NOTA DO AUTOR
Olá, caros leitores. Antes de mais, agradeço aos corajosos que abriram esta segunda parte da coletânea de entrevistas, depois do que possivelmente terá sido uma leitura tanto quanto entediante da primeira entrevista. Gostava de acreditar que não, pois se há coisa que aprendi com este projeto, foi que nunca é demais ouvir o produto da experiência de vida de quem já a ganhou, especialmente de quem está a trabalhar na área em que imaginamos. Como tal, espero que partilhem do mesmo entusiasmo. A próxima convidada foi a Sofia Barata, Head of Corporate Services na Vieira d’Almeida e Associados.
ENTREVISTA
FJ: Olá Sofia. Antes de mais, queria agradecer-lhe por ter aceitado o meu convite. Por favor, apresente-se aos nossos leitores.
Sofia Barata (SB): Olá Francisco. O meu nome é Sofia Barata, sou advogada, Head of Practice dos Corporate Services da VdA e responsável pela implementação do projeto de IA aplicado à revisão de documentação e pela automação de contratos.
FJ: Sofia, tirou a licenciatura na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. O que nos pode dizer da sua experiência enquanto estudante? Alguma disciplina que a marcou?
SB: Tirei o curso no início dos anos 90 numa Faculdade de Direito com Professores extraordinários com quem aprendi muitíssimo. Destaco o Marcelo Rebelo de Sousa, o Freitas do Amaral, Menezes Cordeiro e outros também muito importantes, mas de que não gostava tanto, como o Jorge Miranda, que dava Direito Constitucional, uma das disciplinas mais importantes do curso. A minha experiência foi muito enriquecedora, foram anos muito importantes no meu crescimento que me definiram de forma muito marcante. Foram os anos em que acho que me tornei naquilo que sou. O mais importante foi aprender a pensar e a resolver problemas. A perceber que temos de ser nós a encontrar as ferramentas e a melhor forma de encontrar respostas. E claro, foram anos muito divertidos, em que se tem a vida toda pela frente. Foi na FDUL que fiz amigos para a vida e de quem sou muito próxima. Da minha experiência enquanto estudante de Direito destaco um processo evolutivo, tive várias ideias ao longo dos 5 anos, pensei em várias hipóteses de carreira e depois foi tudo acontecendo de forma um pouco diferente e com imensas oportunidades que foram surgindo. Destaco Teoria Geral do Direito Civil e Obrigações – para mim que gosto de direito civil, direito privado – e, claro, penal e processo penal.
FJ: Pode ler-se no site da VdA que possui "uma longa experiência na área de M&A". Pode contar-nos em que é que esta área consiste e falar-nos da sua experiência enquanto advogada de M&A?
SB: A área de M&A, ou Mergers and Aquisitions, tem uma vocação essencialmente transacional e uma experiência em operações de fusões e aquisições. Aqui na VdA, o nosso portfólio de clientes inclui empresas e investidores internacionais e nacionais de várias ordens e naturezas. Participei ao longo dos anos em transações em setores chave como a banca, energia, as infraestruturas, a saúde, as comunicações e tecnologia. A atividade da área de M&A centra-se essencialmente em processos de aquisição e venda de empresas, fusões, cisões, joint ventures, parcerias, privatizações, reorganizações societárias, restruturações e ofertas públicas de aquisição e de venda. Trabalhamos em conjunto com as várias competências da firma e asseguramos, através de uma abordagem integrada dessas valências e expertise setorial (nomeadamente em matéria fiscal, financeira, regulatória, concorrência, laboral e propriedade industrial, entre outras), o desenho de soluções inovadoras orientadas para os objetivos e resultados do cliente. Temos sempre em conta as especificidades do respetivo assunto.
FJ: O seu trabalho prende-se com a implementação da Inteligência Artificial e da inovação digital por parte das firmas de advogados. Como é trilhar este caminho digital numa firma tão relevante e importante como a VdA?
SB: A VdA tem a inovação no seu ADN e, como tal, o desafio da digitalização – da transformação digital - foi abraçado de forma consistente e a transformação tecnológica reflete-se de forma natural na nossa prática e no nosso dia a dia em diversos ângulos, designadamente na mobilidade, na colaboração e na eficiência. A eficiência, em particular, é trabalhada em diversas frentes, destacando-se as plataformas de inteligência artificial e inferência estatística/analítica e plataformas de automação de documentos. Neste enquadramento, incorporamos no nosso dia a dia diferentes ferramentas tecnológicas num só ecossistema; VdA e os advogados beneficiam de uma realidade mais conectada e versátil de acesso às ferramentas de trabalho, mais eficiente na sua utilização, sem nunca comprometer a segurança. O nosso principal objetivo por detrás da adoção das novas tecnologias é criar valor para os Clientes, prestando serviços mais eficientes e otimizados num modelo mais apelativo, com o estabelecimento de entendimentos mais dinâmicos e próximos. A transformação digital e tecnológica vai intensificar-se sobretudo nos ganhos de eficiência e otimização, através do reforço da análise, classificação e automação documental - muito por via da aplicação consistente de plataformas de inteligência artificial, tecnologia de bots para automação de tarefas - da otimização e gestão de processos judiciais e administrativos e gestão de projetos.
FJ: Quais os principais desafios e tendências que a profissão enfrenta nos próximos anos? De que forma pode a automação de tarefas e o mundo paperless contribuir para uma entrega mais eficiente?
SB: Há sempre uma discussão ou um debate teórico acerca da IA e do seu impacto. Mas, considerando a IA uma inevitabilidade, julgo o debate se deve centrar em “Como vamos beneficiar destas tecnologias, e como será a melhor maneira de as implementar” – como vamos ser os Advogados que os Clientes esperam que sejamos. Como implementar de forma consistente como um novo paradigma? Como avaliamos o impacto, como ultrapassamos as resistências? A resposta é: com compromisso, suporte dos Sócios, do Management, com treino, formação dos novos advogados, com investimento. Este tema surgiu na minha vida quando liderei duas das maiores operações de due diligence levadas a cabo em Portugal – uma no âmbito da venda de uma empresa de telecomunicações e outra no âmbito da venda de um banco. Pode imaginar a quantidade de documentos que tiveram de ser analisados manualmente. Comecei então a pensar numa forma de agilizar estes processos. À data de hoje (novembro de 2022) estamos todos conscientes de que não será possível vencer os desafios dos tempos modernos, em particular os relativos ao valor e ao futuro do trabalho na área da advocacia e do direito, sem abraçar as tecnologias que precisamente os tornam modernos. Somos confrontados com os agentes da mudança: a urgência de eficiência e otimização, o aparecimento de novos concorrentes (tradicionais ou não), novos modelos de pricing e pressão nos fees e a fulgurante ingerência das novas tecnologias em todos os setores da economia. Há, assim, uma necessidade de olhar com naturalidade e inevitável certeza para a inscrição das novas tecnologias como a inteligência artificial e a automação de documentos no contexto da prestação de serviços jurídicos. Os clientes continuam a querer que os serviços jurídicos sejam prestados por advogados com expertise, conhecimento e talento verdadeiramente humano mas, com a ingerência da tecnologia em todos os setores da economia é também certo que, uma vez disponíveis, vão exigir que os mesmos serviços contem com as vantagens - em particular, a eficiência e o rigor - das novas tecnologias de inteligência artificial e obviamente da digitalização que naturalmente a precede o que permitirá o foco e a dedicação do advogado ao que os clientes mais valorizam e pretendem, o aconselhamento jurídico para a melhor tomada de decisão.
FJ: Para terminar, consegue dar aos nossos leitores algum conselho para o seu curso e futura vida profissional?
SB: São três conselhos que tenho para vos dar. O primeiro: leiam. Leiam muito, seja o que for. Romances, por exemplo. Não digo romances no sentido de histórias de amor, mas no sentido de ficção literária. Tenham interesses para além do curso, seja qual forem. Aproveitem esta altura das vossas vidas para alargarem os vossos horizontes. O segundo, interessem-se por política. Pelos direitos humanos. Está na hora de subscreverem um jornal, de lerem um pouco as notícias. De se tornarem jovens informados. O terceiro, e mais importante: aproveitem muito!
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