1, 2, 3...
- Catarina Rodrigues
- Apr 1
- 2 min read
1,2,3…1,2,3…1,2,3…
Conto os passos que dou sem tocar as cores distintas que estão na calçada, um hábito que nasceu em mim desde pequena, acho que já todos o fizemos…
As pessoas passam por mim com pressa, às vezes também sou como elas, na verdade, também deveria andar mais depressa…
“Olá”
A minha pele contrai e sei que as minhas bochechas devem estar mais vermelhas, está frio, e as minhas mãos também são prova disso, nunca as senti tão frias como agora...
“Olá!”
Sim…deveria acelerar o passo, vou perder o autocarro, mas…Não quero voltar para casa, não, não tão cedo.
“Estou a falar contigo”
1,2,3…1,2,3…
Retorno ao jogo até chegar ao fim da calçada e começar a descer as escadas.
1,2…1,2…1,2…
Um pé em cada degrau até chegar à paragem do metro.
Aqui está mais quente, também há mais gente, sim, sem dúvida mais gente, mas ninguém parece se importar muito com isso, estão todos tão perdidos…como eu…
E eu sinto-a respirar no meu pescoço e retorno a olhar para o chão, o ruído dos carris faz-se ouvir, os corpos juntam-se mais e, em uma disputa ridícula, enfiam-se como sardinhas enlatadas no metro.
“Vais mesmo me ignorar-me?”
Uma…duas…três paragens é o que leva até ao meu destino e o processo repete-se.
1,2…1,2…2,3,1…1,2,3…
Sinto o meu rosto molhado e quando vou a ver o chão está molhado e as pessoas correm, correm para não se deixarem molhar, e eu ando, ando sem pressa, sentindo aquela presença que nunca me abandona atrás de mim.
O relógio no meu pulso diz-me que há horas que o meu autocarro se foi, suspiro e vejo a pequena nuvem se formar diante os meus lábios.
Agora são mais 30 minutos à espera. À espera de algo que não queria esperar.
“Sempre podes ficar”
Sinto a garganta queimar com o fumo que agora me preenche os pulmões. Pulmões que a cada dia que passa mais obscuros ficam…consequências de um vício…assim como a brincadeira da calçada, não sei muito bem quando surgiu.
+ 15 minutos, + 15 minutos e estou em casa…
+ 15 minutos…
Não queria que faltasse tão pouco, mas não queria senti-la atrás de mim…ela está sempre aqui…à minha espera…
E aqui vamos nós outra vez…
1,2,3…1,2,3…
1,2,3 carros vermelhos que passam na rua
“mas diz-me uma coisa, porque é que não queres falar comigo?”
+ 5 minutos…
Já há mais gente na minha paragem, e já vou no meu terceiro cigarro e eu continuo sem querer entrar neste autocarro…
As minhas mãos continuam frias e a chuva continua.
E esta presença continua aqui atras de mim.
+ 1 minuto…
O autocarro está aqui, as pessoas começam a entrar.
“Sabes que nunca é tarde de mais para desistir?”
Um sorriso se forma nos meus lábios quando cumprimento o senhor do autocarro.
“Antes ir para casa do que estar aqui contigo”
Penso para mim mesma enquanto me sento a olhar pela janela a ver a minha companheira de viagem do outro lado da paragem.
“Sabes que amanhã vou estar aqui…”
“Sim… mas pelo menos hoje ficas por aí”
Comments