Tenho um cérebro muito cusco
- Matilde Almeida
- Oct 3
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Tenho um cérebro muito cusco. Numa ridícula curiosidade desavergonhada, vai sempre mais além para conseguir manter-se informado.
Ora corre então para junto do coração para discretamente - quase passando despercebido - ouvir o que este sente: faz se de amigo…até põe o ombro a jeito, mas é óbvio que só quer arrancar os seus segredos mais profundos.
Desbocado, começa a matutar naquela informação e, não tarda muito, desata num frenesim para a partilhar com os amigos - naturalmente muito desejosos de o ouvir, sedentos de algum entretenimento. Ora então contando e descontando, a saltitar por toda a parte vai aquele pequeno segredo que, de tantas voltas dar, acabou por retornar ao coração - pobre coitado, já se julgava mais leve.
Em pânico e descrença, o coração começa a andar do lado para o outro - tum tum - cada vez mais impaciente - tum tum tum tum tum tum – despenhando-se até aos pés; daí sobe num turbulento impulso pelas pernas, fazendo-as tremer por toda a parte. No entanto, a caminho de ir reclamar com o cérebro pelas suas inconfidências, fica preso na barriga e rebela-se: à medida que força a sua fuga vai deixando um buraco…um vazio incomodativo.
Por fim, sai disparado pela boca, estatelando-se nas minhas mãos. Derrotado. Cansado daquele corrupio sem fim, que o levou a dançar pisando-o e partindo-o a cada passo. Mas ao menos, já cá está fora - já não sente. Já não pode ser vítima das armadilhas do cérebro. Já não se magoa mais.
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