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cartas

Isabel Costa

Por múltiplas vezes este semestre, pus-me a pensar na importância que damos ao mundo da faculdade, como se este fosse um ecossistema em si e não um mero habitat para onde nos transportamos diariamente. Como se a nossa vida fossem apenas aqueles corredores e aquelas salas, aquelas pessoas e aqueles olhares, como se não fossemos para casa e tudo o resto parecesse tão distante. 

A realidade é que tudo parece ser tão mais profundo e intenso quando se opera neste meio - todas as tarefas parecem imperativas, todas as discussões parecem guardar a nossa vida e todos os desamores parecem incuráveis. 

Somos sugados para este espaço, porque o escolhemos ser, 100% confiantes e conscientes, com um sorriso inquebrável - escolhemos aparecer e querer saber de tudo, escolhemos envolver-nos e escolhemos amar cada canto do nosso habitat, como se cada árvore fosse a mais bela coisa posta nesta Terra. 


Não me tomem por hipócrita, também eu o fui, plenamente. 


Creio que a culpa seja da nossa visão do mundo e da sua efemeridade; afinal de contas, nós prezamos o nosso tempo vivos, porque o entendemos limitado e aplicamos a mesma lógica a estes quatro anos - o nosso tempo a vaguear aqueles corredores e a rir naquele espaço é ainda mais limitado, bem o sabemos, então tem de ser ainda mais prezado. Tem de ser levado à última gota e à última consequência e não podem restar dúvidas de que foi aproveitado, de que aqueles quatro anos valeram, definitivamente, a pena - de que não fechámos os olhos, não adormecemos e não perdemos uma coisa. 

Cada vez mais fico também convencida de que fazemos as coisas já com uma certa nostalgia em mente, como se já fosse um momento a ser relembrado, uma foto antiga para a qual vamos olhar, um momento que nos fará rir quando passar brevemente nas nossas mentes daqui a vinte anos. 

Que fazemos as coisas não só pela felicidade que nos trazem, mas a pensar nas memórias que um dia serão. 

Novamente, fazemo-lo porque sabemos que nunca mais estaremos aqui, a viver este momento, com estas pessoas. E, por isso, também fazemos amizades tão profundas e tão rápidas, porque precisamos de alguém de quem nos lembrar, alguém com quem partilhar estes momentos que se tornarão memórias e, acima de tudo, alguém que queira o mesmo. 

E eu sei que perdi esta jogada contra o universo, caí enganada como se nada fosse, despistei-me ainda antes de entrar na estrada, deixei as cartas serem-me dadas e nem as tentei trocar. 


E agora o que tenho eu?


Agora tenho a maldição de querer saber demasiado e de me importar com coisas que aparentam não valer o tempo do dia, mas tenho também o privilégio de ter mais de uma mão cheia de pessoas que têm o poder de partir o meu coração em pedacinhos pequenos e outras tantas para o consertar. 


No fim disto tudo e sabendo o que hoje sei, será que voltava atrás? Será que pedia para não jogar? Será que usava um capacete? Será que tentava trocar as cartas que não escolhi? 


Nunca.


 
 

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