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1, 2, 3...

1,2,3…1,2,3…1,2,3…

Conto os passos que dou sem tocar as cores distintas que estão na calçada, um hábito que nasceu em mim desde pequena, acho que já todos o fizemos…

As pessoas passam por mim com pressa, às vezes também sou como elas, na verdade, também deveria andar mais depressa…

“Olá”

A minha pele contrai e sei que as minhas bochechas devem estar mais vermelhas, está frio, e as minhas mãos também são prova disso, nunca as senti tão frias como agora...

“Olá!” 

Sim…deveria acelerar o passo, vou perder o autocarro, mas…Não quero voltar para casa, não, não tão cedo.

“Estou a falar contigo”

1,2,3…1,2,3…

Retorno ao jogo até chegar ao fim da calçada e começar a descer as escadas.

1,2…1,2…1,2…

Um pé em cada degrau até chegar à paragem do metro.

Aqui está mais quente, também há mais gente, sim, sem dúvida mais gente, mas ninguém parece se importar muito com isso, estão todos tão perdidos…como eu…

E eu sinto-a respirar no meu pescoço e retorno a olhar para o chão, o ruído dos carris faz-se ouvir, os corpos juntam-se mais e, em uma disputa ridícula, enfiam-se como sardinhas enlatadas no metro.

“Vais mesmo me ignorar-me?”

Uma…duas…três paragens é o que leva até ao meu destino e o processo repete-se.

1,2…1,2…2,3,1…1,2,3…

Sinto o meu rosto molhado e quando vou a ver o chão está molhado e as pessoas correm, correm para não se deixarem molhar, e eu ando, ando sem pressa, sentindo aquela presença que nunca me abandona atrás de mim.

O relógio no meu pulso diz-me que há horas que o meu autocarro se foi, suspiro e vejo a pequena nuvem se formar diante os meus lábios.

Agora são mais 30 minutos à espera. À espera de algo que não queria esperar.

“Sempre podes ficar”

Sinto a garganta queimar com o fumo que agora me preenche os pulmões. Pulmões que a cada dia que passa mais obscuros ficam…consequências de um vício…assim como a brincadeira da calçada, não sei muito bem quando surgiu.

+ 15 minutos, + 15 minutos e estou em casa…

+ 15 minutos…

Não queria que faltasse tão pouco, mas não queria senti-la atrás de mim…ela está sempre aqui…à minha espera…

E aqui vamos nós outra vez…

 1,2,3…1,2,3…

1,2,3 carros vermelhos que passam na rua

“mas diz-me uma coisa, porque é que não queres falar comigo?”

+ 5 minutos…

Já há mais gente na minha paragem, e já vou no meu terceiro cigarro e eu continuo sem querer entrar neste autocarro…

As minhas mãos continuam frias e a chuva continua.

E esta presença continua aqui atras de mim.

+ 1 minuto…

O autocarro está aqui, as pessoas começam a entrar.

“Sabes que nunca é tarde de mais para desistir?”

Um sorriso se forma nos meus lábios quando cumprimento o senhor do autocarro.

“Antes ir para casa do que estar aqui contigo”

Penso para mim mesma enquanto me sento a olhar pela janela  a ver a minha companheira de viagem do outro lado da paragem.

“Sabes que amanhã vou estar aqui…”

“Sim… mas pelo menos hoje ficas por aí”


 
 
 

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