Acordo exausto. Lembro-me de quando acordava sem sequelas, refrescado. Agora até a memória seca.
Vozes chamam por mim, António? dizem do lado esquerdo, mas do lado esquerdo só chama a roupa de ontem que não me lembro de despir, com a garrafa que despi de vodka. Chamam mais e mais, coro de vozes que conheço, desprovidas do dono, António? António? António? António António António. Sons de preocupação. A realidade desfalece e os lábios são pressionados, caio na cama mas não caio, foi só susto, e levanto-me no quarto escuro.
Olho para o telemóvel.
10 da manhã. Mais uma aula perdida.
Às 10 da noite há jantar e bar.
Ocorre-me que não estaria a sair da cama e comer, se às 10 da noite não houvesse jantar e bar. E que não comer me fizesse bem de vez em quando, se não quero a barriga do meu tio que opina altamente sobre o estado do SNS no bar da vila às 3 da tarde.
E que, debaixo da cama, expirando profundamente, há quatro garrafas cheias.
Mas não faço nada com o facto, não teria piada, só tem quando há outros iguais à volta, quando hoje à noite gritarmos Vai uma saúde!, e tragarmos saúde, até alguém vomitar a um canto e entrarmos em pânico, como parteiras em pânico por estar a nascer um bebé. Brincamos sobre como somos drogados com o riso ligeiramente nervoso de que talvez seja verdade, a conta de 36 euros em copos suportada pelo facto de ter sido culpa de grupo. Piadas não a têm sem que todos a entendam. De outra forma, seria só triste. Trágico, sermos empurrados por quem foi também empurrado a juntar-se à comédia.
Mas todos sabemos a verdade: procuramos o bem e evitamos o mal.
Não nos culpo, nem me arrependo, nem nada expio.
Enquanto isto nos fizer mais feliz que miseráveis, enquanto nos ajudar a evitar este curso que nos amarra e abraça, esta cidade que nos encanta enquanto engana, é a calçada escura mas branca por que iremos cambalear.
Alguns dizem que isto não é uma vida.
Mas deixem-me dizer: também não é uma morte.

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