Dizem que viver é saber parar, saber apreciar a calma enquanto o mundo à nossa volta se mostra progressivamente mais caótico. Mas se viver é apreciar cada momento, por mais fugitivo que ele seja, como é que é suposto saber parar? Se a vida é para ser experienciada em paz, porque é que tudo tem de me causar tanta confusão? Porque é que o barulho dos carros e das pessoas que só estão a viver a sua própria vida me deixa ainda mais inquieta do que o normal? Porque é que a felicidade nos acelera o coração, mas todos dizem que causa uma sensação de paz sem igual? Mais, porque é que estar parada me traz tudo menos paz?
Respiro fundo, está tudo bem. Talvez pensar demasiado no que é viver não seja a chave para o fazer. Talvez tentar passar para palavras sensações que não compreendo não seja possível. Talvez. Estou farta do talvez, estou farta de não saber como parar enquanto continuo em movimento e não consigo mais estar em movimento sem conhecer um momento de paz. Nem a paz de estar parada, nem a alegria de não estar.
A arte de viver na fuga constante do que é suposto fazer é a única que domino. Enquanto finjo um sorriso de alívio quando as coisas correm bem, quando a paz vem ter comigo e eu só preciso de a aceitar, é aí que a fuga começa. O meu coração bate cada vez mais e os meus pensamentos mergulham numa espiral de autodestruição. Olho à minha volta. É suposto sentir calma agora. Mas não sinto, porquê? Porquê, querida paz, porque é que me abandonaste sem aviso de retorno, porque é que tocas em todos menos em mim? O sorriso forçado continua na minha cara, ao menos isso. Se não sinto paz, ao menos ainda a sei fingir.
Não sinto a paz de estar parada há tanto tempo que duvido que exista. Mas existe. Eu vejo-a à minha volta, vejo-a na calma com que alguns levam a vida, vejo-a numa tarde cinzenta de inverno em que o próprio tempo parece estar tão em paz que não quer mostrar cor. Será que a paz também é cinzenta? O mais famoso meio termo entre o tudo e o nada, entre o caos e a ausência dele. Talvez a paz seja o equilíbrio entre estar parada e em movimento. Parada o suficiente para a deixar cobrir todo o meu ser enquanto sou levada no turbilhão que é a felicidade.
Respiro de novo, mais fundo desta vez. Quem sou eu para dizer que a paz é cinzenta se a desconheço tão completamente? O mundo parece ter tudo tão bem definido. Certas situações e atos trazem paz, outros caos. Porque é que eu não os consigo distinguir? Sou eu mais uma num mar de impostores que se escondem atrás de palavras adequadas e discursos ocos quando, na realidade, nem sabemos o que sentir. Fingimos demais, fingimos sentimentos tão longe daqueles que experienciamos que nos perdemos pelo caminho. A fuga tornou-se a norma, o lugar seguro para onde vou quando não compreendo o que quero sentir.
Já não sinto a paz que devia, só o caos que escolhi.
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