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Diogo Simões

Mestres Do Nosso Destino Absurdo: Como Viver Apesar Do Sofrimento

Sísifo é o azarado protagonista do antigo mito grego que, tendo perturbado os Deuses, é condenado por toda a eternidade a empurrar uma rocha montanha acima, apenas para que esta role de volta quando chega ao topo, sem significado algum.


Por mais desprovida de propósito que pareça a história, na verdade a situação de Sísifo consagra-se como uma brilhante metáfora para a nossa própria existência, não apenas reflete a mundanidade cíclica da nossa vida quotidiana como captura perfeitamente o paradoxo que tem por base a experiência humana - por um lado, somos por natureza animais curiosos que anseiam por significado e propósito, por outro, não estamos equipados para jamais satisfazer este terrível anseio.


Desta forma, ocupamos uma espécie de espaço sem esperança entre o impulso de pensar respostas a perguntas profundas e a nossa intrínseca incapacidade de respondê-las - um espaço rotulado de "o absurdo". Daí a imagem de Sísifo: nós, seres conscientes, distintos dos demais seres vivos, primariamente, pela consciência da morte, construímos teorias sobre o sentido e significado da vida para tornar a nossa própria existência suportável, no entanto, estas inevitavelmente desabam e compulsivamente começamos de novo.⁣


Assim, vivemos no absurdo.⁣ No entanto, ao invés de culparmos a tristeza que nos guarda o destino a cada momento, recordo os esforços de Sísifo, para cima e para baixo da montanha, enquanto conquistas triunfais - cada vez que a rocha desaba, confirmando a futilidade do seu esforço, Sísifo não desiste, em vez disso aprecia a vista, observando a pedra cair, mantendo a cabeça erguida. Sorrindo, aproveita o ar fresco, marchando de volta montanha abaixo, e mesmo reconhecendo a extensão da sua miserável existência, toda a sua silenciosa alegria está contida na rocha.


Esta é a questão fundamental a ser explorada: vês-te como uma vítima do mundo ou como todo o maravilhoso processo que é o universo? Se te defines meramente como a parte voluntária do teu sistema nervoso, então defines-te como a vítima do jogo, e sentes que a vida é um tipo de armadilha que te foi imposta por Deus, pelo destino ou por algum tipo de mecanismo cósmico, e que assim como Sísofo, és obrigado a viver e a repetir tarefas mundanas sem significado aparente, a empurrar uma rocha montanha acima por toda a eternidade sem propósito algum. Por outro lado, se também incluíres na definição de ti mesmo aquilo que fazes involuntariamente defines-te como tudo aquilo que existe, como todos os processos do universo, e não é este precisamente o caso?


Possuis todos estes complexos sistemas biológicos que te permitem viver e que, em relação com o mundo exterior, te permitem experienciar a realidade de forma consciente, não é simplesmente espantoso? Podes não ser capaz de explicar como o concebes, mas és tu que fazes bater o teu próprio coração, o cabelo crescer, o sol brilhar, as árvores crescerem, e todos os infinitos processos que se dão a todos os segundos no universo - quer saibas da sua existência ou não, és tu que os fazes, e assim podes reivindicar a tua vida e proclamar com gosto: "Eu sou o responsável, seja ela comédia ou tragédia, fui eu que assim a fiz”.


Os japoneses possuem a palavra que descreve exatamente a sensação que tenho vindo a tentar transmitir, “Yuugen” (幽玄), significando precisamente este curioso sentimento para além da consciência humana, uma profunda perceção sobre o misterioso sentido e beleza do universo, e triste beleza do sofrimento humano - do intangível, do abstrato, da inevitável impermanência das coisas, da compreensão daquilo que não pode ser compreendido, daquilo que pode apenas ser intuído, apreciado pela mente e jamais verbalizado, desencadeando respostas emocionais demasiado profundas e poderosas para palavras.


E isto porque, assim como Sísifo empurra a rocha novamente em direção ao cume, sabendo que o mesmo destino o aguarda vezes sem conta, tornamo-nos autenticamente vivos ao enfrentar o absurdo da nossa condição através do cultivo da sensibilidade cósmica, ao maravilhar-nos com a complexidade, a perfeição, o milagre que é viver e experienciar todo este imenso espetáculo de energia que envolve todas as coisas e processos do mundo sem exceção, reconhecendo não só a beleza melancólica que envolve a nossa condição, como ao chegarmos à realização de que não somos vítimas nisto tudo, mas sim todo o processo, que quis que o que quer que seja que é, assim o fosse, continuando, mesmo sem significado, de cabeças erguidas - abordando a vida com plena consciência, reconhecendo a falta de sentido da vida, e vivendo bem independentemente disso, é assim que nos tornamos mestres do nosso destino absurdo.⁣

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