top of page
Beatriz Franca

Pequenas coisas

Sinto tudo e nada ao mesmo tempo. É como se me encontrasse num limbo estranho entre a realidade das minhas emoções e aquilo que consigo exteriorizar. É como se tudo o que sinto estivesse num poço, fundo, escuro, quase interminável. Mas e quando transbordar? O que acontece depois? É difícil equilibrar-me nesta corda bamba em que me encontro. Às vezes, de noite quando ninguém me vê ou ouve, sinto que um mero sopro me podia deitar abaixo, mas, mesmo assim, as lágrimas não me escorrem pela cara, não me sinto a soluçar com a força de tudo o que sinto, simplesmente existo a ponderar sobre tudo. Quando o sol se levanta, e eu com ele, gosto de fingir que não aconteceu nada, que nunca estive perto de cair no abismo que está debaixo de mim. É um novo dia por isso tudo pode mudar, certo? Com ele vêem novas oportunidades, novos desafios, novos obstáculos, mas enquanto é dia eu tenho que me equilibrar. Durante o dia eu não sinto, mas dou a atuação da minha vida. Durante o dia, minto a mim mesma e digo que estou só cansada, nada mais. Mas no fundo sei que não é verdade. Mas então o que é? A realidade é que nem eu sei, mas sei que não é cansaço. É algo mais sombrio e pesado, algo que conseguiu criar raízes em mim de tal maneira que já não sei viver sem a sua sombra a acompanhar-me diariamente.


Então, vivo neste limbo, nesta corda bamba de sanidade mental, na qual uns dias parece impossível aguentar-me em pé e noutros ando com a confiança de alguém que está a caminhar em solo firme. Olho em volta, e a escuridão que se instalou em meu redor faz-me crer que estou sozinha, sem apoio, sem ninguém a andar na mesma corda que eu. Mas se me esforçar, se esquecer esta névoa que me obstrui a visão, parece que vejo silhuetas, silhuetas do que parecem ser mais pessoas a andar nas suas cordas. Começo a duvidar se estou mesmo só, se só eu é que passo por esta interminável luta diária. Às vezes chego à conclusão que sim. Estou simplesmente só nesta luta e não posso convidar ninguém para caminhar comigo pois se cair, não quero cair com companhia. Esses são os dias piores, aqueles dias que tudo parece uma tarefa infindável, tudo me irrita, tudo corre mal, são os dias em que a minha cabeça parece estar debaixo de uma núvem negra e densa que não me deixa ver mais nada à frente.


Mas depois há dias em que cada pequena coisa parece um raio de sol que penetra a escuridão em que me encontro. Uma mensagem de bom dia de um amigo, uma conversa parva que me faz rir até que me doa a barriga e as pessoas à minha volta pensem que sou maluca (e se calhar até sou), um abraço de alguém que me apoia em tudo, um elogio que para aquela pessoa pode não ser nada mas para mim é tudo. São as pequenas coisas. Aquelas coisas que se transformam em raios de sol e que levantam a névoa da solidão em que estou para conseguir olhar em redor com clareza. Porque, afinal, não estou sozinha. Mais pessoas caminham na minha corda e outras estão à minha volta a tentar equilibrar-se no seu próprio limbo. Apercebo-me tão repentinamente desta realidade que a sua força traz ao de cima todos os sentimentos que estiveram durante tanto tempo presos dentro de mim. Todas as lágrimas que não caíram, todos os soluços que encarcerei com medo que me desequilibrassem e me fizessem cair. São as pequenas coisas que me apoiam quando estou quase a cair. São as pequenas coisas que me guiam quando perco o caminho. São as pequenas coisas que fazem dissipar a núvem que pensava carregar eternamente. São as pequenas coisas que me fazem sorrir. E por isso, retribuo e faço estas pequenas coisas. Estas ações "insignificantes" que significam tanto para alguém. Eu gosto de pequenas coisas, pois estas fazem-me continuar.

33 views

Recent Posts

See All

Em ti eu (já não) penso

Hoje escrevo, mais do que nunca escrevo, escrevo enquanto te olho nos olhos, escrevo-te por uma última vez, a ti, que por mim nunca...

Retrato

Comments


bottom of page