A Maria Castro Ribeiro e a Maria Leonor Baptista, coordenadoras de entrevistas do Jur.nal, desenvolveram um segmento de entrevistas, em muito inspirado pelo humorista Guilherme Geirinhas. Apresentamos o Sem Direito. Para o primeiro episódio convidámos o professor Miguel de Azevedo Moura. Os três falaram muito.
MLB: “Miguel de Azevedo Moura, do signo touro, nasceu em Ponte de Lima, a sua banda preferida são os The National, não perde um Vodafone Paredes Coura, desde os anos 2000. Vive em Odivelas, é gerente do condomínio e faz festas para os outros condôminos uma vez por mês. O seu filme preferido é Legally Blonde. Passa sempre férias de autocaravana, pelo Sul de França e Espanha, onde leva a sua mulher, as suas filhas e o seu gato. Descobriu a sua vocação para o direito, quando viu a Britney Spears a ser cancelada. Hoje em dia é professor de Direito privado e líder do movimento #freebritney em Portugal. Professor, daqui o que é que podia ser verdade?”
MAM: “Verdade? Muito pouca coisa. O nome e a parte das férias em autocaravana. Eu passei a minha lua de mel em autocaravana. Fomos à Nova Zelândia mas só de autocaravana. Portanto eu diria que é o mais próximo da verdade.”
MCR: “E foi a sua melhor viagem?”
MAM: “Não. Foi muito boa, foi especial por ser a lua de mel. Mas tive outras viagens, não diria melhores mas tão boas como.”
MLB: “Assim, em termos de características como é que reescreveria este perfil?”
MAM: “A mim? Eu vivo numa máscara, eu acho que vocês, disseram coisas que embora não sejam totalmente verdade, ou aquilo que eu penso, eu acho que há uma mensagem por trás, não sei se fizeram de propósito ou não, mas faz sentido, eu sou bastante diferente do que aquilo que me apresento, por motivos profissionais. Eu apareço assim vestido (o professor MAM estava de fato durante a realização da entrevista), mas em bom rigor eu sou uma pessoa completamente diferente na minha vida pessoal e familiar. Sou super liberal- não estou a falar no sentido económico do termo- e, de facto, eu acho que o meu perfil é um perfil, que quem não me conhece, acha que eu sou uma pessoa muito mais formal, muito mais séria, do que na verdade, eu sou. E portanto, há essa máscara, que eu às vezes tento tirar, mas também não posso tirar muito, porque aos alunos damos um dedo e eles comem a mão. Mas sim, acho que em termos de perfil, é isso. Depois, outro aspeto relevante tem que ver com os condomínios. Há coisas que os juristas odeiam, e uma delas é condomínios. Eu desde criança que ia às reuniões de condomínio com a minha mãe e adorava aquilo, achava aquilo uma coisa fantástica.”
MCR: “Então foi daí que veio a sua vocação para o direito?”
MAM: “Não. A minha vocação para o direito até surge de um pensamento económico. Eu era para ir para música, já me tinha inscrito no 12º ano, eu sempre fiz música a minha vida toda e no 12º inscrevi-me para direção de orquestra, vulgo maestro. E inscrevi-me e tudo e depois comecei a pensar, isto se calhar não vai funcionar, porque para arranjar dinheiro e atenção que eu não sou uma pessoa muito ambiciosa do ponto de vista financeiro, o trabalho é um meio para atingir um fim, mas também não tenho aquela ambição de ser bilionário… Mas pensei, muito provavelmente, depois para arranjar um trabalho estável vai ser difícil. Então pensei, o que é que eu posso fazer em humanidades, que me permita uma vida minimamente estável? E eu sempre gostei da parte humanística e direito era aquilo que me parecia mais abrangente. Não tenho, ao contrário de outras pessoas, não tenho pessoas na família, advogados, juízes, são de outras áreas. Mas fui nessa ótica, e não me arrependo, hoje em dia, atenção.”
MCR: “Mas, então, as reuniões de condomínio quando era pequeno não tiveram influência?”
MAM: “Eu acho que era mais porque eu gostava do drama (risos). Reuniões de condomínio têm muito drama.”
MLB: “É entretenimento.”
MAM: “Não é entretenimento. Vou-vos contar uma história que aconteceu, quando eu já tinha acabado o curso, já estava num escritório de advogados. Eu sempre gostei desta parte das reuniões de condomínios pelo drama. E tinha uma cliente, uma senhora já com uma certa idade, tinha para aí 50 e tal, e eu na altura, era muito novo, tinha 22, 23 anos, e essa senhora chamou-me a casa dela para resolver um problema do condomínio. E aquilo era um casarão gigantesco, no meio de um condomínio privado, e eu olho para a casa, e a casa devia ser tipo um T20, uma coisa gigante e eu olho para a casa e vejo fotografias de família, mas a senhora estava sozinha. E eu perguntei, a senhora disse que já se tinha divorciado, que vivia sozinha e que estava com um problema na garagem, porque tinham um sítio para arrumar as coisas, mas pingava lá- aquelas coisas normais do condomínio, e a senhora disse-me que já tinha pedido ao condomínio para fazer obras e perguntou-me se eu a conseguia ajudar. Eu lá disse que tudo bem. Ela deu-me um número de telemóvel, penso que era do administrador do condomínio ou de uma advogada, já não sei e eu liguei. Assim que eu ligo- primeira red flag- quem me atende do outro lado diz-me assim “Sr. Doutor, o Sr. Doutor está sozinho ou não?” Eu disse que estava. E disseram-me logo: “O Sr. Doutor tenha cuidado que essa senhora é louca.” E eu, novinho, todo formal, a dizer que não me podem dizer isso da cliente e eles a insistirem que a senhora era louca. E eu de facto quando cheguei achei estranho todo o ambiente, e assim que me sentei esta senhora disse-me logo que tinha uma proposta de uma sociedade e eu achei logo estranha aquela conversa. E naquelas três/quatro horas que estive com a senhora, depois a senhora contou-me a vida toda dela, o que faz parte, eu passei por todas as sensações desde surpresa, a medo, pena, compaixão, eu passei por todas as sensações. E no final disse-lhe, tudo bem, vamos combinar o seguinte, vamos a uma reunião de condomínio, a reunião tava agendada.”
MCR: “E o professor foi acompanhá-la?”
MAM: “Sim. Eu disse: a senhora não vai dizer nada, e eu assumo as lides. Comecei a reunião, claro que estavam todos aos gritos uns com os outros- faz parte da reunião de condomínio. E às tantas, a senhora, irrita-se e sai. Vai-se embora, disse que estava farta daquilo e vai-se embora. Eu continuo a reunião, a reunião a decorrer normalmente. Eu fiquei lá, continuei a reunião, a senhora foi-se embora. Então, o que é que a senhora foi fazer? Foi à garagem com umas chaves de casa e começou a riscar os carros todos. Mas atenção, nós não estamos a falar de carros normais, estamos a falar de carros de luxo. Ela passou a chave pelos carros todos. Portanto, reuniões de condomínio têm sempre estas coisas.”
MCR: “Esta foi a pior experiência que teve, neste tipo de situações? Ao longo da sua carreira profissional, o professor começou como advogado e só depois entrou na academia. Esta acabou por ser assim a situação mais marcante? De surpresa e até de loucura. Porque de certo não esperava encontrar algo assim.”
MAM: “Eu acho que os casos de perseguição são os mais assustadores. Não, essa foi marcante, porque às tantas, a pessoa não conseguia mais advogado nenhum, e a pessoa ligou-me várias vezes, fez-me esperas no escritório e eu tive que dizer que não estava no país, tive que dizer que aquele número já não era meu.”
MCR: “Mas então foi um caso de perseguição, ao professor?”
MAM: “Perseguição ao profissional, neste caso. Mas também tive outras, tive alunos que me esperaram, no início da minha carreira académica, eu tive alunos… tive um aluno mais velho que me fez uma espera no escritório, porque tinha tido 12 ou 11 num exame de mestrado e eu lembro-me, o aluno faz-me uma espera, aparece lá. Disseram-me que estava um senhor à porta e era um aluno que tinha aparecido lá furioso com o exame na mão. E eu disse então vá, eu também ainda era fresco, na altura, sentámo-nos ali numa sala, e começo a ler o exame e começo a perceber, ouça, teve sorte de ter 11 ou 12, porque se fosse hoje, tinha para aí 6 ou 7. E portanto, essas esperas, perseguições, é o que me irrita mais.”
MLB: “Mas no caso dessa primeira história era quase psíquico.”
MAM: “Não, não. Na primeira história é psíquico. Um caso mesmo patológico.”
MCR: “Mas em relação a alunos, como é que diria que foi a sua experiência universitária? Tinha amigos que poderiam ser iguais a esse rapaz que fez a espera? (risos)”.
MAM: “Não, não. A minha experiência universitária enquanto aluno, nós tínhamos uma turma super unida. Tanto que nós fizemos uma viagem de finalistas ao Brasil e foram 25 pessoas. Portanto, imaginem, 25 pessoas de núcleo duro de amigos é muita gente. Nós tínhamos um grupo muito coeso, ainda hoje nos damos. Reparem, entram 100, há uns que desistem, há outros que ficam para trás, portanto resistem 60/70, e mesmo assim, ter um grupo de 25, que foram à viagem, porque há outros que não puderam, porque outros não estavam cá, é notável. Mas não tinha assim nenhum louco. Claro que havia sempre um ao outro, que nós achávamos que iam entrar por aí com umas bombas, tivemos casos em que achávamos isso. Mas não, na minha altura era um bocadinho diferente. Eu não sou velho, mas sinto um choque geracional muito significativo. Quando comecei a dar aulas, eu comecei a dar aulas muito novo, em 2014/2015 por aí, e quando comecei, eu sentia-me mais próximo dos alunos, do que dos professores. Eu hoje em dia já sinto o choque geracional, nesta geração tudo é muito mais liberalizado, já permite outro tipo de coisas, eu tinha alunos da minha turma que se percebia que estavam um bocadinho inibidos, por questões sexuais, ou políticas ou até religiosas. Nós sentíamos isso.”
MCR: “Havia um maior conservadorismo?”
MAM: “Muito mais, então em Direito.”
MLB: “E nota essa diferença mais recentemente ou foi imediatamente após começar a dar aulas?”
MAM: “É mais agora. Muito mais agora. Eu estudei aqui, a minha vida toda, fiz aqui a licenciatura, na altura decidi fazer o Mestrado fora, na Alemanha, mas quando me inscrevi o professor Vítor Neves, de quem eu gostava muito, foi um professor que me marcou muito, convidou-me para ir trabalhar com ele, então cancelei a ida de Mestrado para fora, fiz o Mestrado cá. E fiz também aqui o Doutoramento. E alias eu fui o primeiro que fez os 3 ciclos, aqui nesta casa.”
MCR: “Quando o professor começou a dar aulas ainda não tinha o Doutoramento?”
MAM: “Não, não tinha. Eu comecei a dar aulas, porque a professora Joana Farrajota ficou grávida e não podia dar Direito Bancário, lembro-me perfeitamente. E então, eu fui substitui-la a Direto Bancário. Eu que não percebia nada da banca. Então, eu entrei, fui colocado à última da hora, porque a professora Joana ficou grávida. E eu tinha no meu 1ºano de aulas, eu tinha uma turma de mestrado com pessoas mais velhas. Não, era horrível (risos), eu tive pessoas da minha idade, uns mais velhos, pessoas já com experiência profissional. Tudo a tentar entalar-me. Claro, eu aí passei dificuldades. Mas também fiz uma coisa que eu acho que foi boa, que foi… bem eu fui sempre transparente, disse aos alunos que era a primeira vez, que ia ver como corria, e de facto as coisas não correram mal, até correram bem. E depois, eu fiz outra coisa, no semestre a seguir, portanto no 2º semestre, eu inscrevi-me a uma cadeira daquele Mestrado e fui colega dos meus ex-alunos. Na Nova IMS, era uma cadeira de análise de dados, sempre gostei de dados, então inscrevi-me e foi giro, porque criei uma boa relação com eles.”
MCR: “E ficou amigo de alguém dessa turma?”
MAM: “Amigo, amigo, é uma expressão… hoje em dia…amigos amigos, eu acho que não. Eu tenho ex-alunos que considero meus amigos.”
MCR: “Do seu inicio de carreira?”
MAM: “Não, por acaso não. Não sei se conhecem o José Miguel Saraiva. Mas o José Miguel saiu há relativamente pouco tempo, ele é meu amigo, até escrevi um artigo com ele, vou jogar futebol muitas vezes com ele. Foi meu aluno e tenho imensa consideração intelectual por ele. Mas amigos amigos não, ex-alunos ou alunos como amigos, não.”
MCR: “Estava a perguntar mais pelo inicio de carreira como professor…”
MAM: “Nunca me apareceu alguém que fosse por exemplo da minha turma. Nunca me aconteceu.”
MLB: “E durante o seu segundo ano que é o ano em que tanto eu, como a Maria estamos, o que é que se imaginava a fazer?”
MAM: “Sim, completamente diferente. Eu acho que o curso de Direito tem um aspeto engraçado, que é, os alunos entram sem perceber o que é aquilo, onde é que se vieram meter, depois no segundo ano querem resolver os problemas do mundo, é a altura em que querem… é Direito Internacional Público… são as organizações internacionais… e eu também passei por essa fase, o meu primeiro artigo publicado é de Direito Internacional Público e nunca mais fiz isso na vida. Mas é a ONU… E eu também estagiei na ONU, nessa altura. Mas depois a seguir, têm uma fase engraçada, do querer ganhar dinheiro, que é a fase do Corporate, do empresarial, aquela fase das empresas e de vestir o fatinho, isso é no final, quarto ano. Mas eu acho que a maioria dos alunos passa por estas fases. Claro que depois há sempre aqueles que querem ficar como membros de organizações internacionais, mas eu no segundo ano queria mudar o mundo.”
MCR: “Mas o professor sempre se viu a entrar para a academia?”
MAM: “Não. Também é uma história engraçada. Eu não sou obsessivo-compulsivo mas eu tenho uma pequena tendência para querer as coisas perfeitas ou ter pelo menos a “coleção” toda. E isto aplica-se a outras áreas da minha vida. Por exemplo, carta de condução, eu preciso de ter carta de pesados. Mas porquê? Eu preciso de ter tudo, tenho a carta de mota, de ligeiros, eu preciso de ter a carta de pesados. Tenho carta de embarcações, quero ter de piloto de aviões. Eu quero ter os 3. Faz-me impressão ter carta de carros e de embarcações e não ter de aviões. E vou provavelmente começar agora, para o próximo ano.”
MCR: “Eu ia dizer que seria um projeto para a reforma…”
MAM: “Não, não, não. Tenho um amigo meu, da primeira classe… faz este ano 20 anos que eu sai do secundário, de repente faz 20 anos e parece que foi ontem. Então no secundário onde eu andei conseguiram organizar um almoço, que foi há 2 semanas, com 45 pessoas, 20 anos depois. É incrível, foi dos melhores almoços que tive. Foi lá no colégio, onde eu andei. E é engraçado porque vi pessoas que já não via há 20 anos e a intimidade, até física mantém-se, com homens e mulheres, é indiferente. Estou a falar de intimidade física. Sou uma pessoa que, para pessoas que não me conhecem, não gosto que me toquem, é estranho. Mas estas são pessoas com quem convivi a vida toda e de repente tamos ali os 3, os 4 ou os 40 e tocamo-nos e parece que foi ontem. Uma experiência que eu pensava que fosse impossível e aconteceu. Por acaso fiquei super surpreendido por isso e então encontrei um amigo meu que já não via desde o secundário, ele tinha estado comigo desde o primeiro até ao nono ano, mas depois escolheu outra área.”
Neste momento, os 3 perderam-se sobre como tinham chegado aqui na conversa. Realmente, avisamos que falávamos muito. Conseguimos perceber o rumo da conversa de novo.
MAM: “Este meu amigo queria, desde a primeira classe, ser piloto de aviões. E ele é piloto da TAP, mas foi durante muitos anos instrutor. E portanto eu combinei com ele, ter aulas com ele. Quanto ao doutoramento, já estão a perceber… eu acabei o Mestrado e precisava do Doutoramento. Na altura, dava para ser professor (lá está, conseguimos voltar à questão) sem se ter o Doutoramento. O Doutoramento, fiz por uma questão mais pessoal, era um desafio pessoal, o Doutoramento no fundo é um trabalho extenso que vai ser avaliado por uma comunidade científica. E fiz para saber se tinha essa capacidade ou não, no fundo. E quando eu entrei para a faculdade, não havia aberturas para professores há 15 anos. Então, assim que eu entrei para o Doutoramento, achava que nunca na vida ia ser professor universitário, estava fora dos planos, queria ter o Doutoramento e eu estava ok com isso.”
MLB: “E fora o Direito… já falou em jogar futebol com amigos, quais é que são os seus hobbies?”
MAM: “Eu tenho muitos hobbies. Tenho duas vertentes da minha vida que não largo que é a Música e o Desporto. São duas vertentes da minha vida que eu não largo e se largar é porque alguma coisa muito má aconteceu. E quem me conhece fora daqui sabe isso, sabe que Desporto e Música são os meus dois maiores hobbies. Toco todos os dias ou quase todos os dias.”
MLB: “O que é que toca? Por curiosidade.”
MAM: “Não sabe? Ai não sabe. Pois, vocês são de 2ºano. Então não sabem, também não vos digo. (risos) Eu toco piano. Olhe, eu já cheguei, durante o COVID, a dar aulas, sentado no piano, porque não tinha outro sítio para estar sentado. Eu toco piano, sempre toquei, mas já não toco clássico, eu gosto de improvisar, inventar músicas, eu componho. Eu fiz as músicas do meu casamento, quase todas, fiz para aí 80%, algumas não eram minhas. Mas componho e toco todos os dias. Então, o ano passado, vocês estavam no primeiro ano, eu e o professor Luís Duarte D’Almeida demos aí um concerto. Mas é uma coisa… eu não me exponho. Posto no Instagram, às vezes, publico coisas a tocar. Toco muito. E faço desporto todos os dias.”
MCR: “E a sua banda preferida?”
MLB: “Não são os The National?”
MAM: “Não são os The National (entre risos). Eu gosto de… é engraçado, eu gosto de música tão diferente, eu ouço tudo. Há coisas que eu não ouço, não ouço funk, isso é do degredo, não ouço, porque eu acho que isso não entra no conceito de música. Mas ouço… até transe ouço. Eu tenho uma história linda, no Max Planck Institute, eu vivi na Alemanha 1 ano, estava no instituto, um silêncio, uma coisa, os professores doutores todos a trabalharem nas teses, e na altura não havia Bluetooth, havia fones com ligação à coluna e eu ouvia sempre transe do pastelhado, o mais alto possível. E eu estava a escrever, numa sala cheia de professores doutores e eu devo ter desconectado os fones ao fazer um movimento, mas a música estava tão alta que eu ouvia da mesma forma, então toda a gente a olhar e eu sem perceber, e era transe mesmo do pesado e as pessoas deviam achar… porque eu também ouço música clássica, então as pessoas nunca achariam que eu também ouvia aquele tipo de música.”
MCR: “Mas o professor considera-se uma pessoa festivaleira?”
MAM: “Eu gosto de festa. Bastante. Se puxarem por mim, eu gosto. A questão é: que tipo de festivais? Porque, por exemplo, eu nunca fui muito de Sudoeste. Porque as pessoas cheiram muito mal no Sudoeste.”
MLB: “Isso é um bocadinho o OCD.”
MAM: “É o OCD. Imagine, isto é importante vocês perceberem para me conhecerem melhor, eu não vou ao Sudoeste, mas eu facilmente vou… repare, eu não vou ao Sudoeste porque as pessoas cheiram mal, mas eu facilmente vou… como é que se chama… ao de transe, aquele mais conhecido português… ao Boom, de tronco nu. Porquê? Porque o espirito é mesmo estar sujo. Uma coisa é ir a um sítio onde há pessoas a acampar e há outras que não, outra coisa é eu entrar dentro de um espírito em que é suposto estar assim, e aí eu próprio vou sujo. Esse é um dos sonhos, eu já tive duas vezes oportunidade para ir, e ainda não fui. Mas para a próxima quero ir ao Boom passar um fim de semana. (MCR faz uma menção ao Burning Man nos Estados Unidos) O Burning Man é de loucos, isso é nos Estados Unidos, mas é o estilo. Mas o Boom mesmo assim em Portugal é um bom festival. Ir todo nu, todo pastelhado, passar lá três dias, sozinho.”
MLB: “Mas sem o campismo?”
MAM: “Sem o campismo. Quer dizer nem sei, aqui vão todos, a questão é essa. O problema é que noutros festivais uns vão, outros não. Eu não gosto… ou vão todos ou não vão.”
MCR: “Então, o professor não é dos festivais típicos? Um Nos Alive?”
MAM: “Não, isso sim. Por acaso nunca gostei do Nos Alive, era o Optimus Alive e depois mudou para o Nos Alive. Mas sim, Nos Alive, Super Bock Super Rock. Já cheguei a ir ao Super Bock Super Rock ouvir Florence + the Machine, depois de ter corrido 65 quilómetros. Naquele dia, fiz um UltraTrail, saí quase de ambulância, porque tava a ter espasmos e caibras. Eu corri de manhã, a prova era o Monte da Lua, corri 65 quilómetros, levaram-me dali para casa, levou-me a minha mulher, tomei um banho e depois fui para o Super Bock Super Rock. Saí de lá completamente a tremer. Mas gosto e eu queria ir ao Super Bock Super Rock ver os Florence + the Machine.”
MCR: “Então só não foi ao Paredes de Coura, que foi o que nós colocamos no perfil (entre risos)?”
MAM: “Não, não. Nunca fui ao Paredes de Coura.”
MCR introduz o nosso segmento que exige aos nossos convidados o esforço de associar uma lista de bebidas alcóolicas a um dos professores da faculdade.
Cerveja.
MAM: “Eu sou cerveja. Eu sou imperial, qualquer hora do dia. Domingo de manhã vou correr, chego, o que é que vai? Uma mini, logo a seguir. No início, era muito mais de Super Bock, até ser convencido da Sagres. Mas Sagres é muito melhor em garrafa, Super Bock é melhor em lata. Mas, mesmo assim, neste momento, gosto mais de Sagres. Sidras é para meninos, apesar de eu beber às vezes, mas é para meninos. E domingo de manhã, uma mini às 8, depois de ir correr... E não me venham com histórias de o vinho ser chique, eu gosto muito de jantares chiques, e peço uma imperial, não quero saber!”
Caipirinha.
MAM: “A caipirinha é difícil, porque tem o lado adocicado e tem o lado meio amargo. Uma pessoa a beber… por acaso não sei… Eu diria a professora Claire. A professora Claire teria uma caipirinha na mão.”
Gin tónico.
MAM: “Gin tónico já é mais classy, não é? E classy pode ser para o feminino e para o masculino, claro. Mas eu acho que é mais bonito ver uma mulher a beber o gin tónico, dá mais classe. Eu até punha a professora Mariana França Gouveia a beber o gin tónico, acho que é uma pessoa com classe, assenta-lhe bem.”
Vinho tinto.
MAM: “Mas carrascão ou vinho normal? (entre risos) Não, mas vinho tinto… porque, eu conheço o professor Vítor há já algum tempo e portanto eu punha-o a ele, e o professor Vítor sabe porque é que eu o punha com o vinho tinto. Mas do carrascão.”
Vinho branco.
MAM: “Olhe, sabe quem é que eu punha? Punha o professor Felipe Pathé Duarte. Colocava o professor Felipe porquê? Eu estive com o professor Felipe e outros professores em Málaga e o professor Felipe, no meio de um jantar normal de copos, põe-se a falar sobre a antropologia da comida, que é um tema sobre o qual eu gozei muito com ele, em vez de estar a beber copos está a falar sobre a antropologia da comida. E portanto, é uma pessoa que punha a beber vinho branco.”
Absinto.
MAM: “Bem, vocês se calhar não punham, mas eu punha a professor Ana Prata. Mas nem tenho dúvidas, é a professora Ana Prata. Um dia se a conhecerem vão perceber o porquê de eu a pôr. Depois digam-me.”
MLB introduz o nosso próximo segmento de quick-fire questions:
Qual é a figura pública que mais o irrita?
MAM: “A pessoa em si, que mais me irrita? Eu estou a tentar não ser… eu não sou politicamente correto. Estou só a pensar numa pessoa que verdadeiramente me irrite e que tenho de mudar de canal. Por acaso irrita-me o José Alberto de Carvalho, que era uma pessoa que eu até tinha alguma consideração, e depois, no COVID, nas notícias, ele começou a fazer aquele comentário final, aquilo começou-me a irritar e nunca mais o ouvi.”
Cereais antes ou depois do leite?
MAM: “Não bebo leite nem cereais. Eu detesto leite. Mas para as minhas filhas, meto sempre primeiro a cerelac e depois o leite, mas se não for papa cerelac é o contrário. Mas pensando bem, ficaria melhor meter estrelitas primeiro e leite depois. Faz sentido.”
Quantos contactos tem no seu telemóvel?
MAM: “Não faço ideia. Número? (o professor pega no telemóvel) 199.”
Qual é o contacto mais “importante” que tem no seu telemóvel?
MAM: “Obviamente que é o da minha mulher. Mas uma figura pública? Em termos de figura pública, que eu tenho nos contactos e até falo com frequência, é a professora Assunção.”
Qual era o nome que nunca daria a um filho ou a uma filha?
MAM: “Nunca daria o nome que o meu pai queria dar ao meu irmão. Eu tenho 4 meios-irmãos, mais novos que eu, todos. A atual mulher do meu pai é espanhola. O meu irmão chama-se Idris. E o meu pai queria que se chamasse Zacarias. Zacarias?! O que seria, estar no centro comercial e chamar esse nome? Portanto, eu nunca daria esse nome. E de mulher, um nome que eu era incapaz de chamar, a minha filha tem uma colega com este nome, é Priscila. Desculpem as Priscilas e Zacarias.”
Quantos livros já leu este ano?
MAM: “Boa questão. Eu desde o meu Doutoramento que não leio… Eu adoro ler e eu não leio, porque- obsessivo compulsivo- eu desde o Doutoramento que eu lia e pensava que estava a perder tempo a ler outras coisas, quando podia estar a ler coisas de Direito e então comecei a deixar de ler e isso provocou-me algum ruído. Agora, tenho lido mais, outra vez, mas tenho lido mais livros de gestão e liderança etc.”
MLB: “Mas então o professor já não consegue ler ficção?”
MAM: “Eu gosto de romances históricos.”
MCR: “Lê mais no verão?”
MAM: “Não, como é que eu leio?! Leio 3, 4 páginas à noite. Eu fico viciado, é como séries… eu por acaso séries não vejo muito.”
MCR: “Vê mais filmes?”
MAM: “Vejo mais filmes, porque tenho medo de ficar viciado em séries. Então vejo mais filmes, mas como, hoje em dia, com crianças, acordo às 6 da manhã, eu não consigo durar mais de 15/20 minutos. Eu antigamente questionava-me como é que alguém conseguia adormecer no cinema mas agora após 15 minutos não estou a aguentar. Então, um filme que dure 2 horas, dá-me para 2 semanas.”
MCR: “Top 4 de filmes, professor.”
MAM: “Muito difícil, porque eu gosto muito de filmes, mas eu dou-vos o meu top 4. Mas um top 4 que amanhã se pode alterar, mas hoje: ‘Laranja Mecânica’, adoro, adoro Kubrik em geral, gosto de vários filmes dele, é espetacular, todos os filmes dele são diferentes. Por acaso o ‘Eyes Wide Shut’ é interessante para Direito da Família. Mas vamos pôr ‘Laranja Mecânica’, vamos pôr na categoria de desenhos animados- os clássicos, eu gosto muito, mas vamos esquecer os clássicos- então vamos pôr o ‘Wally’. Eu choro muito pouco com filmes, dos poucos filmes com que me emocionei foi o Wally. E gosto muito de um também, acho que é da Pixar, que é o ‘Inside Out’, é um filme que faz muito pensar, aquilo é um filme para os pais… Agora vou dar um que não é de desenhos animados, um filme diferente.”
MCR: “Um filme que fosse ver à Cinemateca.”
MAM: “Sabe que eu trabalho mesmo ao lado da Cinemateca. Mas os filmes da Cinemateca já são mais diferentes. Não sei, eu gosto de tudo, desde ficção científica, até uma comédia. Não gosto de dramas, é a tal história, eu penso, que não faz sentido ver um filme para me deprimir, a minha mulher adora. Eu lembro-me por exemplo, na viagem de regresso da minha lua de mel, nós fomos à Nova Zelândia, fizemos as Fiji, e depois na viagem de regresso fizemos tudo de seguida, Fiji, Melbourne, Hong Kong, Lisboa, foi um disparate, foram dois dias inteiros de avião. Eu nem me lembro, porque eu tomei uma bebida chamada ‘Cava’, que é uma bebida típica das Fiji, que até dizem que é uma bebida de fertilidade, mas as mulheres contestam isso, porque os homens tomam aquilo e ficam cheios de sono. E na última noite, tivemos um jantar de despedida lá e eu bebi e adorei aquilo, é uma bebida de fruto, com álcool próprio do fruto, assim branco e espesso e eu gostei tanto que me enfrasquei em ‘Cava’ naquela noite, de tal forma que, fiz estes voos todos a dormir, cheguei a Lisboa e ainda dormi 8 horas. Eu não me lembro da viagem, e agora vocês vão perceber a ligação, eu não me lembro de nada, a não ser de, num dos voos acordar e ver a minha mulher a chorar baba e ranho… Agora, há filmes bons para chorar, por exemplo ‘A cidade dos anjos’, é um filme que eu considero interessante. Mas eu adoro filmes. Nunca mais saímos daqui…”
Voltando ao quick-fire… tem o hábito de ir buscar as suas filhas à escola?
MAM: “Já tive, adorava, era a parte do dia que eu gostava mais. Só que isso mata-me o dia, mata-me a tarde, tinha que sair e ir buscar e deixar a casa e cortava-me o dia. Hoje em dia, vou levar à escola, às vezes com a minha mulher e outras vezes sozinho. Hoje fui sozinho. E portanto agora vou levar. Mas quero e vai acontecer, em breve, voltar ao regime em que vou buscar. Elas ficam super contentes. De manhã é um stress, toda a gente irritada e a querer-se despachar… à tarde não, está tudo bem… São meninas do papá… ultra meninas do papá.”
Quando vai ao shopping, qual é o restaurante de fast-food que escolhe?
MAM: “Tão bom. Gosto muito. Gosta de comer uma boa pita shoarma.”
MCR: “Essa é uma escolha clássica de um pai.”
Preferia um Batalhão de Caçadores ou um grupo de Reclusos?
MAM: “Batalhão.”
Sabe que é conhecido como Mike Moura?
MAM: “Sei, sei mas não me ofende. Vocês nem imaginam os nomes que nós chamávamos aos professores. Sei porque houve um dia em que eu estava a acabar uma aula e estavam uns alunos ainda a arrumar umas coisas e eu passei atrás e os alunos não se aperceberam que eu estava a passar atrás e disseram o nome. Bem, ficaram ultra envergonhados a comentar se eu teria ouvido ou não. Os professores ouvem e vêm muito mais do que vocês acham, as coisas não nos passam ao lado, mesmo a dar aulas não nos passam ao lado. E eu fiquei a pensar se lhes dizia ou não. Isso não me ofende, e portanto sei sim. Mike Moura. Mike Moura está ok, é leve. Também, deixe-me ver, na minha altura, o que é que nos dizíamos? O professor Vítor Neves era o VPN. Tínhamos um diminutivo para a professora Assunção, tínhamos um diminutivo para o professor Bacelar, tínhamos um nome feio para um professor mais velho que já se jubilou, que eu digo off the record.”
Comments