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Coloco tudo isto na minha lista de afazeres

.... 

ver vestidos para a gala 

ir buscar os meus óculos 

estudar 

não me esquecer que a ***** quer almoço segunda 

ir ao ginásio 

não me esquecer da maquilhagem 

comprar a prenda de anos da minha mãe 

apanhar autocarro às 14:30 


Coloco tudo isto na minha lista de afazeres. Dependo disto para me lembrar das coisas, por mais importantes que sejam. Sem a fisicalidade, irei-me esquecer. Até da prenda de anos da minha mãe. 

É patético. Não sou nada mais do que um casulo oco de alma. 

O dia a dia é cansativo, mas tão cheio. 

Não o suporto. Não me suporto. Sinceramente também não há muita gente que o faça. A este ponto é um sentimento partilhado. Já fui tanto e há tanto que ainda quero ser, há tanto que sei que nunca serei, e há tanto que imagino que esteja destinada a me tornar. Tudo me envergonha, tudo me magoa, tudo me desconcerta. 

Não sei se é do mundo, se é de mim. Sinto que pertenço e estou onde deveria estar. Quero morrer. 

Mas nem para morrer sirvo. 

Sei que sirvo para amar, contudo não acredito se algum dia servirei para ser amada. Sei que me sirvo a mim mesma. Sou escrava da beleza, da arte, da tentativa de atingir a perfeição. Estico as mãos para ela como quando Miguel Ângelo pintou a criação. Ando de gatas por uma gota do néctar dessa bela virtude e regozijo-me nele à mínima chance que posso. É um prazer momentâneo ao qual me agarro. É o sexo mais casual da minha vida, aquele que tenho com a minha própria imagem ao espelho. É supérfluo. Insuportável. Odeio-me. Não aguento olhar-me nos olhos por mais de um segundo que seja. Olho apenas para a beleza. É o que tenho e posso oferecer. Olhem para mim! Vejam-me composta! Vejam-me bem sucedida! 

O que eu vejo não me importa. 

O que eu sinto é irrelevante. 

Porque sou como os outros, o mais cansativa e normal que poderão ter. Sou profundamente aborrecida e cansativa e intensa. Intensa em tudo, até nesta inércia de vivências da qual nunca poderei recuperar, para sempre presa neste buraco negro para onde arrastarei aqueles que me derem a mão. 

Vai a mão...vai o braço...vai o torso...a mente...o coração...consumirei tudo daqueles que se atreverem. 

A fusão da normalidade com a incerteza apenas me assusta. Dizem que não há experiências originais, mas ainda bem que não, pois não quero estar sozinha. Não estou perdida, mas também não há muito que possa fazer para me encontrar. Capitã de um navio sem nome, sem autorização para atracar em porto algum. Quando atracar eu saberei...se algum dia o fizer.


 
 
 

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