Wages 2022 da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) Portugal registou uma carga fiscal de 41,8% em 2021, o que torna impossível subir na vida a trabalhar. Neste sentido, concentremo-nos no nível de impostos diretos, ou seja, aqueles que incidem sobre o rendimento e património pagos pelos portugueses, começando pelo IRS. O IRS (imposto sobre os rendimentos singulares) pago por todos os contribuintes penaliza o mérito, o esforço e a capacidade árdua de trabalho, na medida em que qualquer aumento salarial que a empresa faça ao trabalhador é absorvido pelas taxas marginais de IRS, condenando o trabalhador a receber uma ínfima parte desse aumento na sua remuneração. Portugal é dos países da União Europeia que mais escalões de IRS tem; neste momento, são sete, mas pondera-se aumentar para nove, o que não permite à classe média almejar ganhar mais, visto que qualquer aumento salarial faz o trabalhador subir de escalão e pagar maior taxa de imposto, que é progressivo. A reforma fiscal tem de reformar o IRS reduzindo o seu número de escalões, reduzindo as taxas marginais de imposto e reduzindo as taxas sobre todos os contribuintes. A reforma fiscal em Portugal tem também de passar pela reforma do IRC (Imposto sobre os Rendimentos Coletivos) que as empresas pagam, uma vez que as elevadas taxas de imposto criam fatores de não atratividade da nossa economia face a outros concorrentes europeus. A Irlanda, que sofreu com a crise das dívidas soberanas como a economia portuguesa, tem apenas uma taxa de IRC de 12,5% o que atraiu o investimento de grandes multinacionais e transnacionais no seu território, aumentando a criação de riqueza e, por conseguinte, as condições de vida dos irlandeses. Portugal tem de criar uma taxa mínima de IRC, de modo a criar fatores de atratividade à sua economia para que deixe de ser um país estagnado e sem perspetivas e comece a ser um país em rota de convergência com a União Europeia. O salário também é preocupante, dado que a aproximação entre o salário mínimo e o salário médio causará consequências pejorativas para a economia portuguesa. O salário mínimo é uma remuneração fixada administrativamente pelo Estado não dependendo das condições da economia; este tem crescido substancial e significativamente nos últimos anos, aproximando-se perigosamente do salário médio, uma remuneração que depende das condições da economia e dos empresários. Consequentemente, os salários são nivelados por baixo mantendo-se um paradigma de baixos salários. Assim, tem de se apoiar verdadeiramente os empresários porque são eles que criam emprego e que, através do seu esforço e capacidade de resiliência, fazem crescer a economia; só baixando os impostos é possível fomentar um crescimento económico sólido. Concluindo, na minha opinião, se estas reformas estruturais na saúde, na educação e na fiscalidade forem feitas, Portugal sairá da estagnação em que tem vivido e convergirá com os seus parceiros europeus, concretizando um crescimento económico sustentado. Por fim, deixo o meu apelo aos decisores e responsáveis políticos, de forma transversal, para que tenham a coragem de fazer as reformas estruturais de que Portugal precisa para ser um país atrativo, com melhores condições e perspetivas para todos. Sou apenas um jovem de 19 anos preocupado com o futuro do seu país e que, acima de tudo, nunca deixará de acreditar e nunca desistirá do sonho de transformar Portugal num país melhor para todos.

  • Tela em branco

    Ouve-se o tilintar dos talheres e o burburinho de conversas secretas. O jantar está quase no fim e eu levo o copo à boca e bebo o vinho. Não percebo nada de vinhos, o que provei é doce e isso chega-me. O namorado da Mafalda e o Afonso, amigo do Rodrigo e meu suposto pretendente, estão a falar de comunismo há uns bons minutos. “Acho estúpido, nesse mundo, eu ganhar o mesmo que uma empregada de limpeza!”, diz o Afonso, mexendo as mãos, energeticamente, como se estivesse numa palestra. O Rodrigo concorda com ele e diz: “Cuidado, não vás dizer isso publicamente, ainda és chamado de classista.” Eu acabo o que tenho no prato e tranco os talheres. O Afonso ri-se do que o Rodrigo disse e exclama: “Vivemos numa sociedade de “ofendidinhos”! Já não posso dizer a minha opinião sem ser chamado de algum adjetivo que tenha um sentido pejorativo!” Antes que a conversa se aprofundasse pelo tema da liberdade de expressão, decidi intervir. “Bem, se vivesses numa sociedade comunista não ias ganhar, necessariamente, o mesmo que uma empregada de limpeza. Se não existe dinheiro, não há salário para ganhar. Não há grande sentido no que estão a dizer.” Normalmente, penso que ficar calada e fazer uma cara de desaprovação, sem argumentar me faz parecer mais inteligente e misteriosa. Assim, consigo transmitir a minha desaprovação, mas isolo-me do criticismo que essa desaprovação poderá causar, porque não a explico. Hoje, já tinha bebido a minha porção de vinho e sentia-me corajosa. O Afonso ri-se do que eu digo, espeta o peito para a frente e responde-me: “Não sei o que andaste a ler, mas comunismo significa igualdade, logo, eu ganharia monetariamente o mesmo que toda a gente.” Antes de poder dizer que se o Afonso soubesse o que eu andei a ler, talvez não estivesse a dizer disparates, a Mafalda interrompe-me: “O assunto está a ficar pesado, não? E que tal mudarmos o rumo da conversa.” Ela faz-me um olhar sugestivo, que se podia traduzir em: “Organizei este jantar para encontrares um rapaz que possa gostar de ti, mas aparentemente não gostas de nenhum. É suposto dares gargalhadas quando ele diz piadas, concordares com as posições políticas dele e se discordares, tens que fazê-lo de forma suave, não evasiva, porque se não vais parecer uma cabra. E se continuares com isto, é isso que vais parecer.” Calo-me e molho os lábios no vinho. Não queria acabar de beber o que tinha no copo, porque assim já não tinha um gesto para preencher momentos constrangedores. A mesa fica, momentaneamente, calada. O Rodrigo serve mais vinho à namorada e o Afonso olha para o relógio, fingindo que está a ver as horas. A Mafalda decide acabar com o silêncio desconfortável: “Afonso, sabias que a Catarina trabalha numa galeria?” Ele para de olhar para o relógio e em vez disso olha para mim, levando as mãos à barba. “A sério? O que fazes lá?” Sento-me mais direita e começo a bater com o pé no chão. “Faço visitas guiadas.” Ele boceja e diz: “Ah, estou a ver. Não pintas, não?” Antes de poder abrir a boca para falar, a Mafalda decide falar por mim: “Pinta, sim! Tem muito jeito!” Na faculdade, eu e a Mafalda vivíamos juntas e ela costumava dar-me ideias para quadros, porque eu odiava todas as que tinha. No fundo, sabia que era apenas uma maneira de não ser vulnerável em relação ao que pintava. Transferir a responsabilidade criativa do que fazia para outra pessoa, para que, no caso de criticarem o meu trabalho, eu poder ter mais alguém para culpar sem ser eu e me sentir melhor comigo mesma. Um dia, ela sugeriu que fizesse um quadro só com as cores da roupa que ela tinha trazido naquele dia. Foi o quadro mais colorido que já pintei e ela colocou-o no quarto dela. Chamámos-lhe: “O que é que diz a tua alma? A da Mafalda diz isto”. Todos os amigos que nos visitavam iam pelo título mais curto: “Cores da alma da Mafalda”. A pintura era o centro da festa e originava conversas interessantes quando todos estavam demasiado embriagados. Agora, a Mafalda tem mais com o que se preocupar, nomeadamente, a yoga de sábado. De momento, tudo o que faço, contra a minha vontade, vem tudo da minha cabeça e, logicamente, deixa-me numa pilha de nervos. “Algum quadro teu já foi exposto?”, pergunta o Rodrigo, interrompendo os meus pensamentos. “Infelizmente, não. A Catarina é muito tímida em relação àquilo que faz. Não se importa de mostrar aos amigos mais próximos, mas mostrar ao resto do mundo é, definitivamente, uma linha vermelha.” A Mafalda responde, novamente, por mim, dando-me um encontro no ombro. O Afonso faz uma cara de interesse, genuíno, desta vez. “É, o que ela disse.”, comento, com um ar notoriamente irritado, e levo o copo de vinho novamente aos meus lábios. “Mas, porquê? Achas que ninguém vai gostar?”, pergunta o Afonso, com a cabeça apoiada na mão. A Mafalda vai falar por mim, mas consigo-me antecipar: “Bem, sim, mais ou menos. Às vezes, sinto que como só mostro os quadros às pessoas com as quais sou próxima, elas são obrigadas a gostar deles. Não sei se estou a fazer sentido.” Passo a mão pelo cabelo e o Afonso pede-me para explicar melhor. “Como me conhecem e gostam de mim, então, vão gostar do que pinto, porque aquilo é algo meu, como se fossem as coisas em que acredito ou a forma como falo.” O Afonso acena com a cabeça para mostrar que entendeu e pergunta: “Então, achas que estranhos não iam gostar do que fazes?”. Olho para um casal idoso que está ao nosso lado a jantar e respondo: “Não exatamente. Acho que seria mais difícil para eles gostarem das pinturas.” “Porque tinham que te amar primeiro, é isso?”. “Sim.”, admito, desviando os olhos da mesa ao lado e olhando para ele. “Interessante. E tu? Gostas do que pintas?”, questiona-me. Trago a mão direita à boca e começo a roer as unhas. “É um amor muito tóxico e, relativamente, temporário.” Eles riem-se e continuo: “O meu trabalho durar assusta-me. Quando acabo de pintar um quadro gosto dele. Quando pinto o segundo, apetece-me deitar o primeiro em chamas.” A Mafalda pede a conta. “Como se cada uma das pinturas representasse uma Catarina. Como já construíste uma nova, queres acabar com a primeira, porque, simplesmente, já te cansaste dela.”, reflete o Rodrigo, acabando o seu copo de vinho. Sorrio e abano a cabeça afirmativamente. O Afonso faz uma cara confusa, juntando as sobrancelhas e levando as mãos à cabeça como se fosse um miúdo do terceiro ano a tentar resolver um problema matemático com maçãs e bananas. “Não consigo perceber essa ideia. A maior parte dos artistas não cria algo para durar? Porque quer que o seu trabalho seja infinito? Imortal? Porque quer, de certa forma, ultrapassar aquilo que é a condição humana, ultrapassar a morte?” “Talvez.”, desta vez levo o copo aos lábios e bebo mesmo o vinho todo. “Nunca funcionou dessa forma comigo. Ter partes de mim a circular por aí assusta-me. A coisa que mais quero é que o que faço seja efémero.” O Afonso sorri e diz-me: “Queres coisas impossíveis! Se queres que tudo seja efémero, vais acabar por não fazer nada no final!”, retribuo-lhe o sorriso e digo: “Sim, parece que sim.” Pagamos a conta e saímos do restaurante. Sinto o vento frio a bater-me na cara. O Afonso dá-me o número dele e diz-me que adorava destruir um quadro meu comigo. Despede-se da Mafalda e do Rodrigo. A Mafalda tenta convencer-me a ir a uma aula de yoga com ela, enquanto caminhamos em direção aos nossos carros. Dizemos adeus e quando olho para o espelho do carro vejo que tenho as bochechas muito vermelhas. A casa está desarrumada e suja, vou à cozinha e sirvo-me um copo de água. Entro no quarto, chuto para o lado um par de ténis que estavam no chão e tento chegar ao canto do quarto onde estão as telas. Pego nas tintas e coloco a pintura que fiz ontem, novamente, no cavalete. Suspiro e os cabelos da franja mexem-se. Mergulho o pincel grande na tinta e pinto a tela de branco.

  • Fenomenologia

    O que é a dignidade das palavras senão o seu canto afinado à dissonância do correto? E o significado? Dança polissilábica, transmutação pedalada por cada necessidade? Ou verdade absoluta, filha única? Não neste reino melodioso onde se cantam desejos e por eles, espelhos, vê-se o esboço do que é, pode ser e/ou será, o olho humano engravidando a verdade múltiplas vezes gerando crias, cada uma nova algumas mortas, outras vivas e cada delas uma canção por si harmoniosa, mas em junção formam a dissonância perfeita do nosso legado, intervalado na inexatidão exata.

  • Banco de Jardim

    Estou a ir para casa, a calçada está molhada e escorregadia, venho de uma festa de aniversário, estou de mau humor e a ficar doente. Em parte, deve-se ao facto de ter contado mal os dias de lavar o cabelo e de o ter lavado duas vezes seguidas, o que não estava de todo nos planos. Saí de casa à pressa para ir para a festa e esqueci-me de metade das coisas que estavam na minha lista mental, intitulada de “coisas que tenho que pôr na mala para os anos da Rita”, título longo, eu sei. O meu cabelo ainda estava húmido, porque não tive tempo de o secar quando saí de casa. Olho para o telemóvel e deparo-me com uma chamada não atendida, decido ligar de volta. “Estou? Ligaste?”. Digo, como se já não soubesse que, de facto, a Mafalda me tinha ligado. “Sim, sim. Não pude ir aos anos da Rita e por isso não te cheguei a ver, fiquei mesmo triste! Diz-me como estás, não ouço de ti há anos!”. A Mafalda é minha amiga desde o secundário, gosta de pintar cada unha de uma cor diferente; a sua música preferida é o “Waterloo” dos Abba, porque a fez perceber a matéria de história; quando vê vídeos de bebés a dormir chora e quando se ri parece que se está a engasgar. O Rodrigo é o namorado da Mafalda, joga rugby e ri-se de tudo o que ela diz. Quando nos conhecemos, tentou explicar-me o porquê de eu dever investir na sua empresa, acha que pagamos impostos a mais em Portugal e é estoico, não morro de amores por ele. “Estou bem, atarefada com o trabalho e tudo, por isso é que não tenho tido grande tempo para falar contigo.” Isto é, obviamente, mentira. Passo demasiado tempo a comer gelado de chocolate barato do supermercado e a ver maratonas de reality shows, que sei que me comem o cérebro. “Devias descansar mais, só trabalhas! Andas sempre tão stressada! No outro dia, li uma coisa que dizia que por cada minuto que ficas ansiosa, perdes um de sono”. A Mafalda “pós-conhecer o Rodrigo” faz yoga e lê coisas destas na internet. “Sim, tens razão. Mas não é como se a minha vida fosse um remoinho, não há bebés a nascer, nem casas para comprar”. Ela assegura-me que no futuro vai haver, pensando que me está a tranquilizar, como se ter bebés ou comprar casas fossem requisitos para uma vida feliz ou, digamos, verdadeiramente adulta. A Mafalda começa a falar de uma vela nova que comprou e de um amigo do Rodrigo que eu devia conhecer. Fico distraída durante cinco minutos com uma conversa entre duas mulheres, que julgo serem mãe e filha, que está a acontecer atrás de mim no passeio. “Então que dizes?”, pergunta-me, ansiosa. Não sei qual foi a proposta, mas respondo: “Sim, não sei- “. Ouço vozes do outro lado da chamada e a Mafalda interrompe-me: “Desculpa, não te queria estar a despachar, é que o Rodrigo acabou de chegar a casa e temos que começar a preparar as coisas para a festa dele amanhã. Tão perto da Rita, já viste? Que parvoíce! Esqueci-me de te convidar! Depois mando-te os detalhes!”. “Tudo bem, depois confirmo contigo, beijinhos!”. Já vou a meio do caminho para casa, mas sinto-me tonta e decido sentar-me num banco de jardim. Tenho as bochechas coradas e estou a ferver. Olho para os meus pés e vejo as botas que a Mafalda me deu nos anos, rosa-choque. Quando me deu o embrulho, disse-me: “Acho que são mesmo a tua cara!”. Não eram, eram muito pirosas, mas foram prenda dela e uso-as regularmente. Nunca tivemos uma discussão, apesar dos estereótipos que as amizades entre mulheres carregam – “Mulheres são muito problemáticas, ai, o drama todo que existe na amizade feminina! Só discutem e armam confusão.” Que treta! Se existem confusões é porque nos importamos muito umas com as outras. Somos verdadeiras confidentes, apanhamos o cabelo umas das outras quando a noite foi longa e o álcool demasiado. Compreendemo-nos mutuamente quando sujamos a roupa de sangue menstrual ou quando não somos levadas a sério quando estamos a discutir com homens. Um dia, eu e a Mafalda fomos a uma festa. Eu quis ir à casa de banho e ela foi comigo, porque é assim que as raparigas fazem. Estava uma confusão lá dentro e muitas pessoas a falarem ao mesmo tempo. Perguntámos a uma rapariga o que se passava e ela disse “Estamos a dar conselhos à Joana sobre o que fazer em relação ao ex-namorado dela”, perguntei quem era a Joana e ela disse-me: “Não faço ideia, acabei de a conhecer”. Mas não importava saber quem era a Joana, o que importava era que alguém estava a ter problemas com o ex-namorado e estava na casa de banho de uma festa, a chorar. Fomos informadas, pormenorizadamente, da situação e tentámos aconselhá-la o melhor que sabíamos. Ela agradeceu-nos e deu-nos um abraço. Lembro-me de sentir esperança naquele momento, que se uma estranha me estava a abraçar e a dizer-me que me amava aos gritos numa casa de banho porca porque eu lhe tinha dito para não voltar para o ex-namorado tóxico, então é porque se calhar os seres humanos não são assim tão maus, como muitos acham que são. Nunca mais ouvi falar da Joana e não sei se ela chegou a voltar para o ex-namorado que controlava a forma como ela se vestia. Lisboa estava calada e eu sentia que ia desmaiar. Tento focar-me num ponto à minha frente. Olho para o outro lado da rua e vejo um rapaz sentado num banco com um cão ao lado e penso: ele vai ter a tendência de rejeitar, por estarem ligadas ao conceito de feminidade construído pela sociedade, este tipo de amizades tão íntimas, este tipo de sensibilidade. Senti, subitamente, pena dele. Aquilo que faz os seres humanos especiais, pensei, são as nossas tentativas de compreender alguém, de ser vulnerável e de partilhar com esse alguém coisas que estão escondidas nas gavetas, desarrumadas, poeirentas e mal construídas, no nosso cérebro. O rapaz que passeia o cão vai ter o seu caminho mais dificultado, vai ter dificuldade em ser vulnerável e em compreender os outros, tal como o filho dele, como o primo dele, como o amigo do primo, como o colega de trabalho, como o patrão, como o… Olho para as horas, era tarde, estava cansada, nauseada e a cabeça estava a latejar. Levantei-me e fui para casa. Abri a porta, a custo, porque o trinco precisa de um jeito específico. Tirei as botas e enxotei-as para o lado. O telemóvel enche-se de luz e recebo uma mensagem: “Desculpa, fui muito brusca e despachei-te! Houve uma coisa que não te disse. Vou conhecer os pais do Rodrigo porque eles vêm à festa. Ajuda-me, por favor! Não consigo continuar com esta farsa de fingir que sou relaxada e descontraída e de que adoro fazer as respirações da meditação, na maior parte das vezes estou a pensar no que vou comer ao almoço! Estou-me a passar completamente! E se sujar a roupa que estava a planear usar? Ó meu Deus, e se sujar a roupa de outras pessoas? Sabes como sou distraída! E se não gostarem da maneira como a casa está decorada? E, o pior de tudo, Catarina, e se não gostarem de mim?”

  • As vantagens de ser invisível? O caso da Eriteia

    Em Portugal, as empresas de televisão generalistas, como a TVI, a SIC, ou o RTP, têm canais próprios especializados (SIC Notícias, CNN Portugal, RTP 3) que emitem notícias 24 horas sobre 24 horas, 7 dias por semana, todos os dias do ano, à semelhança dos modelos das suas congéneres europeias. Na grelha de programação destes canais informativos, passam, a certas horas, principalmente no horário noturno, documentários produzidos por outras empresas de produção de conteúdos, quase sempre estrangeiras, como a BBC ou o Canal+. Estes documentários são muitas vezes os programas mais curiosos, esclarecedores e informativos que se encontram nesses canais, onde podemos escapar do Loop das notícias que são repetidas ad nauseam. Estes documentários, porque são feitos para a televisão, não querem ter qualquer pretensão de serem “obras cinematográficas”, que têm de ter uma muito maior preocupação estética. Pretendem ser peças jornalísticas, informativas. Os documentários que vão sendo emitidos no nosso país abordam temas díspares e extremamente variados. Uns podem expor as dificuldades das mulheres no Irão rural, enquanto outros podem mostrar o funcionamento do submundo do tráfico de droga numa cidade de média dimensão nos EUA. Outra característica que me agrada nestes programas é a sua duração, que normalmente não excede uma hora. Vem isto a propósito de um documentário que vi recentemente, na RTP3, sobre o atual estado da Eritreia, que me impressionou profundamente. Mas, antes de mais, importa conhecer alguns dados, como o contexto histórico relativo a este pequeno país africano, dado que não se consegue compreender o presente sem conhecer o passado. A Eritreia é um pequeno Estado situado no corno de África, com uma população de aproximadamente cinco milhões de habitantes. Em termos de composição étnica, é um país multiétnico: o grupo maioritário são os tigrinos , mas também vivem neste país membros do povo Saho, Kunama, ou até o povo tigre (hoje, na vizinha Etiópia, forças separatistas tigre estão a travar uma guerra sangrenta contra o governo federal). Em relação à religião, cerca de metade da população é cristã, e a outra metade é praticante do islamismo. Portanto, existe muita diversidade, quer religiosa, quer étnica. Historicamente, a Eritreia foi dominada por duas potências coloniais: a Itália e, depois, o Reino Unido. Em 1952, a Eritreia, com o patrocínio da ONU, foi incorporada na Etiópia de Haile Selassie (curiosamente, para o movimento Rastafári, este governante é considerado um símbolo religioso, sendo um Deus encarnado, um messias redentor). Só depois de 30 anos de uma extremamente longa guerra de independência, encabeçada pela Frente de Libertação do Povo Eritreu, a Eritreia conquista, em 1993, finalmente, a sua independência. Este movimento de independência, tal como noutros países africanos, converteu-se em partido, a Frente Popular pela Democracia e Justiça, que governa o país com uma mão de ferro até aos dias de hoje. O documentário que vi na RTP 3 era precisamente sobre as condições de vida das pessoas, que não são, como era de adivinhar, as melhores; isto é, de facto, morar na Eritreia é viver num dos estados mais pobres, e mais limitadores das liberdades básicas dos seus cidadãos. Vale a pena citar, na íntegra, o que a Human Rights Watch tem a dizer sobre a Eritreia: “O governo da Eritreia é extraordinariamente repressivo, submetendo a sua população a trabalho forçado e alistamento generalizado, impondo restrições à liberdade de expressão, opinião e fé e restringindo o escrutínio independente por monitores internacionais. Como uma ditadura de um homem só sob o presidente Isaias Afewerki, a Eritreia não tem legislatura, nenhuma organização independente da sociedade civil ou meios de comunicação, e nenhum sistema judicial independente. As eleições nunca foram realizadas no país desde que conquistou a independência em 1993, e o governo nunca implementou a constituição de 1997 garantindo os direitos civis e limitando o poder executivo. Desde a assinatura do acordo de paz com a Etiópia em 2018, o governo aumentou o seu envolvimento diplomático regional e internacional, mas não tomou medidas para melhorar a situação dos eritreus.” Este documentário era precisamente sobre as condições de vida neste país, que também é conhecido por "Coreia do Norte africana" (nunca é bom sinal ser-se comparado com a Coreia do Norte!). Enfim, foram várias as situações que me deixaram estupefato, como as grandes restrições de circulação a que estão sujeitos os eritreus: por exemplo, não se pode sair da capital sem um visto. Há ainda grandes entraves ao acesso à internet, e o estado das prisões é simplesmente deplorável. No entanto, o objetivo deste artigo não é apenas denunciar a atual situação de um estado onde as violações dos direitos humanos são o pão nosso de cada dia; queria também chamar a atenção para a quase ausência de cobertura mediática, por parte de órgãos de comunicação social internacionais, com fortes ligações a países ocidentais (como a Reuters ou a Associated Press). A meu ver, parece que este critério jornalístico não é o mais adequado. É “perfeitamente natural” existir uma intensa cobertura mediática da guerra da Ucrânia, contudo, apesar de ser “humano” darmos mais atenção ao que nos é mais próximo, não é desculpa para a falta de atenção que os media fazem ao caso da Eritreia, até porque num mundo globalizado o que afeta um pequeno país de África pode ter consequências noutras latitudes. Noutro plano, também é curioso concluir que os países, que na ótica dos países do primeiro mundo têm interesses contrários aos do “mundo ocidental”, a título de exemplo, o caso da Venezuela, ou de Cuba. veem aumentar de forma substancial a cobertura mediática. Lembro-me, recentemente, do caso das manifestações em Cuba ou quando Juan Guaidó se autoproclamou Presidente da Venezuela, que tiveram uma ampla cobertura mediática, mas não houve nenhuma notícia dos média tradicionais sobre as MUITO mais graves violações dos direitos fundamentais básicos que se verificam na Eritreia. Dominam nas agências de comunicação norte-americanas e europeias uma quase lógica clubística. Os países vistos pelo “ocidente” como adversários (China, Venezuela, Irão, Cuba) são significativamente mais escrutinados em relação aos direitos humanos do que os estados aliados do “ocidente” (Arábia Saudita, Paquistão, Egito). Pelo contrário, as repetidas violações dos direitos humanos pela Arábia Saudita são noticiadas, mas com uma muito menor intensidade. Quero deixar claro que todas as violações dos direitos humanos devem ser condenadas, mas não consigo perceber a diferenciação da cobertura mediática em relação a países alinhados com os EUA e aos seus adversários. Esta diferenciação é prejudicial e não tem fundamento para além da disputa geopolítica. O caso da Eritreia, nesse sentido, é peculiar, na medida em que se trata de um regime ditatorial “ideologicamente neutro”, no sentido em que não está alinhado nem com os liberalismos, nem com socialismos. O que é extremamente vantajoso. A falta de ideologia e, já agora, de petróleo, “ajuda” a perpetuar o regime. Se fosse um estado autoritário ideologicamente contrário ao ocidente, nesse caso, seria mais fácil para a comunidade internacional agir.

  • Jogo da Cabra-Cega

    Estou convencido de que algures nos nossos dias acordámos todos em cair coletivamente numa burla grotesca e chamá-la de vida. É a última explicação que me resta, se me tiram esta, não sei mais o que faça. Quem discordar, que me diga então onde não está a burla quando dou metade do meu salário para poder ter um teto por cima da cabeça; que me diga então onde está a verdade quando gasto na minha formação mais do que aquilo que muitas pessoas têm nas suas poupanças só para depois acabar no olho da rua ou num escritório a trabalhar de graça para umas quantas gravatas gordas; que me olhe nos olhos e me diga que as propinas não deviam acabar e que o saloio deverá estar condenado a ser saloio por mais mil gerações e que o filho de engenheiros deverá ser para sempre filho de engenheiros e não de caixas que recebem pouco mais que o salário mínimo. Que me diga onde está o mérito nisto tudo, caramba, quando o único mérito que vejo é o de termos herdado um mundo que foi pontapeado para a beira do seu fenecimento por homens de meia idade que já cá não estarão quando for preciso racionar o oxigénio que respiramos; que me diga onde está o racional por detrás da devoção sacrossanta ao lucro – sim, o lucro nosso que estais na bolsa, santificada seja a sua economia improdutiva e artificial, venha a nós o vosso neoliberalismo, seja feita a sua especulação… – desculpe, mas você tem 70 anos e não está a trabalhar? Olhe que agora com a esperança média de vida nos 120 você vai ter que trabalhar com pujança até aos 90, oxalá houvesse um sistema onde não meter a população toda a exaurir três quartos da sua vida a trabalhar não significasse a economia toda a colapsar e a morte de toda a Humanidade. Isto por vezes parece ser tão histericamente falso que sinto estar completamente bêbedo, mas isso foi só ontem à noite e hoje dói-me demasiado a cabeça para não estar de ressaca; quiçá poderia ser um sketch terrivelmente mau dos Monty Python, mas eles já estão todos mortos e infelizmente hipotecámos a cultura por ela não dar lucro – bendito seja o fruto do vosso stock … –, por isso receio nunca ver os seus sucessores em vida; porventura podia ser tão-só um belíssimo excerto de Kafka, mas ele nunca imaginou que poderia existir algo pior do que acordar escaravelho gigante de pernas para o ar. E descartadas todas estas opções, repetido o processo, feito e refeito o raciocínio, sobra-me sempre a pior das alternativas: sobra-me aquela em que tenho que me resignar com a intragável verdade de que esta é apenas a realidade que os homens mais poderosos do planeta nos deram para as mãos, em nome de uns quantos gráficos e umas linhas cujo declive aumenta quando deixamos morrer pessoas à fome e bombardeamos países em nome da democracia e liberdade – leia-se, reservas chorudas de petróleo. A verdade é que jogamos todos à cabra-cega, mas ainda nenhum de nós percebeu que somos sempre nós os vendados. Mas a vida continua. E vão uma, duas e três voltas, e cá vamos nós outra vez – e ai de quem se atrever a parar o jogo. E lá vai o zé-povinho, a tatear o ar e a fazer figura de boçal, porque ainda não percebeu que não joga com mais ninguém senão os outros zés-povinhos que, por motivo insondável, também jogam de olhos fechados, talvez por solidariedade e comiseradora empatia para com o que está vendado. E lá vão mais uma, duas e três voltas, e já estou tonto – alguém que me ampare, porque os senhores donos disto tudo rodam-nos e rodam-nos e rodam-nos e depois deixam-nos para aqui à nossa sorte a titubear de um lado para o outro. E mais uma, duas, três entrevistas de emprego, e não sei se aguento muito mais – então, diga lá, estou contratado ou não? Lamentamos, mas o senhor não tem experiência nenhuma, o máximo que lhe conseguimos oferecer é um estágio. Não remunerado? Pois claro que sim, não remunerado, evidentemente, estava à espera do quê? Não há almoços grátis. Mas ouça, eu tenho um mestrado e preciso mesmo do trabalho, há 6 anos que pago a minha formação e não ganho absolutamente nada, não será mesmo possível? Desculpe, mas não é suficiente, volte quando estiver morto. O quê? E mais uma, duas e três voltas. E preciso de mais uma cerveja. Que o que vale é que sempre temos a cerveja; e o amor – e mesmo assim esse não é de se fiar muito, mas podemos sempre apaixonar-nos por uma noite e, quem sabe, talvez casar amanhã no vendaval dos lençóis; mas para isso preciso de mais uma cerveja, não penses muito nisso meu amor, que o importante é mesmo a cerveja: preciso de enfiar a consciência dentro de uma garrafa de tequila, porque a maratona para o marido que mais bate na mulher começa cada vez mais cedo nesta economia de sonhos. O quê? Ter filhos? Querida, eu ainda nem fiz 30, esperemos pelos 40, talvez por essa altura o mercado imobiliário já tenha acabado e todos os senhorios deste mundo tenham morrido e assim possamos finalmente comprar uma casa. E mais uma, duas e três crises, e sobe o gás, a luz, a renda, o pão, e a água, e, com eles, também sobe a nossa tesão em pelejar corajosamente contra os fantoches e os espantalhos que nos jogam à cara enquanto deixamos passar impunes as mãos e as vozes que os animam. E que nem pensem em não apertar o cinto, que agora é hora de mão férrea sobre o pobre que nem sabe ler e mão querida, afagante e submissa sobre os ricos que arrebentaram uma vez mais com o sistema económico em que vivemos; que nem se atrevam em tirar as vendas agora, que esta é a parte mais divertida do jogo – lá vão mais uma, duas e três mentiras, pois isto está claro que são os impostos, e é o Estado gordo, e é o cidadão mandrião, e é o subsídio-dependente, e é a falta de competitividade, e falta lucro (louvado seja Ele) e empreendedorismo (o famigerado); pois está claro que isto será sempre o que quiserem, desde que não sejam os mercados e o sistema em que vivemos. E vão mais uma e duas e – parem de uma vez por todas este jogo, porque eu estou farto desta merda. Tiremos todos as vendas e deixemos de compactuar com jogos que nunca gostámos de jogar. Não sei se alguma vez acordámos em cair nesta burla delirante, mas sei com todas as minhas forças que podemos todos acordar em viver numa verdade que não nos saiba a acre nos lábios – resta saber se é isso que queremos verdadeiramente ou se a cegueira das vendas nos foi sempre congénita e a equivocámos por forçada.

  • Face à História, a Pessoa não existe

    (ou, Como a Guerra não é um Combate de Boxe ) Hitler não era Deus. Ou, se o era, era um Deus surgido da Máquina . Essa é a tese do advogado Hans Rolfe na mais famosa cena do filme de 1961, O Julgamento de Nuremberga . Em vez de defender per se a inocência dos nazis, Rolfe aborda a culpa na sua verdadeira extensão. Pergunta-se, se o Vaticano assinou uma Concordata com o Reich em 1933, legitimando-o aos olhos do mundo católico, não seria tal uma traição a Jesus Cristo, Rei dos Judeus? Se a União Soviética assinou um pacto em 1939 com a Alemanha, permitindo a divisão entre da Europa de Leste entre si, não terão estes comunistas pactuado com o fascismo? Se indústrias americanas operaram e negociaram com os Nazis até durante a guerra, não estarão os dólares sujos de sangue de milhões? Rolfe conclui, “É fácil condenar um homem. (…) Se ele é culpado, [a sua culpa] é do mundo.” Se há crítica que se possa fazer a Rolfe, é que a sua crítica não vai longe o suficiente. Hitler não fundou o Partido Nacional Socialista, não criou a democracia fraturada alemã que lhe permitiria tomar poder, não assinou o Tratado de Versalhes que procurava vingar-se da Alemanha sem a enfraquecer o suficiente para não se rearmar, não pariu as 17 milhões de pessoas que nele votaram em 1933, nem os 14 milhões que serviram no exército, não inventou o antissemitismo que vivia e prosperava nas entranhas da Europa desde o Império Romano, não baleou pessoalmente dezenas de milhões de soldados nem conduziu os comboios que seriam a última viagem de milhões de Judeus, Ciganos, Eslavos, enfim, Pessoas. Hitler era um Deus surgido da Máquina. Sem esta Máquina política, burocrática, militar, não haveria Deus. Essa é a democracia perversa de qualquer ditadura: mantém-se desde que mantenha o povo satisfeito o suficiente para não ser enforcada. É por isso que não podemos dizer que Hitler era um louco, um invasor, ou um homicida. Não, lidámos sim com um povo louco, um povo invasor, um povo homicida. Não, até isso é simplista: lidámos com uma rede mundial de loucos, uma rede mundial de invasores, uma rede mundial de homicidas – os Nazis e todos os que colaboraram ou nos deixaram seguir em frente, rumo à estrada do Inferno. Ora, por esta altura poderão ter a mais leve suspeita que eu não estou realmente a falar de Hitler, ou da Alemanha dos anos 30. Vladimir Putin não é Deus. Ou, se o é, é um Deus surgido da Máquina . A opinião pública ocidental centrou grande parte da discussão em torno da Guerra na Ucrânia à volta de um homem. Bem, talvez dois. Pois se é verdade que fazemos de pessoas singulares a face do mal, também fazemos de outros grandes heróis. Se Putin tem por trás um governo inteiro, um aparelho burocrático, um exército, e uma população conservadora habituada à ideia de ditadura que, na sua maioria, apoia o nacionalismo e imperialismo russo, Volodymyr Zelensky não é um herói grego lutando contra ursos, mas sim apenas a face do exército ucraniano, do pessoal médico, dos que mantém a economia a funcionar, de todos os que mundo fora apoiam militar e humanitariamente a nação da qual ele, por acaso, é apenas um cidadão. A Guerra não é um Combate de Boxe entre Vladimir e Volodymir, ou uma corrida para ver quem é assassinado primeiro. Cortar a cabeça de um não irá ganhar a guerra, surgirão sempre novas cabeças para liderar a hidra que é a humanidade. A Guerra é uma Guerra de massas. Na face da História, a Pessoa não existe.

  • O desenho como a verdade do Sileno

    O ato de desenhar é apenas uma outra maneira de filosofar, talvez até mais pura, pois prescinde das dificuldades e limitações que o uso da linguagem apresenta. O professor, filósofo e ex-baixista dos Mata ratos, Antonio Caeiro, frisa que o significado etimológico, ao contrário do que nos ensinam no secundário, Filo-Amor e Sofia-Conhecimento, ou seja um amor por conhecimento, é na verdade uma tradução feita a partir do latim, que por sua vez deturpou o significado original da palavra do grego antigo. Filo traduz-se por obsessão/necessidade e Sofia por transparência/claridade. Para inicialmente clarificarmos esta questão e debruçarmo-nos sobre o ato de desenhar, irei apropriar-me do seguinte excerto do livro “O Nascimento da Tragédia” de Nietzsche. “Existe a velha lenda segundo a qual o rei Midas perseguiu por muito tempo sábio Sileno, companheiro de Dioniso, sem o apanhar. Quando por fim ele caiu no seu poder, o rei pergunta o que haveria de melhor e mais excelso para o ser humano. Inflexível e imóvel, o demónio silencia; até que, coagido pelo rei, solta com um riso estridente estas palavras: «Estirpe miserável e efémera, filhos do acaso e da fadiga, porque me obrigas a dizer-te o que para ti é mais proveitoso não ouvir? O melhor é para ti totalmente inatingível: não haver nascido, não ser, nada ser. Mas a segunda melhor para ti é morrer em breve.” 1a Fig. 1: Fresco da máscara de Sileno, Villa Of Fannius Synistor, Pompeii. O Sileno poderá representar o aparo e/ou o stiletto que percorre a confusa floresta abrindo o caminho à sua frente com bruscos, mas calculados movimentos, enquanto o Rei Midas (desenhador/artista), o segue loucamente obcecado pela informação preciosa que este tem em sua posse. Ao capturar o elusivo Sileno, acabando o percurso, finalizando a obra demarcada na floresta pelas flores pisadas e a terra remexida, o Rei Midas depara-se com o horror da verdade e perde todo o seu propósito naquele momento de clareza. Penso que a representação da figura humana decorre de uma necessidade de procura inventiva denominada de desocultação: quando o ser humano impregna a terra com o mundo, ao colocar a sua própria imagem na realidade, o ser humano está a questionar e/ou a afirmar a sua posição face ao exterior e ao interior. Segundo uma antiga fábula romantizada, escrita por Plínio, o desenho foi criado pelo amor. Uma figura feminina apelidada de “Amante Coríntia” deparou-se com a seu amado a relaxar e/ou a dormir, ele estaria, segundo alguns relatos, prestes a partir para a guerra e possivelmente nunca mais voltaria. Tipicamente representados numa sala sozinhos apenas iluminados pela luz de uma chama, a amante desenha os contornos da sombra do amado, que está a ser projetada na parede atrás do mesmo, delimitando o seu perfil. Aqui o desenho é utilizado como uma forma de imortalizar a presença do seu amor, tirando do mundo natural a vida do amado e preservando parte dele para a posterioridade. Uma intervenção Apolínea que tenta subverter a ordem natural da realidade. Analisando esta história a fundo encontramos paralelos inquestionáveis com as pinturas rupestres da Cueva De Las Manos na Argentina executadas entre 13 000 e 9500 anos atrás, composta por diversos stencils de mãos humanas. Por muitos considerados os mais antigos retratos/autorretratos executados, feitos numa caverna escura iluminada pelo fogo, pensava-se que pelo tamanho das mãos pertencessem a mulheres e/ou crianças, talvez mães que temessem a morte precoce dos seus filhos, ou até mesmo que temessem o seu próprio desencarnar. Fazendo menção a como foi apelidada de Apolínia a história da “Amante Coríntia”, teremos de respeitar as regras impostas pelo pré-socrático Heráclito e nomear a manifestação artística da Cueva De Las Manos de Dionisíaca; sem grande receio estético afirmo-o. A composição desordeira e conflituosa, a luta que provavelmente ocorreu para conseguir os melhores lugares da parede da caverna, as mãos que sobrepuseram e taparam outras mãos: um claro sinal da atividade do deus Dioniso ou até do seu fiel seguidor Sileno. Como referido, as mãos foram executadas com a técnica de stencil, algum tipo de aglutinante de origem animal misturado com carvão, óxido de ferro, ou giz, que era inserido na boca e depois soprado em direção à mão. Ambas as histórias demarcam uma forma numa superfície para tentar sobrepor o vazio/dor emocional que se seguirá à partida dos seus amados. Para fazer justiça à vontade aristotélica de encontrar a medida do meio, teremos de deturpar ambas as histórias em função de uma ficção realista que acalme os ânimos extremistas de Apolo e Dionísio. Imaginemos agora a “Amante Coríntia” a soprar tinta em direção ao perfil do amante que repousa antes da sua partida. O resultado seria na sua essência idêntico, um stencil do perfil do amante ficaria desenhado na parede da gruta/domus, mas ao acordar o rapaz do seu sono, num momento de raiva e cegueira, este levanta-se e agride-a, confuso e magoado, pois as ações primitivas da amante em muito rebaixam a perfeição apolínea inerte no amante. Fig. 2: Joseph Benoit Suvee, The Invention of the Art of Drawing, 1791. Groeningemuseum, Bruges Fig. 3: Cueva de las manos, Santa Cruz, Argentina A “Amante Coríntia”: o amor e o sexo A “Amante coríntia” é uma manifestação de Eros (o deus do amor). Não é uma deusa, mas também não é mortal, esta existe entre o sábio e o ignorante, pois apresenta uma necessidade de filosofar. Uma figura que tenciona trazer as preces dos homens aos deuses (imortalidade). Ao querer imortalizar o seu amor, o objeto de desejo, ela age de acordo com o que procura, ao soprar os pigmentos na direção do amado ela pergunta, e ao ser agredida obtém como resposta os resultados que estão de acordo com os conhecimentos do sábio Sileno. N’O Banquete de Platão, o tema central é a indagação sobre o que é o amor e a resposta mais sábia é relatada por Sócrates, mas atribuída a Diotima, figura ausente que se acredita ter sido inventada pelo mesmo. No decorrer do simpósio todos acreditam que Eros é um deus belo e sábio, mas no discurso de Diotima essa ideia é desmitificada pelo facto de que os deuses não desejam o que é bom e belo porque a sua essência já participa nessas ideias, enquanto Eros efetivamente procura esses atributos; ou seja, este não pode participar neles, não pode possuí-los: alguém que já é bom não procura ser bom, simplesmente o é nasua essência. Em consequência disto, Eros é rotulado como o meio-termo, pois se fosse ignorante(mortal), não teria consciência destas ideias; ele é um filósofo, ele é um artista. O artista é como Eros, o génio que medeia entre deus e o ser mortal. Procurando aquilo que deseja. O amor tão debatido neste livro é uma obsessão, uma doença crónica que nos aflige e a “Amante coríntia” é uma iluminada que está a tentar engravidar, ao contrário da virgem Maria que engravidou por ouvir as palavras de Deus, uma personagem passiva e entregue à vontade de terceiros, a nossa amante é uma agente ativa, uma mulher de ação. “...De facto, ó Sócrates, todos os homens têm a sua fecundidade segundo o corpo e segundo a alma, chegada uma certa idade, a nossa natureza deseja gerar....”2a Dentro das suas limitações, o mundo natural ostenta imortalizar-se por meio da procriação, deixando sempre um indivíduo novo no lugar de um velho. Todos os seres vivos participam nesta ideia de imortalidade, mas a espécie humana está munida de uma psique, um espírito que só nele habita que o impulsiona a ambicionar uma perpetuação imaterial. E é neste sentido que a “Amante coríntia” tenta engravidar. Mas esta é uma interpretação otimista e apolínea de caracterizar o propósito da nossa procura. Como contraponto dionisíaco e oferecendo uma visão mais pessimista, intento investigar a questão do erotismo, pois até este momento ainda só indagamos sobre o amor. Escrevendo de modo mais lato, a questão que está a ser trazida é: serão o amor e sexo a mesma coisa, em função da verdade do Sileno? Não nos limitemos pela produção de algo para atingir a imortalidade, podemos também encontrá-la no nosso interior. “O erotismo é, na consciência do homem, aquilo que nele põe em causa o ser.”3a O ato de desenhar possui muito em comum com o erótico, nomeadamente quando se destina ao estudo da figura humana. Georges Bataille propõe uma visão interior do erotismo e começa por afirmar que entre a existência de cada indivíduo existe uma descontinuidade vertiginosa. O vazio entre cada ser humano é o nada. Não existe nenhum percurso num lugar onde não existe essência. Transgredir da descontinuidade para a continuidade é o que o erotismo procura. Cada ser existe preso e confinado na sua existência, mas este não a suporta, passar pelo tempo é um castigo. O processo de transgressão apenas ocorre devido ao fenómeno estético imposto pelo ser racional, pois a continuidade pertence ao mundo dionisíaco anti-platónico. Platão com o seu positivismo, que depois verte para o cristianismo, acredita na perpetuação da vida através de meios espirituais, pois a imortalidade é conseguida através do meio corporal com a reprodução e a alma subsequentemente segue para o mundo das ideias. Esta noção do “depois” é uma praga que o pessimismo não aguenta suportar, não existe um “a seguir”, logo, a imortalidade do indivíduo só pode ser atingida em momentos específicos durante a vida do sujeito. O conceito de transgressão implica que o homem abandone o fenómeno estético, o seu estado racional e se entregue à continuidade que apenas pode possuir durante breves momentos. Durante o ato sexual dá-se a ocorrência de um fenómeno apelidado de “petit mort”, ou em português a pequena morte, no clímax do ato. Aquando desta ocorrência, dá-se a refração da consciência humana, o indivíduo entra em colapso e perde noção da sua identidade, do seu passado e do seu futuro, entrega-se ao uno primordial. A demora na execução do desenho é fatal para a sua essência. Apenas a espontaneidade calculada ou não do momento fará do desenho um ato honesto. Tempo livre é o luxo do homem racional, um benefício desonesto para com a natureza animal inerte no corpo e na psique (consciência). A pintura, ou melhor, o ato de pintar está predestinado antes da primeira pincelada ser lançada. A pintura é um ato apenas otimista, e não estou aqui a diferenciar o desenho da pintura meramente por temas ou materiais, nem mesmo por tempo de execução. A invisibilidade que preenche cada um dos conceitos é que os separa. A pintura é otimista e o desenho é pessimista, essa é a diferença independentemente das intenções do artista. O tempo é uma ilusão humana e acreditar que podemos utilizá-lo como queremos é uma mentira. Andar é como pintar uma paisagem ou um retrato: achamos que temos tempo para dispensar, refletindo enquanto respiramos o ar, o precioso oxigénio; a maior ironia do mundo natural. O desenhador deverá estar sempre com falta de ar, como se estivesse perpetuamente a afogar-se. Quando o medo infeta a psique as respostas são honestas. Correr é uma certeza vinda da pré-história, o homem primitivo a fugir dos predadores ou a perseguir a sua presa, a sobrevivência subsiste à base da velocidade e do momento decisivo. A obra demorada e/ou atrasada não sobrevive é perdida para a violência da savana primordial Africana. Quando a produção de uma obra se estende por vários dias, meses ou anos ela já está destinada a falhar. Sempre que o artista pousa os materiais e volta a pegar neles para continuar a trabalhar, a disposição atmosférica do atelier está completamente alterada, tudo muda, é como se ele estivesse a começar de novo. Quando tropeçamos ao retomar o andar o caminho altera-se. Este incessante parar e retomar deturpa a ideia inicial e faz dela uma mentira (uma religião), em que acreditamos demasiado e nos estagna, lentamente restringindo o nosso círculo de procura. Claro que se procurarmos perfeição gráfica e estética por vezes a obra terá que ser trabalhada durante um longo período de tempo, pois só assim se atinge a resolução desejada. Que se mantenha na ilusão então, morrerá ele e a obra de qualquer modo. O privilégio pessimista não é o saber, mas sim a perceção. A execução rápida e desinteressada será mais verdadeira, feita num único momento de fuga, o golpe que matará a presa, degolando-a e extraindo a sua preciosa vontade. O sangue que cobre o suporte mostrará o real intento do feroz desenhador. Não estando aqui a principiar uma veneração cega a exercícios de gestualidade e afins, tipicamente reconhecidos pela rapidez de execução, pois muitas vezes estes serão os mais desonestos. O desenho pessimista é definido pelo momento da verdade antes da morte corporal e espiritual, ou seja, está limitado ao tempo que o descarnar pessimista durar (popularmente definido como a concentração). Se a obra não for concluída nesse período, morrerá de imediato. A arte tem de ser feita num só momento, o atraso destrói a concessão artística. O problema das artes demoradas reside na sua essência de atraso temporal. O verme artístico Agora, já algo distantes do pensamento inicial, procuramos concluir. O artista pessimista deverá ser um verme. Na reprodução assexuada reside a liberdade do criador, não é requerida a imensa pletora necessária para a reprodução sexual, nem uma terceira entidade. O fetiche da criação é a morte da identidade, até este ponto já concluímos. Assim que a abundância de vontade canibalizada excede os limites da pele do verme gordo, começa a verter num momento crítico de crise/deleite de egoísmo artístico, o verme pode assumir duas disposições: o luxo do homem racional ou a embriaguez do vagabundo. Ambos foram as causas da morte de Deus (do propósito), e tudo entre eles são meros seguidores do já falecido fenómeno estético. Nenhum artista deve advogar estas causas do meio senão é enganado a agradar terceiros. O artista não deve executar obras porque lhes são pedidas ou porque as quer fazer, a obra em si é que deve impor-se ao artista. No mundo animal a reprodução é preferencial nas estações de abundância, na espécie humana é preferível começar uma família em tempos de prosperidade económica. Nestes exemplos existe uma escolha e uma decisão, o uso do livre arbítrio. Os vermes assexuados quando mutilados pela ação de forças externas não morrem, eles multiplicam-se. A primeira entidade morre e duas novas surgem, mas estas são meramente a deturpação da forma inicial. Foi-lhes imposta a criação, não sob o signo da liberdade do livre arbítrio, mas sobre a única liberdade que existe no mundo pessimista, a reação. A ação é sempre imparcial apenas controlamos a nossa reação. O artista pessimista não deve ter mão no volante, deve-se deixar mergulhar na caverna primordial. 1a - NIETZSCHE, Friedrich, “O Nascimento da Tragédia e Acerca da Verdade e da Mentira”, pag.34; 2a - PLATÃO, “ O Banquete”, pag. 127; 3a - BATAILLE, George, “O erotismo”, pag. 33.

  • Mestres Do Nosso Destino Absurdo: Como Viver Apesar Do Sofrimento

    Sísifo é o azarado protagonista do antigo mito grego que, tendo perturbado os Deuses, é condenado por toda a eternidade a empurrar uma rocha montanha acima, apenas para que esta role de volta quando chega ao topo, sem significado algum. Por mais desprovida de propósito que pareça a história, na verdade a situação de Sísifo consagra-se como uma brilhante metáfora para a nossa própria existência, não apenas reflete a mundanidade cíclica da nossa vida quotidiana como captura perfeitamente o paradoxo que tem por base a experiência humana - por um lado, somos por natureza animais curiosos que anseiam por significado e propósito, por outro, não estamos equipados para jamais satisfazer este terrível anseio. Desta forma, ocupamos uma espécie de espaço sem esperança entre o impulso de pensar respostas a perguntas profundas e a nossa intrínseca incapacidade de respondê-las - um espaço rotulado de "o absurdo". Daí a imagem de Sísifo: nós, seres conscientes, distintos dos demais seres vivos, primariamente, pela consciência da morte, construímos teorias sobre o sentido e significado da vida para tornar a nossa própria existência suportável, no entanto, estas inevitavelmente desabam e compulsivamente começamos de novo.⁣ Assim, vivemos no absurdo.⁣ No entanto, ao invés de culparmos a tristeza que nos guarda o destino a cada momento, recordo os esforços de Sísifo, para cima e para baixo da montanha, enquanto conquistas triunfais - cada vez que a rocha desaba, confirmando a futilidade do seu esforço, Sísifo não desiste, em vez disso aprecia a vista, observando a pedra cair, mantendo a cabeça erguida. Sorrindo, aproveita o ar fresco, marchando de volta montanha abaixo, e mesmo reconhecendo a extensão da sua miserável existência, toda a sua silenciosa alegria está contida na rocha. Esta é a questão fundamental a ser explorada: vês-te como uma vítima do mundo ou como todo o maravilhoso processo que é o universo? Se te defines meramente como a parte voluntária do teu sistema nervoso, então defines-te como a vítima do jogo, e sentes que a vida é um tipo de armadilha que te foi imposta por Deus, pelo destino ou por algum tipo de mecanismo cósmico, e que assim como Sísofo, és obrigado a viver e a repetir tarefas mundanas sem significado aparente, a empurrar uma rocha montanha acima por toda a eternidade sem propósito algum. Por outro lado, se também incluíres na definição de ti mesmo aquilo que fazes involuntariamente defines-te como tudo aquilo que existe, como todos os processos do universo, e não é este precisamente o caso? Possuis todos estes complexos sistemas biológicos que te permitem viver e que, em relação com o mundo exterior, te permitem experienciar a realidade de forma consciente, não é simplesmente espantoso? Podes não ser capaz de explicar como o concebes, mas és tu que fazes bater o teu próprio coração, o cabelo crescer, o sol brilhar, as árvores crescerem, e todos os infinitos processos que se dão a todos os segundos no universo - quer saibas da sua existência ou não, és tu que os fazes, e assim podes reivindicar a tua vida e proclamar com gosto: "Eu sou o responsável, seja ela comédia ou tragédia, fui eu que assim a fiz”. Os japoneses possuem a palavra que descreve exatamente a sensação que tenho vindo a tentar transmitir, “Yuugen” (幽玄), significando precisamente este curioso sentimento para além da consciência humana, uma profunda perceção sobre o misterioso sentido e beleza do universo, e triste beleza do sofrimento humano - do intangível, do abstrato, da inevitável impermanência das coisas, da compreensão daquilo que não pode ser compreendido, daquilo que pode apenas ser intuído, apreciado pela mente e jamais verbalizado, desencadeando respostas emocionais demasiado profundas e poderosas para palavras. E isto porque, assim como Sísifo empurra a rocha novamente em direção ao cume, sabendo que o mesmo destino o aguarda vezes sem conta, tornamo-nos autenticamente vivos ao enfrentar o absurdo da nossa condição através do cultivo da sensibilidade cósmica, ao maravilhar-nos com a complexidade, a perfeição, o milagre que é viver e experienciar todo este imenso espetáculo de energia que envolve todas as coisas e processos do mundo sem exceção, reconhecendo não só a beleza melancólica que envolve a nossa condição, como ao chegarmos à realização de que não somos vítimas nisto tudo, mas sim todo o processo, que quis que o que quer que seja que é, assim o fosse, continuando, mesmo sem significado, de cabeças erguidas - abordando a vida com plena consciência, reconhecendo a falta de sentido da vida, e vivendo bem independentemente disso, é assim que nos tornamos mestres do nosso destino absurdo.⁣

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