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  • Ata da Eleição 2022/2023

    Ao trigésimo primeiro dia do mês de outubro do ano de dois mil e vinte e dois, pelas dezoito horas e dezoito minutos, deu-se início, na Sala dos Núcleos, à reunião de eleição da nova Direção do núcleo autónomo de estudantes Jur.nal. Estiveram presentes o Diretor demissionário, Rafael Guerra, a Vice-Diretora demissionária, Isabel Costa, o Vice-Presidente da NOVA School of Law Students’ Union, Rúben Cirilo, a Secretária-Geral da Mesa da Assembleia Geral, Ana Sofia Fernandes, e alguns membros da Redação, António Subtil, Beatriz Pereira, Hugo Mendes e Sofia Dias. Havia apenas uma lista candidata, doravante designada por Lista A. A Lista A era composta por Isabel Costa (Diretora), António Subtil, Hugo Mendes e Sofia Dias (Vice-Diretores). Posto isto, procedeu-se ao ato de eleição. Cumprindo o disposto no n.º 1, do art. 26.º dos estatutos do Jur.nal, tiveram capacidade de voto todos aqueles que, até à data, estavam há pelo menos um semestre no núcleo, tendo-se também considerado que o Diretor demissionário, Rafael Guerra, tinha capacidade de voto, uma vez que este apenas se demitiu apenas enquanto membro da Direção, tendo permanecido enquanto membro da Redação. Assim, tiveram legitimidade eleitoral todos os presentes, à exceção do Vice- Presidente Rúben Cirilo e a Secretária-Geral Ana Sofia Fernandes. Recorreu-se à plataforma Strawpoll para realizar a eleição, tendo-se garantido o anonimado do voto. Nada mais havendo a tratar, deu-se por encerrada a reunião pelas dezoito horas e vinte e cinto minutos, da qual se lavrou a presente ata, ficando a nova Direção em gestão até que aquela seja lida e aprovada em Assembleia Geral dos Estudantes da NOVA School of Law.

  • Programa Eleitoral 2022/2023

    Nos termos do artigo 27. º dos Estatutos do Jur.nal, apresentamos a seguinte candidatura à Direção do Jur.nal, núcleo autónomo da Associação de Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa: a) Identificação dos Candidatos: Candidatam-se à Direção do Jur.nal, os seguintes alunos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, declarando que, de acordo com o artigo 27. º dos Estatutos do Jur.nal, não detém cargo diretivo da AEFDUNL ou de um núcleo autónomo da Universidade Nova de Lisboa ou AEFDUNL, com a exceção da candidata n.º 3, que detém o cargo de Diretora-Adjunta na Direção cessante do Jur.nal, não se revelando qualquer incompatibilidade: 1 – António Jorge Carvalho Subtil, N.º 8622, do 2.º ano da Licenciatura 2 – Hugo André de Azevedo Mendes, N.º 8546, do 2.º ano da Licenciatura 3 - Isabel Lundbo Murta Costa, N.º 8539, do 2º ano da Licenciatura 4 – Sofia de Campos Silva Peças Dias, N.º 8574, do 2.º ano da Licenciatura A Direção candidata autovincula-se ao exercício das competências dispostas no artigo 12. º dos Estatutos do Jur.nal e ao respeito pelos princípios enunciados no artigo 3. º dos mesmos Estatutos. b) Plano de Repartição de Funções entre a Direção: Nos termos do artigo 10. º dos Estatutos do Jur.nal, a direção deste núcleo é composta por um Diretor/a e três Diretores-Adjuntos/as, assim, apresentamos a seguinte repartição de funções: Diretora – Isabel Lundbo Murta Costa, N.º 8539, do 2º ano da Licenciatura, assumindo as competências enunciadas no artigo 13. º dos Estatutos do Jur.nal e especializando-se no Orçamento e em Reflexões Críticas; Diretor-Adjunto – António Jorge Carvalho Subtil, N.º 8622, do 2.º ano da Licenciatura, assumindo as competências enunciadas no artigo 14. º dos Estatutos do Jur.nal e especializando-se em Relações Públicas e Eventos; Diretor-Adjunto – Hugo André de Azevedo Mendes, N.º 8546, do 2.º ano da Licenciatura assumindo as competências enunciadas no artigo 14. º dos Estatutos do Jur.nal e especializando-se em Entrevistas e Sondagens; Diretora-Adjunta - Sofia de Campos Silva Peças Dias, N.º 8574, do 2.º ano da Licenciatura, assumindo as competências enunciadas no artigo 14. º dos Estatutos do Jur.nal e especializando-se em Redes Sociais e no Clube de Leitura; As competências de Admissão e Demissão de Redatores, assim como de Proofreading, serão assumidas por todos os membros da Direção. c) Plano Geral para o Jur.nal: Considerando as competências da Direção expressas no artigo 12.º do Jur.nal, a Direção candidata apresenta os seguintes traços gerais: ü Manter a periodicidade das publicações, no site e conta oficiais do Jur.nal; ü Desenvolvimento de sondagens no Instagram do Jur.nal e nos grupos de turma/ano sobre temas relevantes para a sociedade, que serão posteriormente publicados na Edição Física; ü Desenvolvimento de, pelo menos, 1 (uma) entrevista por semestre; ü Desenvolvimento de, pelo menos, 1 (um) evento por semestre; ü Criação de um Clube de Leitura, que deverá reunir mensalmente, salvo exceções, que deverá ocorrer online, durante os períodos de interrupção letiva; ü Publicação de 1 (uma) Edição Física no 2.º semestre; ü Publicitação ativa do Jur.nal nas redes sociais e no campus; ü Criação de uma conta de Twitter, que servirá para expandir os âmbitos do Jur.nal, com iniciativas como a publicação semanal de citações/artigos/obras, de modo a incentivar a leitura, entre outras; ü Expansão dos âmbitos do Jur.nal para incentivar o envolvimento na vida académica e a reflexão crítica dos estudantes; Enquanto Direção candidata comprometemo-nos a zelar pelo cumprimento dos traços gerais acima definidos, não excluindo a possibilidade de delinear novos objetivos, tendo sempre em conta o disposto nos Estatutos do Jur.nal. d) Plano para as Edições Físicas: Nos termos do disposto no artigo 4.º dos Estatutos do Jur.nal, a Direção compromete-se a desenvolver 1 (uma) Edição Física no 2.º semestre do presente ano letivo de 2022/2023. Esta Edição Física será elaborada com base num tema, a ser discutido entre todos os membros do Jur.nal, e será composta por: ü Textos elaborados pelos redatores e/ou eventuais colaboradores, em formato de prosa e/ou poesia; ü Imagens e/ou ilustrações; ü Sondagens; ü Espaço aberto para reflexões críticas; ü Ficha Técnica e Agradecimentos; ü Outros; A elaboração da Edição Física é da competência principal da Direção, sendo esta responsável por todas as questões orçamentais e de impressão, não excluindo o contributo dos redatores para o conteúdo material da mesma. e) Plano para a Componente Online: Nos termos do disposto no artigo 4.º dos Estatutos do Jur.nal, a Direção compromete-se a fomentar a presença online do Jur.nal, através de: ü Publicações nas redes sociais e no site oficial do Jur.nal; ü Continuação do Projeto “Trocado por Miúdos”; ü Criação de uma conta de Twitter; ü Publicação da Edição Física em formato digital no site oficial do Jur.nal; ü Interação com os leitores online, de modo a obter feedback construtivo; ü Desenvolvimento de sondagens no Instagram do Jur.nal e nos grupos de turma/ano sobre temas relevantes para a sociedade; As presentes iniciativas não excluem a posterior definição de outros objetivos e/ou adoção de novas ideias. Declaração Final: Em primeiro lugar, gostaríamos de congratular a Direção cessante pelo excelente trabalho desenvolvido ao longo do seu mandato, bem como a Redação pelas suas magníficas contribuições, e saudamos a cooperação entre os dois órgãos, exprimindo votos de que esta se mantenha. Agradecemos também à Direção cessante pela sua agilidade ao longo deste processo e esperamos manter uma relação de entreajuda com os seus membros. Em segundo lugar, comprometemo-nos a cumprir o estipulado neste programa eleitoral e a respeitar os Estatutos do Jur.nal, com especial destaque para os princípios enunciados no artigo 3. º, agindo de boa-fé e imparcialmente. Em terceiro lugar, assumimos este cargo conscientes da importância deste núcleo na vida académica, a nível sociocultural, pretendendo, não só dar continuidade, como também expandir a sua presença e intervenção. Como Fernando Pessoa, na pele do seu heterónimo Álvaro de Campos, afirmou “Todas as cartas de amor são ridículas”, mas esta é a nossa carta de amor ao Jur.nal e esperamos, afincadamente, que seja visível o carinho que temos por este núcleo e o quanto acreditamos na sua ação. Com os melhores cumprimentos, António Subtil, Hugo Mendes, Isabel Costa, Sofia Dias Lisboa, 22 de outubro de 2022

  • A virtude dos maiores serviu-nos de ensinamento

    Fomos loucos ao ponto de escolher um destino maior que a nossa própria existência. Fomos ambiciosos ao ponto de querer ser mais do que todos os outros. Egoísmo o nosso de querer que o nosso nome fique acima daquele dos demais, talvez por medo de sermos esquecidos procuramos construir um legado maior que nós próprios, uma herança fundada e porventura sólida o suficiente para conseguir passar pelas marés do tempo e dos pensamentos dos que virão depois de nós, não ilesos, porque isso seria manifestamente impossível, mas sim vivos, ainda que fustigados pelo peso do tempo, que se impõe tão taxativamente nas nossas vidas e não perdoa nossos erros. Quisemos grandeza qual a sorte não dá, construímos os alicerces do legado que queríamos duradouro e estável, mesmo sabendo que não poderemos ser nós nem os nossos contemporâneos a adjetivar a nossa edificação. E mesmo assim fizemo-la, sem medos nem receios, remetendo para a posteridade o que a esta pertence, desprendendo-nos do futuro e presente juízo dos outros e escrevendo o que nos ia no coração, mesmo porque tínhamos consciência de que se escrevêssemos pensando que o nosso texto estaria sujeito ao aval de outrem, jamais conseguiríamos produzir enunciados que chegassem perto da fasquia que colocamos. Recusamos ser ovelhas num rebanho e também recusamos ser quem as guarda, dissemos que não ao simplismo e abraçamos a simplicidade, porque entendemos que a mensagem tem de estar ao alcance de todos e que coisas complexas, que o são por mero capricho, não possuem alguma razão de ser. Sentimos a necessidade de criar novas alternativas para dar a conhecer ao mundo a nossa visão, determinação e a nossa vontade de melhorar a cada oportunidade que se nos apresenta. Abraçamos quem, como nós, depôs a máscara e retratou (ou procurou retratar) aquilo que via com a curiosidade e fascínio da criança que fomos há tantos anos, essa que escondida permanecerá na nossa alma até ao dia da nossa morte. Quisemos que assim fosse para mudarmos o rumo das coisas, pois então continuemos a mudar o mundo à nossa volta, para evitar que o passado se torne, como tantas vezes sucedeu, o presente do futuro. É por isso que estamos aqui.

  • Um dia (não) hei-de te encontrar

    Um dia hei-de encontrar-te… Não. Afinal não, porque quem assim sonha já derrotado está. Já se sabe que não encontrará o que procura. “Um dia hei-de encontrar…” - assim começam quase todos os sonhos de amor e esperanças de amizade. Quem assim sonha, já está meio derrotada, já está meio desiludido, porque, em vez de esperar pelo encontro que deseja, já está a procurar. Imaginando parcialmente a pessoa que quer encontrar, como se ela já existisse, com as medidas que o coração encomendou, está a fechar-se a si mesmo. E assim se fecha também ao mundo.” Miguel Esteves Cardoso Por isso, não te preocupes, coração. Não te procuro, amor. Procuro não te procurar ou procurar-te com o maior despeito - o tanto quanto seja possível quando a ti me refiro e em ti penso. Sim… Porque tudo em ti é muito, e tudo em ti é pouco. Deixas-me simultaneamente completa e sedenta. Tens o dom de me encher e deixar sempre a ansiar por mais. ~ Alturas houve em que me questionaria se só tu serias capaz de me fazer sentir assim. Diria que te havia de (não) procurar a ti e a muito mais pessoas. Acreditava que podia acolher todos aqueles que pelo meu caminho se atravessassem e com os quais me identificasse. Só depois percebi que a ânsia que me fazes sentir, nada se iguala à ânsia que a Alice, a Carolina e o Diogo provocam em mim. Sim, fazem-me todos feliz, fazem-me todos ansiosa, desejosa do reencontro, mas nenhum faz a minha barriga contorcer-se de forma tão agradável. Só tu és capaz dessa proeza. Remóis as minhas entranhas, mas nunca me deixas enjoada. Oh! Quão enganada estava… Achava que o meu coração era grande o suficiente para que vivessem cá todos. Achava que a minha mão seria capaz de escrever cartas para dois, três, quatro - para quantos tivessem de ser - sem que se lhe formassem calos. Dizia, na minha ilusão de quem tem pouca experiência no mundo do amor, lamechas, que o meu coração não tinha ordem, nem andares, como um prédio tem. Não acreditava na existência de uma direita e esquerda, cima e baixo. Foste tu que me ensinaste que estava errada. Arruinaste as (não) fundações que tinha construído. Fui obrigada a começar uma obra e a reorganizar o fio de pensamento. Sim. Depois de não te procurar, encontrei-te. Mudou tudo, nessa altura. Percebi que, mesmo que o meu coração tivesse lugar para mais pessoas, tu serias sempre a peça central… Tu, meu amor, ocupaste não só o teu lugar, mas também o que estava guardado para tantos outros. ~ Talvez, quando o futuro assim o ditar, transformemos cada cavidade deste coração, que é nosso, num hotel. E tu serás o cliente que aluga um número de quartos interminável por um tempo indefinido... E não! Que ninguém te passe à frente na fila de espera! Eu aumento o preço da estadia e crio cartões VIP; faço descontos exclusivos e envio-os só para o teu e-mail; anuncio obras e não volto a dar notícias aos investidores. Porque, sim, eu aceito novos hóspedes, mas nenhum deles terá direito a um pacote tão especial quanto aquele que eu te prometo.

  • O Souto

    Quintela, Norte de Portugal Dezembro de 2019 No dia da sua morte, Alexandre César de Mello acordou por volta das sete e um quarto da manhã. Mesmo já estando reformado há uns bons dez anos, e por muito que quisesse colocar anos e anos de sono perdido em dia, o seu relógio interno mantinha o teimoso hábito da idade ativa de o despertar sempre às sete e um quarto em ponto. “É da idade pai”, dissera-lhe certa vez a filha, num dos muitos almoços de Domingo que tinham feito no seu palacete de Sintra, “chega a um ponto da vida em que já não conseguimos dormir as oito horas seguidas. Até eu já estou a começar a conseguir dormir só sete!”. Essa conversa entre os dois acontecera no início da reforma, quando o facto ainda o irritava. Agora sentia apenas resignação, o tipo de resignação que apenas a idade e o tempo são capazes de gerar. É a mesma resignação que faz com que o ser humano, com o aproximar da velhice, aceite que as pernas já não aguentam as longas caminhadas da juventude; aceite que o corpo, outrora vigoroso e pujante, se torne flácido, lento e mortiço; aceite que a luz brilhante da vida se está a enevoar, e que a morte, mais tarde ou mais cedo, o virá colher para o seu seio. É a resignação, em suma, que nos permite a todos viver os derradeiros anos da nossa existência com o mínimo de dignidade e paz. Levantou-se. Ao afastar o cobertor, sentiu o frio gelado do ar da serra entrar-lhe pelo pijama adentro, enregelando-lhe os ossos. Foi, a tiritar de frio e a tentar habituar a visão ao breu em que estava envolvido, até à porta do quarto buscar o roupão castanho-escuro que trouxera consigo de Lisboa, uns dias antes. Vestiu-o e esfregou os braços, sentindo a lã grossa aquecer-lhe as palmas das mãos e a pela que cobria. Tateou a parede ao lado da porta, até encontrar o interruptor da luz. Demorou uns segundos até a vista se habituar ao clarão amarelado, que revelou a divisão quadrangular que tão bem conhecia desde o berço: as paredes, outrora brancas como neve, agora com pequenas fissuras e manchas de humidade que o tempo entranhara e que nenhuma lixivia conseguia lavar, nem nenhuma tinta tapar; o velho roupeiro de madeira talhada, já semigasta, representando cenas campestres; a cama de casal com armação de ferro, comprada por ocasião do seu casamento; duas mesas de cabeceira, cada uma com um pequeno candeeiro de leitura; e a janela com vista para a praça central da aldeia, com a sua pequena igreja de pedra em destaque (há muito sem padre para dizer missa), e que agora filtrava a luz da iluminação pública por entre as portadas fechadas. Em cima da mesa de cabeceira do lado onde dormia, estava um exemplar inglês, que devia datar de finais dos anos 60, do livro “Declínio e Queda do Império Romano”, que devorara na lua de mel, e que decidira reler, cumprindo a promessa de que, atingida a reforma, e a não ser em casos muito excecionais, ia passar os últimos anos da sua existência a dedicar-se à leitura exclusiva dos livros de que mais gostara, ou que o transportavam para os momentos felizes da sua vida. E aquele era um desses. Saiu do quarto. Da janela das escadas chegava a luz alaranjada da iluminação pública, que projetava, graças à chuva, uma claridade líquida para o corredor do primeiro andar. Depois de uma rápida olhadela pela janela, para constatar que o sol ainda só muito timidamente se começara a mostrar na paisagem montanhosa, Alexandre foi para a casa de banho. A sua figura no espelho parecia mais velha do que os seus 76 anos fariam parecer: a barba grisalha, por aparar, amarelada em torno da boca, fruto de pelo menos uns 60 anos de tabagismo (tinha como princípio de que, no que aos vícios dizia respeito, e fossem eles de que natureza fossem, o melhor era começar cedo: ou eles nos matavam e arruinavam, ou éramos capazes de lhes sobreviver e de os levar até ao fim); as rugas profundas em torno dos olhos, na testa, em redor da boca, a maioria cavadas nos últimos cinco anos; o cabelo ralo, também grisalho; a tez quase fantasmagórica; a postura curvada, quase cansada… Tudo sinais do tempo, de um tempo que não tinha sido gentil consigo e com o seu aspeto. Quando jovem, e recordava-se muito bem desses anos, antes e depois do casamento, antes e depois de Lisboa, antes e depois do dinheiro, antes e depois de Quintela e daquela casa passarem a ser um mero local de férias e não residência fixa, a sua figura impunha respeito. Fora um mancebo alto, corpulento, com um tom de pele oliva, com uma farta cabeleira castanho-escura, e uns olhos azuis intensos, que ficaram registados em centenas de fotografias da adolescência, do casamento, da formatura, enfim, de uma vida. Enquanto saia da casa de banho e descia as escadas para o rés-do-chão, refletia, não sem algum sentido de humor, na reação que tivera quando percebeu que ia ficar careca: tudo começou quando, numa foto da lua de mel em que estava de costas, percebeu que se estava a abrir uma pequena clareira na nuca. Apesar da preocupação inicial, decidiu atribuir a dita clareira à iluminação. Mas a verdade é que, com os anos, a clareira foi expandindo, passando de uma impressão numa fotografia, para uma quase angústia, a angústia de um homem que tinha altas doses de vaidade. Só verdadeiramente deixou de se preocupar com a “questão capilar”, como lhe chamava então, num dia em que, tendo acabado de fazer amor com a esposa, se pôs a sentir a clareira com a ponta dos dedos, como se tornara seu tique, e a esposa (chamava-se Leonor), cansada da aflição em que via o marido afundar-se, lhe agarrou na mão, se virou para ele, colocando o seu corpo nu ligeiramente em cima do dele, e, olhando-o profundamente com os seus olhos castanho-esverdeados, lhe disse num tom de voz ao mesmo tempo firme e terno: “Meu amor: lembras-te do dia em que nos conhecemos? Estava uma chuvada desgraçada, os jardins do Campo Grande e da Cidade Universitária eram um lamaçal gigantesco, não se via vivalma. Eu estava a caminho de casa dos meus pais, nas Avenidas Novas, a andar muito calmamente, até que passam por mim a correr dois rapazes; o segundo, tu, em perseguição do primeiro, enquanto gritavas, desesperado: “Filho da mãe, devolve-me a carteira, devolve-me a carteira!””, a imitação de Leonor da sua voz arrancou risos aos dois. “Perco-vos de vista, e uns metros mais à frente só chego a tempo de ver o tipo que te roubou a esgueirar-se por uma esquina, enquanto tu te estatelavas monumentalmente numa poça de lama. «Na altura fiquei com tanta pena que te levei, quase a coxeares, até casa dos meus pais. Coitado do meu pai, ficou lívido quando te viu…. Sabes o que me impressionou mais em ti nesse dia? O que me fez realmente ficar caidinha? Foi a tua confiança. Ali estavas tu, coberto de lama, assaltado, impossibilitado de voltar para casa, e, no entanto, mantinhas esse teu sorriso impassível, e tinhas os olhos brilhantes, cheios de vida…. Foi nesse momento que soube que te amava, que queria este rapaz, a quem um dia de azar dá vontade sorrir, para o resto da vida ao meu lado, porque sabia que se conseguisse tê-lo, mesmo nos dias de tempestade, ia ter raios de sol a despontar no céu. E não é uma clareira na nuca, nem um sinal no nariz, nem sequer a desfiguração mais grotesca que possas imaginar, que vai mudar esse sentimento.”. Sem dizer palavra, e mais seguro do que alguma estivera ou viria a estar, Alexandre beijou Leonor intensamente, certo de que jamais amara tanto ou fora tão amado. * Sorriu, um sorriso nostálgico, com laivos de tristeza e saudade, recordando essa noite. Lá fora, o dia clareara e deixara de chover, apesar de se manter o frio cortante característico daquelas paragens; o mesmo frio que, quando pequeno, enfrentara todas as manhãs em que tinha de ir para a escola no Outono e no Inverno, com um sorriso de desafio no rosto. Antes de sair, foi sentar-se na velha poltrona de veludo que tinha na sala, olhando com solidão para a poltrona ao lado da sua, que estava agora permanentemente vazia, e onde se esforçava por encontrar, todos os dias, antes da sua caminhada, a sua Leonor, ou tapada com uma mantinha, sonolenta à luz da lareira, ou a ler um dos seus muitos livros, agora todos guardados na cave do palacete ou espalhados pelas casas dos filhos. Ao levantar-se e dirigir-se para a porta da rua, não resistiu a olhar de relance para as fotografias posadas no móvel que estava ali desde o tempo dos pais, e que registavam momentos dos Verões dos anos 70 e 80, quando ia para Quintela de férias com a família. Bons tempos aqueles! Tudo começava no primeiro dia de agosto, com uma viagem que tinha início por volta das seis da manhã, e que se estendia por umas oito ou dez horas, dependendo da quantidade de paragens. Depois seguiam-se quinze dias de uma alegria irrepetível, daquelas que só se tem um punhado de vezes na vida, e nunca mais, com grandes jantaradas de amigos no vasto jardim da casa, com o pôr-do-sol a dar um tom arroxeado ao céu como pano de fundo; grandes caminhadas pelos campos, caminhos, rios, ribeiros e tudo o que se possa imaginar, da região; idas a Lamego, Chaves, Guimarães, e pulinhos a Braga e ao Porto; serões em que ficava na varanda do quarto dos pais - entretanto trancado e entregue ao pó e aos fantasmas por morte dos seus ocupantes -, com vista para o jardim, a tocar numa guitarra para os seus filhos e para a esposa, que o ouvia enquanto estendia a roupa e que de vez em quando gritava um bravo de incentivo; e, claro, a antecipação e planeamento da segunda quinzena de agosto, inevitavelmente passada no Algarve, e para onde os filhos tanto gostavam de ir nadar em água salgada e mar aberto, muito mais espaçoso e quente do que o tanque de rega convertido em piscina de que dispunham em Quintela. Foram outros tempos, outras idades. Agora descia a velha estrada de lama que atravessava a aldeia como uma artéria, indo em direção ao souto, um dos terrenos propriedade da sua família. Ao todo, seriam uns cinquenta terrenos para cultivo, espalhados por toda a região em redor da aldeia, e cujos rendimentos, em tempos, permitiram uma condição de vida confortável e razoavelmente abastada a Alexandre e aos pais. Mas isso também fora noutros tempos. Agora não eram mais do que pedaços de terra onde as urtigas e as ervas daninhas reinavam. Depois dos pais morrerem, em meados dos anos 90, Alexandre ainda pensara dar uso aos terrenos, construir qualquer coisa, arrendá-los a quem os quisesse trabalhar. Mas todos os planos saíram gorados: rendeiros, nunca apareceram; e quanto a construções, e depois de feitas as contas, Alexandre desistiu da ideia. Apesar de tudo, continuava a ser proprietário de uma quantidade de terra invejável, principalmente pelos padrões nortenhos. Após uns quinze minutos a caminhar, uma dor nas pernas e no peito obrigaram-no a andar mais de vagar, apoiando-se no muro musgado que cercava o souto pelo lado da estrada. O céu estava de uma cor triste, com nuvens cinzentas a formar uma espessa camada sobre a atmosfera, que aqui e ali se desfiava para deixar entrever um azul-ferrete, mais próprio dos dias de Verão que dos de Inverno. Uma brisa húmida atravessava a estrada e os campos, levando consigo o cheiro a terra e erva molhada que impregnava o ar. Ao chegar à entrada do souto, uma cancela de madeira apodrecida que há muito deixara de ter préstimo, Alexandre contemplou o pequeno terreno, relativamente maltratado: na maioria da sua extensão, não era mais do que um amontoado de ervas, terra batida e pedras; no entanto, duas coisas saltavam à vista. A primeira estava ao fundo, do lado esquerdo, de quem entra, um velho barracão, que outrora servira para guardar os equipamentos da lavoura, mas que agora se assemelhava mais a um amontoado de ruínas, com o teto quase todo desabado e as paredes semidestruídas; a segunda estava junto ao riacho que corria perpendicular ao terreno, um moinho de água, milagrosamente intacto e ainda em relativo bom estado. Foi para lá que Alexandre se dirigiu. Ao adentrar na atmosfera sombria do moinho, recordou-se de uma vez, há muitos anos, em que ali levara Leonor. Era Verão, com um tempo inclementemente quente, e era a primeira vez dela no Norte. Depois de uma manhã inteira a caminhar pela serra, a visitarem os terrenos da família de Alexandre, resolveram parar para descansar no souto. Para se refrescarem, abrigaram-se na sombra do moinho de água. Leonor sentou-se na cadeira que ficava junto à porta, iluminada pela luz que penetrava pela pequena janela quadrangular na parede oposta. Alexandre sentou-se no chão, na penumbra, olhando para ela, para os seus cabelos loiros apanhados num rabo-de-cavalo, para o seu corpo magro e elegante, para as suas pernas longas e bem feitas, de uma pele macia e levemente bronzeada. Passado um longo momento, em que Leonor ficara de olhos fechados, ligeiramente a arfar de cansaço, ele disse, em voz embevecida: “Eu amo-te”, ela abriu os olhos e começou a sorrir para ele, os verde da iris a brilhar. “Conheci-te na situação mais humilhante possível, coberto de lama e roubado, e tu desde o primeiro momento cuidas-te de mim. Desde o primeiro momento foste incansável no amor que me dedicaste, sem um queixume, sempre disponível. Tem sido assim sempre nestes últimos seis anos. Cada dia que passo contigo, cada carta que trocamos, cada filme que vemos, cada passeio que damos, cada beijo que partilhamos é uma certeza que cresce dentro de mim, a pouco e pouco, de que quero que sejas tu a mãe dos meus filhos, o meu nascer do sol todas as manhãs, a minha lua todas as noites, a minha estrela polar quando me sinto perdido. Nunca conheci ninguém como tu, e sei que não vou conhecer… Acima de tudo, sei que não fores tu, não será mais ninguém. Sei que não te posso perder”. Alexandre levantou-se e, muito lentamente, sempre a fitar Leonor nos olhos, foi até ela e ajoelhou-se, retirando um anel do bolso: “E é precisamente por não te querer perder que te perder que te pergunto meu amor: queres casar comigo?”. A recordação da alegria dela nos momentos que se seguiram deu-lhe um aperto de nostalgia no coração. Estava no interior do moinho, agora gelado e solitário, e quase que conseguia ouvi-la a dizer sim novamente, repetidas vezes; quase que conseguia voltar a sentir o seu abraço e os seus beijos de felicidade. Saiu do moinho a sorrir, um sorriso triste, enquanto refazia o itinerário de há tantos anos, de volta a casa. Ao longe, um relâmpago rasgou o céu e fez soar um trovão, sinal seguro de que ia chover. Alexandre sentiu uma fisgada no coração. O respirar tornou-se mais difícil, as pernas tornaram-se chumbo. A visão começou a ficar turva. Quase junto ao portão de madeira apodrecida, tombou. A última coisa que viu antes de apagar foi o velho moinho de água onde a sua vida tinha realmente começado. Quando a chuva começou a cair, já estava morto.

  • Um Domingo

    Me lembro de ter esfregado os olhos, ainda era escuro. Parecia que o sol também queria ficar só mais cinco minutinhos deitado. Ele acordava devagar, abria os olhos lentamente com resistência. Aos poucos o céu e o meu quarto iam clareando. A cidade dormia enquanto Eu e o sol preguiçoso relutavamos em nos levantar. Depois de virar para lá, virar para cá e nada do sonho voltar de onde parei... tenho certeza de que os meus dois olhos abriram. Posso afirmar que os do sol também. Já havia movimento nas ruas, nos meus pensamentos, nos prédios. Dessa vez eu desliguei o meu despertador, já o sol aumentou o volume do dele. Tinham tantos passarinhos que eu cheguei a questionar-me se havia acordado na cidade. Hoje Observei cada coisinha ainda deitada. Me aproveitei do despertador alheio. E o vi acordar. Acordamos juntos, devagarinho e tentando nos agarrar ao travesseiro. Neste domingo preguiçoso, Acordei com um sol mais ainda.

  • Poemas Soltos

    Pedro João era o nome do seu bisavô, Pedro é o seu próprio. À moda da lusa ruralidade, É tratado pela vizinha idosa comunidade, Pelas senhoras como grande garanhão, E por todos como Pedro João. Dezoito anos de vida. Nortenho de coração. Em beleza e cultura, Se banha o Pedro João. Um metro e oitenta, Português de imigração. Em perfume e boa roupa, Se ducha o dito Pedro João. De todas as habilidades que Três anos na Gália lhe deram, Destacam-se, Ser cortês, Ter mundo, E falar francês. O passado Dos quatorze aos dezassete Morou na Cidade do Amor. Foi Paris que assistiu Ao crescimento, Desenvolvimento E descobrimento, Do até então, Inocente Pedro João. Das ocasionais bebedeiras, Às grandes fumaradas, E até pequenitas ilegalidades. O que, ao recuar e refletir, Realmente o marcou, Foram as grandes aventuras No campo do amor. Neste tudo tentou, Em público ou privado, Com as suas garinas citadinas. Na escola era uma vergonha, Mas para elas nunca estava desmotivado. Quatro namoros e tantas outras, Tanta ação Paris lhe vira encetar, Que não admirava Se Capado tivesse o seu Morgado ficado. Estranho Paradoxo O regresso do nosso garanhão, Do nosso Pedro João, À sua terra natal, Deu-se há alguns meses. Era janeiro quando regressou a Portugal. Frio de rachar E o seu quarto fazia questão De o tentar congelar. Por cá viu-se obrigado, Ao 12° ano acabar. E por aqui se tem visto, O luso paradoxo deste João. Na sala de aula, Ladino passou a ser. Com as garotas, Sorte deixou de ter. Pobre Pedro João, Tanto patrocinou o regresso a Portugal, Para com o seu existencial pilar, Deixar de ficar. Os pais ainda o tentam animar, Da futura universidade Não param de falar. Mas a única coisa que o filho quer, É uma rapariga para amar. Momento Notificativo De pobre em pobre, Quase caímos no erro De pensar que em pobreza Vive este rapaz. Esta só no amor se verifica. Dinheiro, ao Pedro João, Nunca faltou. Por este nunca chorou, Nem laborou. Da independência que João tinha, Nenhum outro moço se podia gabar. Este é também o maior sintoma Da falta de amor do seu lar. Por isso ficou o Pedro João Muito surpreendido quando Sobre a sua infelicidade, viu pai e mãe falar. Abriu o seu Instagram E saltou com a notificação. Uma bela Inês lisboeta, Que coisa linda! Pediu para a seguir E ela prontamente aceitou. Terá sido o sinal? Santa notificação! Procedeu imediatamente João, A dar like numa foto da Inês E do seu cão. A traição O Pedro João é um amor, E está apaixonado Quer muito atirar-se, Sem querer parecer forçado. Entre ele e o alvo, Há um pequeninho problema, Com 300 quilómetros de extensão. Mas não desiste, Mesmo lisboeta, A gata é um avião. Por isso, entre as DM do Instagram, E ocasionais chamadas de voz. Fica, coitado, Continuamente em desalento, Por continuar só. Finalmente, Nem quer o João acreditar O avião aceitou Por ele ser pilotado. Dia Sim, Dia Não, Lá vai ele, Lá vai o Pedro João. Ver a pessoa amada, A que se diz apaixonada. Não sabe, porém, o João, Que o seu tão lindo e emocionante amor, Não é em nada correspondido. O pobre Pedro João, Não sabe que a cada Dia Não, A pessoa amada, A que se diz apaixonada, Recebe sozinha na sua casa, Outra que, tal como o pobre João, É tão ou mais aldrabada. Pobre Pedro João. Não merece o que lhe faz, A pessoa amada, A que se diz apaixonada.

  • O que significa para ti a JurisTuna?

    "O que significa para ti a JurisTuna?" Muitas vezes tentei responder a esta pergunta, mas parece que nenhuma resposta que dê será alguma vez suficiente para abarcar tantos sentimentos... A JurisTuna, antes de mais, é uma família, no sentido mais profundo da palavra. Como em qualquer família, temos os irmãos de quem somos muito próximos, os pais que nos acompanham a cada passo, os tios mais afastados que vemos de vez em quando, aquele primo em quarto grau com quem estamos sempre a embirrar... Mas, no final do dia, todos sabemos que não deixamos de ser uma família, forte e unida. E é isso que se respira a cada ensaio, a cada atuação, a cada convívio. Juntei-me à JurisTuna logo no início do meu ano de caloira, e muitas vezes me ouviram dizer, no final desse mesmo ano, que foi a minha melhor escolha. É impossível falar naquilo que a tuna significa para mim, sem pensar em tudo o que ela "me deu". Além de me ter dado esta tal "família" dentro da faculdade, deu-me também um espaço seguro, repleto de pessoas boas e divertidas, onde se respira (boa) música e onde posso deixar para trás o (muitas vezes duro) mundo do Direito e esquecer todos os problemas durante umas horas. Como eu costumo dizer: "não há tristeza nesta vida que um ensaio da tuna não cure"! Desde que me juntei à JurisTuna, conheci colegas de outros anos que hoje em dia são das pessoas mais importantes da minha vida (e que caso contrário não teria conhecido), aproximei-me muito de (hoje) grandes amigos meus, e sinto verdadeiramente que cresci ao lado de todos eles... A tuna ensinou-me muito sobre muita coisa. Ajudou-me a perder alguma da minha timidez inicial e a integrar-me na faculdade, permitiu-me voltar a cantar, incentivou-me a aprender um instrumento, levou-me a conhecer sítios novos, fez-me viver novas experiências, e deu-me uma sensação de pertença no meio do ambiente por vezes intimidante do primeiro ano de Direito. Este ano aceitei o desafio de pertencer ao Conselho de Tuna, ao lado de pessoas incrivelmente empenhadas e talentosas, e quis o destino que me tornasse recrutadora. Por isso, aquilo por que mais anseio é ver uma nova geração a entrar na JurisTuna, para seguir um projeto pelo qual tenho já um enorme carinho e levá-lo ainda mais longe e a sítios ainda mais bonitos... Assim sendo, todos os que tenham curiosidade em perceber se a JurisTuna pode ser o seu lugar, estão convidados a vir ao nosso ensaio aberto anual, que ocorrerá no dia 27 de setembro (terça feira), às 17h30, na sala dos núcleos! Quer saibam cantar e tocar, quer não, desde que venham com paixão e vontade, por vós esperamos. VAI TUNA!

  • para os caloiros

    Caloiros, Sejam bem-vindos. Para os que puseram a nova como primeira opção, parabéns. Para os restantes, deem-nos uma oportunidade, que isto não é mau de todo :) Estou a escrever-vos como alguém que já viveu o que vocês agora vivem. E digo-vos já. Não há ano como o primeiro. Não há nada como ser caloiro. Mas isso vocês verão. Por agora, aqui vai uma rajada de informação aleatória que – talvez (esperançosamente) – vos servirá para alguma coisa. Primeiro, há sempre aviões a passar. Vão reparar nas pausas nos discursos e nas interrupções das aulas porque o som das máquinas voadoras abafa as vozes. Eventualmente, irritar-vos-á. Ou então não. Também há muito verde. Posso garantir-vos que muitos dos momentos de que se vão lembrar vão ser passados no relvado. Ocasionalmente, vão encontrar alguém com uma guitarra; vão encontrar transeuntes a passear os seus cães; vão encontrar crianças a vir e a ir para a escola. Mas mais importante, é nestes jardins que vão passar pela praxe, pelas festas, por piqueniques e por tardes sem aulas em que o sol de inverno está quente e sabe bem estar deitado só a existir. De certeza que o conhecem se seguem a conta de instagram da nova sol. Mas as fotos não fazem jus à sua beleza. É preciso ver de perto. A verdade é que vão ver menos pessoas do que provavelmente imaginavam. A faculdade é pequena, e dentro da sua pequenez, mais pequeno é o núcleo de pessoas envolvidas em projetos e atividades extracurriculares. Isto vai, potencialmente, fazer-vos confusão. Mas faz com que seja mais fácil conhecer pessoas, e com que haja uma intimidade maior em todos os momentos que são marcos da vida académica, porque a partilha é interior à comunidade da faculdade. A vantagem mais pragmática de sermos poucos alunos é que a proximidade com os professores é completamente diferente. E sei que isto é muito badalado mas é a verdade: se tivesse de referir algo em que sinto que a nova é diferente de todas as outras faculdades, seria a dinâmica dessa relação Professor-aluno. Há uma coisa que não posso deixar de dizer: Direito na nova pode ser muito mais do que Direito. Também pode ser só Direito, e não tem mal. Mas à volta da licenciatura há mesmo muita coisa a acontecer. O conselho aqui é irem dar uma olhada nos núcleos; são eles que vão – talvez (esperançosamente) – manter-vos sãos. Que mais... Os Serviços Académicos vão deixar-vos desesperados. Vai haver dias em que ir da faculdade ao metro parece uma travessia – o cansaço acusa, ainda por cima numa cidade como Lisboa, que tem tanto de estimulante como de exasperante (perdoem-se nos dias em que perderem o autocarro, ou o passe, ou a vocês próprios; tenham paciência nos dias em que demorarem hora e meia a chegar a casa, e nos dias em que perderem duas horas no supermercado; o bom vem sempre acompanhado do mau). Aulas que não sejam nos anfiteatros são aulas em que a internet é um bocado preguiçosa. Quem passa pela nova sol tem de passar pelo São Paio: café, restaurante, ou destino predileto dos alunos de Direito a qualquer hora do dia, é nas mesas da esplanada que pousamos os copos, e com eles as nossas preocupações. O pão de queijo do bar da reitoria ‘tá bom e recomenda-se. Toda a gente sabe de tudo, e isso é inevitável – importante não esquecer. Um curso não é, de todo, uma coisa definitiva; tudo muda, incluindo nós mesmos, e está tudo bem. Não há nada como uma saúde bem mandada para alegrar o vosso dia. Os exames são na generalidade obrigatórios, mas são anónimos – uma das maiores vantagens do sistema de ensino da nossa faculdade. Em contrapartida, não há época de recursos. O que é um bocado chato, não vou mentir. Mas são as benes (podem procurar pelo significado no Priberam, ou no dicionário jurídico, mas será em vão), o cúmulo do espírito estudantil da nova sol. Sobre o cartão de estudante, esqueçam, grande quid iuris. Madrinhas e padrinhos e famílias de praxe há aos montes. Aplica-se aqui o mesmo que se aplica no filme da abelha: somos todos primos; o mais provável é que venham a ter um padrinho que é, descobrem depois, vosso avô de praxe (e dos pedidos mais aleatórios saem as relações mais bonitas, acreditem). Como há muita gente de fora, acabam o ano com casas em sítios que nem sequer sabiam que existiam. Há, sim, intervalos nas aulas de três horas (mas é preciso coragem na mesma). E claro, estudar Direito é muito desafiante, mas muito recompensador – quando dizem todos orgulhosos que estudam Direito só não contem das vezes em que quase queimaram os livros. Aproveito para aconselhar fortemente que deem uma oportunidade à praxe. Quem vos escreve é alguém que entrou na praxe de pé atrás e que lhe é hoje muito grata; as minhas melhores memórias do primeiro ano são de momentos em contexto de praxe; as minhas pessoas – esses seres humanos que iluminam as estradas tortuosas do Direito – foram, muitas delas, pessoas que a praxe me deu. Vão dizer-vos muitas coisas: que vão ser agentes de mudança, e a antítese do burocrata, e que vão aprender a pensar o Direito. Tudo verdade, com a motivação (e o coração) no lugar certo e algum (bastante) trabalho. Mas de entre todas as coisas que vão ouvir, nada é mais certo: as pessoas que estão ao vosso lado no primeiro dia podem vir a ser os vossos amigos para a vida. Se formos da espécie mais pessimista, dizemos que eles podem vir a ser os vossos melhores amigos durante estes quatro anos (porque a vida é comprida demais). Eu lembro-me de duvidar muito quando me diziam isso. Mas enganei-me. A faculdade é sobre as pessoas. E isso pode significar várias coisas, mas para mim significa isto: fica difícil sobreviver a épocas de exames se não tivermos alguém que ature as nossas dúvidas, lamúrias, e desesperos; traçar a capa não é a mesma coisa se não virmos os nossos amigos traçados também; não é igual voltar à faculdade depois da páscoa ou do natal se não tivermos um abraço à nossa espera; no fim, não adianta ter um diploma se não tivermos alguém que deite uma lágrima ao nosso lado e beba um copo de celebração connosco. Direito é Direito, e tem um brilho inexplicável. Mas o brilho só se torna inesquecível se o partilharmos com alguém. De resto, aproveitem tudo o que o vosso primeiro ano vos der – guardem também o mau, que as marcas de guerra contam boas histórias. E que esta faculdade seja um trecho bonito do vosso caminho. Da minha parte, recebo-vos de braços abertos naquela que é – na maior parte do tempo – a minha segunda casa. Boa sorte, caloirinhos. E vejam lá, que são futuros juristas. Vejam as notícias e peçam faturas; é o mínimo.

  • (IN)CERTEZAS

    Uma vida cheia de dúvidas Constantes como os altos e baixos De uma angústia prevalecente E de uma confiança dúbia Quando mais está certo Menos é ele próprio E quando está errado Menos ainda Apesar de uma ansiedade permanente Tenta viver a sua vida calmamente É disfarçada, antes nem existisse Por todo o passado que o retém sem ele querer Libertar-se de tudo isso e simplesmente viver Parece tão inatingível para ele e tão fácil para os outros O único inimigo dele é a sua própria mente E por muito que tente não o consegue contornar Ou pelo menos é assim que tem sido até agora Porque nunca perdeu a esperança de melhorar Será doença? Ou será delírio? Acredita na segunda, mas gosta de pensar na primeira Ao menos seria justificável

  • Enquanto continuamos indiferentes...

    “Este mundo está perdido” Dizem as pessoas no café Em conversas sem sentido Que me roubam a fé Após horas a trabalhar Em cadeiras desconfortáveis Mais um dia a batalhar A verem as suas vidas imutáveis Este é o retrato à nossa volta Esta é a nossa utopia mutilada Onde a mente precisa de escolta E nunca é libertada Onde os jardins têm grades E as flores empalidecem E os olhos choram saudades De realidades que não conhecem Onde não chove há anos Mas o céu continua cinzento Onde os rostos são medianos Indiferentes com aborrecimento Onde a paixão se esvaiu Em troca da neutralidade E até o amor se extinguiu Para dar lugar à imparcialidade Mas que grande infelicidade! Viver completamente desapaixonado Nesta condição de imobilidade Como se estivesse hipnotizado… “Este mundo está perdido” Enquanto assim o deixarmos Enquanto viver escondido O desejo de o melhorarmos Enquanto abafarmos os nossos gritos E escondermos os nossos sorrisos Enquanto nos fizermos de cabritos A pastar na relva submissos Enquanto não acender a chama Que vive em cada um Aquela parte de nós que ama Aquela que tem senso comum… Enquanto nada disso acontecer, Assim permaneceremos Desunidos e frios a entristecer A pensar como sobreviveremos E tudo isto subsistirá Nos nossos olhares dormentes E nada mais existirá Enquanto continuarmos indiferentes…

  • Sem título

    … Come – … Começar – … Começar a – … … Começar é difícil. Principalmente o dia, que é o começo de todos os outros começos bem vistas as coisas. Talvez por isso fique na cama, olhando o ar e comendo poeira. Só me levanto se a fome for mais forte, e por aí já é noite. O tempo passado na cama é sagrado, protegido das rotinas do dia, rotinas que à noite me fazem molengar voltar à cama, e assim fico acordado até altas horas: o renascer do dia, da rotina, da puta da rotina, da rotina que no fundo é uma montanha, é só dar o primeiro passo e vamos a rebolar encosta abaixo, a alma sangrando pelo caminho. O primeiro passo custa. Talvez o começo me mate por pegar na minha cabeça e atirá-la contra a calçada da realidade. Até começar, tudo é possível, e todo o mundo é fruto e posse da minha imaginação, imperador-deus-césar supremo, juiz, júri, carrasco. Mas quando começo, apercebo-me: sou só António, e o que faço não é o que imagino. E o discurso que fiz vira confissão desajeitada, e os meus dedos demasiado fracos fodem a fuga de Bach, e… E… … O meu reino limita-se aos quatro cantos do meu colchão. E dele não saio. E não começo. Acho que é por isso que a morte me fascina desde criança: o fim dos começos. Mais, o começo eterno, com uma inércia tão esmagadora que nem tenho de dar o primeiro passo. Eu amo finais. Mas. Isso significa que. Tenho de dar o primeiro passo para chegar ao sopé, se quero atingir os meus fins, os que me farão verdadeiro rei de algo de valioso. Portanto tenho de começar. Tenho de… … Começar a escrever.

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