o que procuras?
391 results found with an empty search
- Poemas dos Espinhos do Amor - Parte III
“Querer ficar” Fugir é mais fácil que ficar. As vozes à nossa volta ecoam Como pedras atiradas a um lago. Por vezes o ruído do mundo É demasiado e tenta sobrepor-se. Mas quando me abraças, Quando te olho nos olhos… As vozes desaparecem, O ruído dissipa-se devagar. De repente estamos sós, Mesmo numa sala cheia. A única voz que oiço é a tua, E é a única que quero ouvir. Fugir é mais fácil que ficar, Calar é mais fácil que falar. Mas se o lago fores tu, Eu escolho mergulhar. Porque ficar é mais bonito que fugir. “Falam-me em borboletas” Falam-me em borboletas, Mas acho que elas são overrated. Contigo sinto-me segura, Não preciso de asas para voar. Sim, as borboletas são bonitas, Mas não são segurança. E segurança é o que me dás, Mesmo que num só sorriso. Sim, as borboletas são bonitas, Mas não são felicidade. E felicidade é o que eu sinto Sempre que estou contigo. Sim, as borboletas são bonitas, Mas não são casa. E casa é aquilo que sinto Dentro do teu abraço. Falam-me em borboletas. E as borboletas são bonitas. Mas são inquietude, São incerteza e são medos. Sim, borboletas são bonitas, Mas não são segurança. Não são felicidade. Não são casa. Borboletas são bonitas. Mas não são tu. “As palavras do silêncio” Dizes mais naquilo que calas, Do que nas palavras que te falham. Na verdade, as palavras Nunca foram o nosso forte. Pensamos tanto nelas que Nenhuma parece ser a certa. Por isso calamos. Deixamos o silêncio falar E esperamos que chegue, Que fale mais alto. Hoje sei, que nada fala mais alto Que as palavras do silêncio.
- Entrevista ao deputado Carlos Guimarães Pinto
NOTA DO AUTOR: Esta entrevista, baseada no tema da inflação, conta com as ideias do deputado da Assembleia da República, Carlos Guimarães Pinto, doutorado em economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto, tem como objetivo explicar à comunidade académica da Nova School of Law a problemática da inflação. Gostaria, ainda, de agradecer ao Doutor Carlos Guimarães Pinto pela colaboração nesta entrevista. ENTREVISTA: ZS : Como surgiu a atual inflação? CGP : A inflação atual surgiu devido à pandemia do COVID-19 e da guerra na Ucrânia. No período pandémico ocorreu uma forte injeção de dinheiro na economia, uma das maiores injeções monetárias da história, no período de 2020 e 2021. Devido à pandemia, tínhamos muito dinheiro na economia e as cadeias de produção quebraram, devido às pessoas não consumirem. Com o fim da pandemia, as pessoas começaram a sair à rua e a gastar todo aquele dinheiro que acumularam durante a pandemia, havendo muito dinheiro e poucas coisas a serem produzidas. Com isto, os preços acabam por subir, o que já se verificava antes da guerra na Ucrânia. Com a guerra da Ucrânia, ocorreu choque nos preços dos combustíveis e dos bens agrícolas, porque a oferta destes produtos diminuiu. A Rússia e a Ucrânia passaram a ter mais dificuldades em alocar a sua produção agrícola no mercado. Esta mistura de muito dinheiro parado e uma guerra que originou a dificuldade de obtenção dos produtos agrícolas levou ao incremento da inflação que podemos verificar atualmente. ZS : Qual é a principal diferença entre a atual inflação e a inflação dos anos 80? CGP : A diferença da inflação dos anos 80 para a atualidade é que, na época, Portugal tinha moeda própria. Portanto, a inflação era consequência das decisões que o país tomava: o país financiava muito da sua despesa pública através da injeção de moeda. No fundo, o estado imprimia dinheiro para pagar as suas despesas. Atualmente, Portugal não tem moeda própria, então a decisão não está apenas em nós. Foi o Banco Central Europeu que tomou esse tipo de decisão. Quanto ao resto, não há diferença. É a injeção monetária na economia que não tem uma capacidade produtiva à altura, o que faz com que os preços subam. ZS : Como é que poderemos sair desta situação? É possível voltar aos preços de 2019? CGP : Não é possível voltar aos preços de 2019, mesmo que a inflação fosse 0. Isso só aconteceria se houvesse deflação, um cenário muito improvável. É muito raro haver deflação elevada, sendo que, quando aconteceu, não ultrapassou o 1%. O que pode acontecer é uma subida a velocidade mais baixa, sendo que o objetivo dos Bancos Centrais é não ultrapassar os 2% ao ano. E para isso, não há formas fáceis. O que os Bancos Centrais têm feito é buscar todo o dinheiro que injetaram através do aumento das taxas de juro. E isto tem um efeito: as pessoas que têm prestações de casas e empréstimos ao banco são obrigadas a pagar uma prestação maior. Historicamente, a única forma de diminuir a inflação é diminuindo a taxa de juro. ZS : Qual é a influência dos Bancos Centrais nesta situação? CGP : Quando os bancos centrais mantiveram as taxas de juro baixas, alimentaram a potencial inflação, e fizeram mais que manter as taxas de juro. Fizeram algo que nunca tinham feito antes, o chamado quantitativismo. A compra direta de ativos, injetaram dinheiro porque eles próprios imprimiam dinheiro para comprar coisas no mercado. E os bancos centrais tiveram um papel essencial tanto na inflação dos preços dos consumidores, como ainda, muito antes disso, a inflação do preço dos ativos, como as casas. Nós falamos agora muito da inflação que chegou aos bens de consumo, mas este fenómeno já se verificava nos preços da habitação muito antes, que é para onde normalmente vão os empréstimos. ZS : Os bancos centrais deveriam ser órgãos ligados ao estado ou totalmente independentes? CGP : Totalmente independentes. Acho que foi a politização dos Bancos Centrais que levou a estas injeções monetárias. Se tivéssemos bancos centrais dependentes da política, tínhamos esta inflação para sempre, como acontecia nos anos 70 e 80 em Portugal. ZS : Quais são as principais medidas dos partidos políticos para combater a inflação? CGP : A inflação é muito difícil de combater com medidas políticas. Acho que deve ser com medidas monetárias. O banco central europeu combate a inflação bastante melhor do que qualquer partido político. No entanto, existem várias medidas adotadas pelos partidos políticos: alguns partidos apoiam que o estado diminua o IVA para permitir que os preços não cresçam tanto, como a Iniciativa Liberal, e outros partidos têm defendido para alguns produtos específicos; outros partidos defendem apoios sociais directos, como o que o PS tem feito - já que os preços estão a subir, dá-se às pessoas algum dinheiro para que possam comprar mais coisas; com um histórico de funcionamento muito mau, temos também o controlo de preços, através da proibição do aumento dos preços, como acontece em países comunistas quando há inflação. Esta medida gera escassez, uma vez que, quando os preços são impedidos de subir, as pessoas deixam de os conseguir vender. Temos visto isso no mercado farmacêutico, em que os preços são tabelados e não podem subir sem autorização. Nos últimos tempos, como há inflação e os preços dos medicamentos subiram num mercado livre, manteve-se os preços baixos e os medicamentos não estão disponíveis. Isto é um problema maior do que o preço aumentar alguns cêntimos. CONCLUSÃO Em suma, esta entrevista foi realizada por um estudante de direito a um deputado da Assembleia da República, onde o principal objetivo foi clarificar o que é a inflação e como ela funciona, e, além disto, como sair da situação de inflação. Esta entrevista foi feita com o principal intuito da comunidade académica da Nova School of Law percebesse do assunto que esta tem nas nossas vidas atualmente. E queria agradecer novamente ao Sr. Deputado Carlos Guimarães Pinto pela sua disponibilidade.
- Pedaços de Mim
Aqui estou eu, a aventurar-me na prosa. Para efeitos de transparência, a ideia por detrás deste texto não foi propriamente original. Na verdade surgiu-me de algo que vi há dias, num scroll casual pelas redes sociais. A frase era algo do género: “colecionamos tantas peças de pessoas que amamos ao longo da vida, que somos um mosaico de toda a gente que alguma vez amámos (mesmo que apenas por um segundo)”. Além de ser uma ideia bastante bonita, fez-me refletir. É evidente que, no dia-a-dia, vamos apanhando diferentes frases, expressões, tiques e manias das pessoas com quem mais tempo passamos; aprendemos com elas, partilhamos vivências, temos conversas marcantes… Mas será que tudo isto perdura, mesmo quando essas mesmas pessoas saem da nossa vida? Será que toda a gente que se cruza no nosso caminho e deixa uma marca (por pequena que seja), deixa connosco uma parte de si? Será por isso que custa tanto quando os caminhos se descruzam; que essa dor vai ecoando pelos anos que passam? Pus-me a pensar. Rapidamente me apercebi que até hoje eu como primeiro o que gosto menos no prato (para deixar o melhor para o final), como me ensinou a minha educadora de infância, e que me acalmo assim que oiço a letra do “encosta a tua cabecinha no meu ombro e chora”, porque ela me cantava essa música quando eu estava triste (o que será feito da Elisa…). Que o meu animal preferido é a raposa porque o meu avô me chamava a sua raposinha. Que toquei violino porque com cinco anos fui a um concerto e me fascinei pela violinista, que reparou e passou o tempo todo a sorrir para mim, e que comecei a aprender ukelele sozinha porque alguém do conservatório me disse (quando desisti do violino) para, dali a uns anos, “pegar numa guitarra ou qualquer coisa do género”, que eu conseguiria de certeza e que me faria bem. Que gosto de usar cor-de-rosa porque me lembro da minha diretora de turma preferida, que uma vez me disse que era “a minha cor” (a professora Eleonora fez-me gostar de artes…). Que ganhei um amor pelo flamenco para a vida, porque por sorte se cruzou no meu caminho uma professora e bailarina incrível, que me ensinou muito (quem me dera ter metade da alegria da Tatiana). Que ainda sorrio quando canto porque uma professora querida me ensinou, no 1º ano, que “a música fica mais bonita quando estamos a sorrir, essas coisas dão para ouvir” (já nem me lembro do nome dela…), e porque a professora Inês tantas vezes me chamou para a frente de todos no coro para “verem o sorriso da Carolina a cantar esta música e fazerem como ela”. Que continuo a usar o meu colar com uma estrela porque era o nome carinhoso que dava a uma amiga (sei que continuas a ser uma estrelinha na vida de toda a gente, Susanita). Que já vi a série “Gilmore Girls” 3 vezes porque uma amiga do secundário a recomendou uma vez (saudades tuas, Nês). Que sei de cor a “Ouvi dizer” dos Melim por todas as manhãs passadas a cantá-la com o meu colega de mesa da escola, nas aulas de matemática (António, meu salvador do 11º ano). Sei que hoje não estaria em Direito não me tivessem o professor Francisco e a professora Luísa, de português, encorajado a fugir das ciências e seguir o meu rumo (fosse ele qual fosse). Que não teria continuado a cantar se não fosse o sussurro da professora Inês quando se despediu de mim: “por favor não deixes de cantar quando eu me for embora” (estas saudades são das que mais doem até hoje…). Que não estaria aqui a escrever não fosse a professora Beatriz do colégio ter-me dado a confiança que eu precisava ao pôr-me à frente do jornal escolar. Acho que todas as músicas que já ouvi, os livros que li, os filmes que vi, as coreografias que dancei, os sítios que visitei, as coisas que vivi, deixaram uma marca e fazem parte de mim, mesmo aqueles que há anos ficaram para trás e, aparentemente, caíram no esquecimento. Somos sim mosaicos. Somos construções imperfeitas mas coesas de tudo e todos os que por nós passaram e, por um ou outro motivo, nos deixaram. É por isso que, passados anos, ainda penso em todos os excelentes professores que passaram pelo meu percurso, ainda sorrio quando estou a cantar em atuações da tuna, ainda tenho uma obsessão por raposas, ainda me lembro da Inês sempre que vejo a Rory Gilmore na televisão, ainda fecho os olhos quando oiço o som de um violino, ainda passo as mãos com carinho pela estrelinha no meu colar, ainda me acalma ouvir música brasileira, e ainda dói lembrar-me da professora Inês. Dói? Esta dor é uma dor bonita, mas não deixa de ser dor… Fomos feitos para o vaivém da vida, para vermos as pessoas irem e virem como se fosse um aeroporto em época alta. Mas dói. Dói precisamente porque elas deixaram para trás um pedaço de si, e dói porque, de uma maneira ou de outra, em maior ou menor medida, as amámos e elas nos amaram a nós. Talvez nunca mais tenhamos falado com elas, mas elas vão vivendo dentro de nós todos os dias, muitas vezes sem sequer nos apercebermos, nos nossos gestos mais mundanos e nos nossos hábitos mais irrefletidos. É bonito pensar na marca que podemos também deixar no caminho dos outros. Quem sabe não estarei eu na “lista” de alguém. Podemos ter sido feitos para o “entra e sai” que é a vida, mas as pessoas que realmente importaram nunca sairão de nós, por mais que o passar do tempo e o sopro da memória as tentem apagar. Por isso, a todos cujos caminhos se cruzaram com o meu (e depois se descruzaram), e deixaram uma marca positiva: obrigada. Vocês são as minhas partes preferidas de mim. São o que muitas vezes me aquece o coração nos dias cinzentos. São a felicidade e o conforto das boas memórias, e o impulso do meu futuro. São pedaços de mim .
- Faculdade, e depois de ti? - Parte II
NOTA DO AUTOR Olá, caros leitores. Antes de mais, agradeço aos corajosos que abriram esta segunda parte da coletânea de entrevistas, depois do que possivelmente terá sido uma leitura tanto quanto entediante da primeira entrevista. Gostava de acreditar que não, pois se há coisa que aprendi com este projeto, foi que nunca é demais ouvir o produto da experiência de vida de quem já a ganhou, especialmente de quem está a trabalhar na área em que imaginamos. Como tal, espero que partilhem do mesmo entusiasmo. A próxima convidada foi a Sofia Barata, Head of Corporate Services na Vieira d’Almeida e Associados. ENTREVISTA FJ: Olá Sofia. Antes de mais, queria agradecer-lhe por ter aceitado o meu convite. Por favor, apresente-se aos nossos leitores. Sofia Barata (SB): Olá Francisco. O meu nome é Sofia Barata, sou advogada, Head of Practice dos Corporate Services da VdA e responsável pela implementação do projeto de IA aplicado à revisão de documentação e pela automação de contratos. FJ: Sofia, tirou a licenciatura na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. O que nos pode dizer da sua experiência enquanto estudante? Alguma disciplina que a marcou? SB: Tirei o curso no início dos anos 90 numa Faculdade de Direito com Professores extraordinários com quem aprendi muitíssimo. Destaco o Marcelo Rebelo de Sousa, o Freitas do Amaral, Menezes Cordeiro e outros também muito importantes, mas de que não gostava tanto, como o Jorge Miranda, que dava Direito Constitucional, uma das disciplinas mais importantes do curso. A minha experiência foi muito enriquecedora, foram anos muito importantes no meu crescimento que me definiram de forma muito marcante. Foram os anos em que acho que me tornei naquilo que sou. O mais importante foi aprender a pensar e a resolver problemas. A perceber que temos de ser nós a encontrar as ferramentas e a melhor forma de encontrar respostas. E claro, foram anos muito divertidos, em que se tem a vida toda pela frente. Foi na FDUL que fiz amigos para a vida e de quem sou muito próxima. Da minha experiência enquanto estudante de Direito destaco um processo evolutivo, tive várias ideias ao longo dos 5 anos, pensei em várias hipóteses de carreira e depois foi tudo acontecendo de forma um pouco diferente e com imensas oportunidades que foram surgindo. Destaco Teoria Geral do Direito Civil e Obrigações – para mim que gosto de direito civil, direito privado – e, claro, penal e processo penal. FJ: Pode ler-se no site da VdA que possui "uma longa experiência na área de M&A". Pode contar-nos em que é que esta área consiste e falar-nos da sua experiência enquanto advogada de M&A? SB: A área de M&A, ou Mergers and Aquisitions, tem uma vocação essencialmente transacional e uma experiência em operações de fusões e aquisições. Aqui na VdA, o nosso portfólio de clientes inclui empresas e investidores internacionais e nacionais de várias ordens e naturezas. Participei ao longo dos anos em transações em setores chave como a banca, energia, as infraestruturas, a saúde, as comunicações e tecnologia. A atividade da área de M&A centra-se essencialmente em processos de aquisição e venda de empresas, fusões, cisões, joint ventures, parcerias, privatizações, reorganizações societárias, restruturações e ofertas públicas de aquisição e de venda. Trabalhamos em conjunto com as várias competências da firma e asseguramos, através de uma abordagem integrada dessas valências e expertise setorial (nomeadamente em matéria fiscal, financeira, regulatória, concorrência, laboral e propriedade industrial, entre outras), o desenho de soluções inovadoras orientadas para os objetivos e resultados do cliente. Temos sempre em conta as especificidades do respetivo assunto. FJ: O seu trabalho prende-se com a implementação da Inteligência Artificial e da inovação digital por parte das firmas de advogados. Como é trilhar este caminho digital numa firma tão relevante e importante como a VdA? SB: A VdA tem a inovação no seu ADN e, como tal, o desafio da digitalização – da transformação digital - foi abraçado de forma consistente e a transformação tecnológica reflete-se de forma natural na nossa prática e no nosso dia a dia em diversos ângulos, designadamente na mobilidade, na colaboração e na eficiência. A eficiência, em particular, é trabalhada em diversas frentes, destacando-se as plataformas de inteligência artificial e inferência estatística/analítica e plataformas de automação de documentos. Neste enquadramento, incorporamos no nosso dia a dia diferentes ferramentas tecnológicas num só ecossistema; VdA e os advogados beneficiam de uma realidade mais conectada e versátil de acesso às ferramentas de trabalho, mais eficiente na sua utilização, sem nunca comprometer a segurança. O nosso principal objetivo por detrás da adoção das novas tecnologias é criar valor para os Clientes, prestando serviços mais eficientes e otimizados num modelo mais apelativo, com o estabelecimento de entendimentos mais dinâmicos e próximos. A transformação digital e tecnológica vai intensificar-se sobretudo nos ganhos de eficiência e otimização, através do reforço da análise, classificação e automação documental - muito por via da aplicação consistente de plataformas de inteligência artificial, tecnologia de bots para automação de tarefas - da otimização e gestão de processos judiciais e administrativos e gestão de projetos. FJ: Quais os principais desafios e tendências que a profissão enfrenta nos próximos anos? De que forma pode a automação de tarefas e o mundo paperless contribuir para uma entrega mais eficiente? SB: Há sempre uma discussão ou um debate teórico acerca da IA e do seu impacto. Mas, considerando a IA uma inevitabilidade, julgo o debate se deve centrar em “Como vamos beneficiar destas tecnologias, e como será a melhor maneira de as implementar” – como vamos ser os Advogados que os Clientes esperam que sejamos. Como implementar de forma consistente como um novo paradigma? Como avaliamos o impacto, como ultrapassamos as resistências? A resposta é: com compromisso, suporte dos Sócios, do Management, com treino, formação dos novos advogados, com investimento. Este tema surgiu na minha vida quando liderei duas das maiores operações de due diligence levadas a cabo em Portugal – uma no âmbito da venda de uma empresa de telecomunicações e outra no âmbito da venda de um banco. Pode imaginar a quantidade de documentos que tiveram de ser analisados manualmente. Comecei então a pensar numa forma de agilizar estes processos. À data de hoje (novembro de 2022) estamos todos conscientes de que não será possível vencer os desafios dos tempos modernos, em particular os relativos ao valor e ao futuro do trabalho na área da advocacia e do direito, sem abraçar as tecnologias que precisamente os tornam modernos. Somos confrontados com os agentes da mudança: a urgência de eficiência e otimização, o aparecimento de novos concorrentes (tradicionais ou não), novos modelos de pricing e pressão nos fees e a fulgurante ingerência das novas tecnologias em todos os setores da economia. Há, assim, uma necessidade de olhar com naturalidade e inevitável certeza para a inscrição das novas tecnologias como a inteligência artificial e a automação de documentos no contexto da prestação de serviços jurídicos. Os clientes continuam a querer que os serviços jurídicos sejam prestados por advogados com expertise, conhecimento e talento verdadeiramente humano mas, com a ingerência da tecnologia em todos os setores da economia é também certo que, uma vez disponíveis, vão exigir que os mesmos serviços contem com as vantagens - em particular, a eficiência e o rigor - das novas tecnologias de inteligência artificial e obviamente da digitalização que naturalmente a precede o que permitirá o foco e a dedicação do advogado ao que os clientes mais valorizam e pretendem, o aconselhamento jurídico para a melhor tomada de decisão. FJ: Para terminar, consegue dar aos nossos leitores algum conselho para o seu curso e futura vida profissional? SB: São três conselhos que tenho para vos dar. O primeiro: leiam. Leiam muito, seja o que for. Romances, por exemplo. Não digo romances no sentido de histórias de amor, mas no sentido de ficção literária. Tenham interesses para além do curso, seja qual forem. Aproveitem esta altura das vossas vidas para alargarem os vossos horizontes. O segundo, interessem-se por política. Pelos direitos humanos. Está na hora de subscreverem um jornal, de lerem um pouco as notícias. De se tornarem jovens informados. O terceiro, e mais importante: aproveitem muito!
- Porque nos importamos?
O tempo é inexorável Já dizia Ricardo Reis Mas se é tão irremediável Porque nos importamos? Não conseguimos voltar atrás Por mais que queiramos Então, porque nos importamos? Será que alguma vez voltaremos à inocência de quando éramos crianças, de aproveitar o momento sem qualquer desalento? Seremos capazes de espremer e saborear cada momento, sem pensar no que poderíamos mudar ou no arrependimento? São questões que nos deixam a pensar naqueles instantes que devíamos ter usufruído, agora convertidos em memórias inquietantes. O nosso tempo neste mundo está contado pelo cronómetro de Cronos. Então, porque não tirar o máximo proveito e deixarmos para o passado aquilo que já foi ultrapassado...
- A homeostasia da calma
Às vezes, apetece-me chorar. Não porque alguém partiu, ou algo se perdeu. Principalmente quando nada de triste se passou, apetece-me chorar. Como se das águas paradas de um lago, de repente principiasse uma chuva sincera para dentro, molhando a água e as algas e os peixes. Como se, em terreno firme e imóvel, inusitadamente se rebelasse uma partícula, capaz de fazer a estrutura ceder. Como se, no espaço infindável e adormecido, um algo de nada algures se expandisse aos bocadinhos, fazendo eclodir o Universo. A mim, por vezes, apetece-me chorar. Há certos momentos de calma que causam em mim compulsões internas, junto do coração, isto é, que me comovem. Quando olho alguém que amo e me recordo das verdades que esse conceito figura. Quando ouço certa melodia. Quando leio esta ou outra passagem. Por meras razões de homeostasia, pequenas gotas de mar diluído fazem eclodir os depósitos em que se encontram nos cantinhos dos meus olhos e deixam-se escorregar, isto é, choro. Não vou dizer que choro de alegria, não acredito que seja essa a razão subjacente a todo este processo. Acho que há uma certa tristeza nas coisas calmas, nas coisas certas, nas coisas que nos fazem felizes. Porque todas as verdades têm dois polos e a felicidade não pode ser diferente se vigora no mesmo plano que tudo o resto. Há alguma melancolia naquilo que é alegre, uma certa alegria em tudo o que é triste. Talvez chore porque o sei, ou melhor, porque o sinto, sem o saber. Talvez a tristeza e a alegria sejam a mesma coisa, com jeitos diferentes de se mostrar. Talvez sejam coisas diferentes que se mostram da mesma maneira, já que ambas me fazem chorar. Ou uma delas. Ou aquela que é também a outra, ao mesmo tempo. É que nenhuma constante é eternamente constante. Só o é enquanto não chove, enquanto não se rebelam as partículas, e enquanto os bocados de nada não decidirem expandir-se imprevisivelmente. Talvez seja esse o outro polo da alegria, o da sua efemeridade. Se assim for, apetece-me chorar porque aquilo que me comove tem um fim certo, mas imprevisível. Porque a calma não antecipa o momento em que será posta em causa, ou não seria calma. Porque os finais me amedrontam e a extinção da rotina é uma ideia tão difícil de suportar. Mas isto não é certo, porque as coisas não acabam verdadeiramente. As verdades que parecem acabar apenas se transformaram noutra coisa qualquer. Deve haver espaço, nessa transformação para que a felicidade se converta também. Não em tristeza, mas numa outra versão de si mesma. Afinal, o amor não pode simplesmente desintegrar-se, e não há perda na transformação. Comovo-me, então, pela beleza que subjaz a todos estes câmbios encadeados de verdades. Pela multiplicidade de variáveis que cabem dentro de cada certeza. Não choro de alegria, nem choro de tristeza. Independentemente disso, agora, apetece-me chorar - esta manhã, o meu pai sorriu para mim ao despedir-se para ir trabalhar. Não me sinto feliz, tão-pouco me sinto triste. Tudo está calmo.
- Uma colher de açúcar, meia de sal: a receita secreta para um processo criativo atribulado
Enquanto redatores, nasce connosco um dever de transmitir em palavras as nossas deambulações mentais. Por vezes, é aquilo que sentimos numa sexta-feira à tarde, depois de 8 horas de aulas sobre a 'lei das coisas'. Por outras, uma das muitas tragédias que a vida nos dá de presente, num embrulho cor-de-rosa com um lacinho dourado (para parecer menos trágico, claro). Ocasionalmente, são as pequenas reflexões que resultam de momentos mais ou menos filosóficos que nascem e procriam dentro das nossas cabeças. Agarramos num papel, escrevemos. Escrevemos e apagamos, apagamos para escrever de novo, mas de uma forma diferente. As nossas palavras são meros enfeites para uma ideia: procuramos sempre deixá-la bonita, percetível aos olhos de todos. Não há nada mais temível para um escritor que a falta de clareza. A lógica, contudo, nem sempre se aplica. Como transformar pensamentos descabidos em algo minimamente coerente? Como escrever em algumas frases conexões neurológicas pouco claras e incongruentes? Nem mesmo as palavras alcançam essa proeza: a elas está reservado um domínio diferente, o que deixa a ideia apelativa ao público. A frase não fica bem desta forma, ou será a reflexão que não faz sentido? Será que entenderão o que quero dizer? E se entenderem e não gostarem? Ou se gostarem dos adereços da ideia, mas não da ideia em si? Ah, se eu pudesse vomitar tudo o que penso e sinto para um pedaço de papel e chamá-lo de texto! Mas não posso. Há que trabalhar na coisa, há que aperfeiçoar, reescrever, triturar, misturar, adicionar uma colher de açúcar e meia de sal e levar ao forno para ficar pronto em... tempo indefinido? Provavelmente uma eternidade, com sorte em 2 dias úteis, por milagre em 3 horas. E se não fosse este dever, este sentimento, esta vontade de partilhar o nosso engenho, o papel ficaria vazio, a caneta cheia, e os leitores sem nada para remoer dentro do próprio juízo. Mas não o fazemos só pelos leitores, fazemo-lo por nós próprios, fazemo-lo porque nascemos assim: é uma condição que nos é inerente. E que fazer quanto a isso? Nada! Aceitamos a nossa conjuntura e arranjamos remédio para o problema: não há como fugir ao processo criativo nem à satisfação que um texto terminado e novinho em folha nos traz. Assim, recapitulando, mais uma vez: agarramos num papel, escrevemos, escrevemos para apagar, escrevemos para reescrever, reescrevemos para repensar. Paramos para depois recomeçar de novo. Por fim, rasgamos a folha, apagamos o parágrafo que redigimos durante a última meia hora. Desesperamos, mas o pensamento, a ideia, o sentimento, esses não desaparecem, são insanáveis e insistentes. O dever não evapora, a vontade não se extingue. Que chatice, não há como escapar ao nosso destino ou evitar quem somos. Por fim, rendemo-nos ao impulso: escrevemos, escrevemos muito, sentimos ainda mais, escrevemos porque sentimos, escrevemos porque é isso que somos: ideias bonitas num papel com tinta colorida e uma assinatura.
- A realidade de ser só mais uma
A eterna pergunta: quantos sapos tens de beijar antes de chegar ao teu príncipe? Será que os homens pensam nisto? Será que têm de pensar? Será que interessa? A vida académica oferece-nos dos momentos mais bonitos que podemos viver, oferece-nos paixão e mistério, chama e felicidade (a uns até oferece amor), mas também oferece muita desilusão e angústia. Entramos todos no mesmo sítio e saímos todos juntos, mas será que passamos todos pela mesma experiência? Uma grande parte da vida de qualquer estudante é ir sair à noite, viver a loucura dos anos de universidade e cometer erros… e sejamos honestos, todos os cometemos, mas nem todos os sofremos da mesma forma. Eu vejo raparigas incríveis, bondosas, inteligentes, acima de tudo, ambiciosas, a perderem-se em rapazes que se tornaram semideuses pela lei da oferta e da procura. Amigos, não se iludam, é simples, a oferta é escassa e a procura é elevada, aumentando assim o valor dos produtos. Não é isso que o mercado livre nos ensina há anos? Vemos isto no nosso dia a dia, lutamos contra a sua concretização, lutamos para que as pessoas sejam apenas pessoas e não tenham um qualquer valor inflacionado associado, que sejam quem são pela sua personalidade e não pelo seu órgão sexual. Pelo menos, é isto que tentamos fazer com as mulheres, que sejam todas iguais, que tenham todas o mesmo valor, que possam todas viver livremente e abertamente e, depois, vemo-nos confrontadas com o sexismo sistémico que torna os escassos rapazes da nossa faculdade numa espécie de panteão sexual, em que podem dizer e fazer o que lhes bem apetecer, sem apreço por quem magoam no caminho ou pelas inseguranças que criam; tudo isto por serem apenas isso, escassos. Devo dizer que são um caso de estudo fascinante, uma minoria não discriminada… Por muito que apelemos ao amor próprio e à independência, não confundam as coisas, pois elas não são mutuamente exclusivas, ser feminista e querer sexo/amor é uma realidade, poupem-me o discurso. Ninguém quer estar sozinho numa quinta à noite, ninguém quer ser a pessoa ignorada, renegada para um canto, no fundo, ninguém quer ser invisível – queremos todas tentar a nossa sorte e que, os poucos que existem, reparem em nós. Queremos divertir-nos e viver a nossa vida de jovens adultas, como todos querem, e acabamos objetificadas (não há nada de novo aí) e gozadas, como se não estivéssemos a fazer exatamente o mesmo que todos os rapazes também fazem (honestamente, nós não nos beijamos a nós próprios, ok? Tem de haver uma contraparte) e, no dia seguinte, ainda temos de nos levantar e ouvir a faculdade falar sobre as nossas vidas pessoais e em como fomos só mais uma… só mais uma gota no oceano… aquela que ele comeu ontem. Posso andar desatenta, mas não me lembro de ter ouvido a história ao contrário ainda, ou, se a ouvi, não foi bem com o tom glorioso com que os rapazes a partilham, foi com um tom de pesar e nojo que ascende nas vozes nestes momentos. Que grande double standard! E tudo numa faculdade em que as raparigas estão em maioria. Poupem-me! Se nós somos só mais uma, eles também o são, no entanto, não tendemos a ouvi-lo assim, as mulheres são eternamente umas românticas desesperadas (pelo menos, é o que tenho entendido da representatividade feminina nos filmes…) à procura do rapaz perfeito que lhes pegue ao colo e leve a passear de cavalo. Que visão maravilhosa! Acho que me vou emocionar. Por favor! É quinta à noite, não é o teu cavalo que nós queremos ver. As mulheres não são só uma coisa, nem só um momento, nós queremos divertir-nos e queremos o nosso respeito. Queremos escolher ter dias em que vocês são só mais um e outros em que procuramos o um que vai interessar no fim das contas. Queremos ter dias em que não queremos nenhum e dias em que queremos todos. Queremos ter dias em que duvidamos do que queremos e dias cheios de certezas. Queremos ter todos os sentimentos a que temos direito, lágrimas no fim de um filme romântico, alegria após um beijo doce, paixão numa noite ardente e raiva quando somos SÓ MAIS UMA. Somos pessoas, não bonecas para brincar e mandar para a reciclagem. Vocês também não querem ser só mais um, porque é que acham que nós queremos? Somos todos jovens adultos e queremos todos divertir-nos e encontrar o nosso caminho, só peço que, no entretanto, sejamos todos tratados da mesma forma pelas mesmas ações. (Peço, desde já, desculpa a todas as masculinidades frágeis atingidas no processo)
- UM RIO QUE NÃO VAI PARAR
Já alguma vez ouviram estas afirmações ou similares? “Os portugueses estão sempre a falar mal de si e de Portugal, mas se algum estrangeiro fala mal de Portugal ou dos portugueses até trepamos as paredes” “Os estrangeiros ainda não perceberam que os únicos que podem falar mal de Portugal são os Portugueses.” Ora, a mesma lógica pode ser usada quanto ao partido político mais português de Portugal, o Partido Social Democrata - o PPD. Este partido, que também é o meu, é uma alegria. Paz, Pão, Povo e Liberdade! Nascido a 6 de maio do ano da revolução, tem, 49 anos passados, 77 mandatos na Assembleia da República, conquistados com 1.618.343 votos nos nossos concidadãos. 6 dos 21 eurodeputados portugueses são laranjas, 114 dos 308 presidentes de Câmara Municipal também o são. Lidera o Governo Regional da Madeira desde 1979 e o Governo Regional dos Açores desde 2020. É definitivamente um grande partido desta segunda República. O PSD é um partido composto por milhares de pessoas ideologicamente não alinhadas, desde umas dezenas de verdadeiros social-democratas a outras centenas de grandes neoliberais, pelo meio não perdendo alguns agrobetos toureiros filhos do CDS e meus companheiros da JSD, a sua grande casa. Sendo do Norte (a melhor região do país), devo notar que acima do Mondego a existência do espécime agrobeto é, felizmente, exígua. Aquela indumentária e as corridas de touros são coisas que, realmente, não fazem grande falta. O partido que se diz não-socialista mas que se chama Social Democrata é uma fonte inesgotável de conteúdo para os OCS. É um partido que vai a eleições internamente com mais energia do que externamente. As disputas presidenciais no PSD são as únicas verdadeiramente competitivas e interessantes em Portugal. Não se pense, no entanto, que o PPD vai dividido a eleições nacionais. Invariavelmente vai unido em torno do líder, que se as vencer, será corado imperador, e que se as perder, será apunhalado imediatamente a seguir. Chega a ser de “partir o caco” ver personagens juntas em arruadas, sorridentes saltitantes, que se odeiam abertamente. O PSD é mágico, o partido do amor. Somos também o partido de Belém. Desde 2001 que o Partido Socialista não disputa as eleições presidenciais e, por isso, conseguiu o PSD eleger Aníbal Cavaco Silva (Doutor em Portugal) e Marcelo Rebelo de Sousa (Doutor em Portugal) em 2006, 2011, 2016 e 2021. Não gosto de nenhum deles. O primeiro acabou a presidência impopular e o segundo para lá caminha, com a agravante de estar a vulgarizar a Presidência da República diariamente. Somos o Partido que reverteu a índole comunista da Constituição, que implementou o Serviço Nacional de Saúde, que multiplicou quase 4 vezes o produto no seu grande período de governação (85-95), que dotou Portugal de uma rede de infraestruturas rodoviárias que revolucionou o país, nunca se aproximou tanto a nação. Somos o partido que tirou Portugal da assistência financeira pedida pelo Sócrates (Engenheiro em Portugal). São motivos de orgulho. O Líder da Oposição, Luís Montenegro (Doutor em Portugal), foi eleito em maio deste ano, com mais de 19 mil votos de companheiros laranjas. Apoiei na altura o Jorge Moreira da Silva (Doutor em Portugal), que perdeu redondamente, mas ganhou o meu coração. O Presidente Montenegro não me inspira grande amor, mas acho-lhe graça, ainda há de ser primeiro-ministro, mais cedo que tarde visto que o António Costa (doutor em Portugal) está a encarregar-se pessoalmente de desintegrar com estrondo o seu Gabinete, o que me deixa feliz. 2023 pode ser um bom ano. Espero que este meu partido saiba construir uma boa alternativa a este desgoverno, que alheado da realidade dos dias iguais, mantém uma narrativa mentirosa, amorfa, suportada pela classe geriátrica, que condiciona e mata o futuro de todos nós. Se continuar a haver governo, demito-me do jur.nal, não vá ser convidado para Secretário de Estado da Educação. Termino esta pequena reflexão com uma citação do Grã-Cruz da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo Grã-Cruz da Antiga e Muito Nobre Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito Grã-Cruz da Ordem da Liberdade Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, Senhor Francisco Sá Carneiro, minha maior inspiração “Medimos os desafios a enfrentar e sentimos a impaciência acumulada nos anos passados que sobre nós pode desabar. Mas não tememos os riscos, nem receamos a esperança. A força forja-se na luta, a firmeza no combate pelos princípios, a coragem no enfrentar da crise." Saibamos não recear a esperança e não fugir ao combate.
- A Burocracia de Estar Vivo, ou, R=01010010
O teu corpo é bomba-relógio. Tique. A máquina que te deram para navegar. Taque. Rachada. Não estás zangado, apenas cansado. Tens de respirar. Respirar custa. Poluição e drogas e venenos anónimos porque ɆⱠɆ₴ ₥₳QɄłⱠⱧ₳V₳₥-₴Ɇ ₵Ø₥ ₵ⱧɄ₥฿Ø Ø QɄɆ É QɄɆ ₦Ø₴ V₳ł ₥₳₮₳Ɽ ₴Ɇ₥ ₴₳฿ɆⱤ₥Ø₴. O teu estômago é bomba-relógio, tique fome, taque cheio. Tens de comer. Conta os dinheiros. Tens apenas XXX na conta. Conta. Coma. Calorias. ₵Ø₦₮₳ ₳₴ ₵₳ⱠØⱤł₳₴. Vais engordar hoje. Barriga cheia. Como enfias os dedos mesmo? Nojo. Garganta nojo; estômago nojo. Amanhã vais emagrecer. Tu não gostas de comida, porque o fizeste? Porquê? PorquÊ? Porquê porquê porquê – porque a máquina é fraca. Amanhã vais, amanhã vais, amanhã vais Não sais da cama. Até repousar não para o. Tique. Taique. O teu quarto vai explodir se não saíres da cama. O teu quarto é a tua cama. Roupa canto inferior esquerdo. Computador telemóvel canto superior direito. O resto tu. Estás feliz ⱧÁ 18 ₴₳₵Ø₴ ĐɆ ⱠłӾØ ₵ⱧɆłØ₴ Ɇ₴₱₳ⱠⱧ₳ĐØ₴ ₦Ø ₵ⱧÃØ ₱₳ⱤłĐØ₴ Đ₳₴ 18 VɆⱫɆ₴ QɄɆ ₥₳₦Đ₳₴₮Ɇ VłⱤ ₱łⱫ₳ ₱ØⱤQɄɆ ₦ÃØ ₵Ø₦₴Ɇ₲Ʉł₳₴ łⱤ À ₵ØⱫł₦Ⱨ₳ Ø ₵ⱧÃØ Ɇ₴₮Á ₱ØⱤ ₳₴₱łⱤ₳Ɽ ⱧÁ 100 Đł₳₴ Ⱡ₳V₳Ɽ 3006. Se bem que… há alguns pratos por lavar. Ao fim de…? Quanto tempo mesmo? Caíste da cama, foste lavar os pratos. Atiraste dois contra a parede. Mas não. Não o farias, não, não fazes mal a uma mosca genocida. Não estás zangado. A burocracia de estar vivo. Ela cansa-te. Sem estas tarefas, o teu mundinho Ḙ̮̭̫̞͕̍̈̕X̺̘͉̜̮ͮ͡P̶̼̯̹͚̝̺͎͊̀L̴͈̫̣̩̼̲̄̌̄̚Oͪͥ҉͕͔͙̟̣D̝̭̭̐̓̋́E̢͚͓̜̪̱ͭ Mas não estiveste mesmo tanto tempo na cama, pois não? Não, tu não dormes uma noite seguida há milénios duas noites. Porque o mundo lá fora também não espera por ti. Tiquetaquetiquetaque. Também a Terra é uma bomba-relógio. Tens escola/trabalho/mendigagem/que fazes na vida mesmo. Sai da cama, tens de estar lá às 9. Parabéns, chegaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Parabéns, chegaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Parabéns, chegaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Parabéns, chegaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Parabéns, chegaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Parabéns, chegaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Parabéns, chegaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Parabéns, chegaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Parabéns, chegaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Parabéns, chegaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Parabéns, chegaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Parabéns, chegaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Parabéns, chegaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Parabéns, chegaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Parabéns, chegaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Parabéns, chegaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Parabéns, chegaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Oops, não saíste da cama, falhaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Oops, não saíste da cama, falhaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Oops, não saíste da cama, falhaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Oops, não saíste da cama, falhaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Oops, não saíste da cama, falhaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Oops, não saíste da cama, falhaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Oops, não saíste da cama, falhaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Oops, não saíste da cama, falhaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Oops, não saíste da cama, falhaste! Sai da cama, tens de estar lá às 9. Oops, não saíste da cama, falhaste! ØØ₱₴, ₦ãØ ₴₳í₴₮Ɇ ₵₳₥₳, ₣₳ⱠⱧ₳₴₮Ɇ! ₴₳ł Đ₳ ₵₳₥₳, ₮Ɇ₦₴ ĐɆ Ɇ₴₮₳Ɽ Ⱡá à₴ 9. ØØ₱₴, ₦ãØ ₴₳í₴₮Ɇ ₵₳₥₳, ₣₳ⱠⱧ₳₴₮Ɇ! ₴₳ł Đ₳ ₵₳₥₳, ₮Ɇ₦₴ ĐɆ Ɇ₴₮₳Ɽ Ⱡá à₴ 9. ØØ₱₴, ₦ãØ ₴₳í₴₮Ɇ ₵₳₥₳, ₣₳ⱠⱧ₳₴₮Ɇ! ₴₳ł Đ₳ ₵₳₥₳, ₮Ɇ₦₴ ĐɆ Ɇ₴₮₳Ɽ Ⱡá à₴ 9. ØØ₱₴, ₦ãØ ₴₳í₴₮Ɇ ₵₳₥₳, ₣₳ⱠⱧ₳₴₮Ɇ! ₴₳ł Đ₳ ₵₳₥₳, ₮Ɇ₦₴ ĐɆ Ɇ₴₮₳Ɽ Ⱡá à₴ 9. ØØ₱₴, ₦ãØ ₴₳í₴₮Ɇ ₵₳₥₳, ₣₳ⱠⱧ₳₴₮Ɇ! ₴₳ł Đ₳ ₵₳₥₳, ₮Ɇ₦₴ ĐɆ Ɇ₴₮₳Ɽ Ⱡá à₴ 9. ØØ₱₴, ₦ãØ ₴₳í₴₮Ɇ ₵₳₥₳, ₣₳ⱠⱧ₳₴₮Ɇ! ł₴₮Ø ₦ÃØ É VłVɆⱤ Ɇ₥ ₴Ø₵łɆĐ₳ĐɆ 01100110 01110010 01100001 01100011 01101111 Para resolver isso, não podes ficar na cama, seu tontinho. Não podes simplesmente ir para o parque, e repousar. O céu claro virando escuro, ruídos de paranoia balada gentil do vento, o sabor a metal gosto a terra. Tu fundindo-te com as raízes das árvores. Sabias. Até as árvores apodrecem, e queimam. A natureza em si é uma bomba-relógio. Seu. Incrivelmente. 01100110 01110010 01100001 01100011 01101111. 01101110 01100001 01110011 01100011 01101001 00100000 01101110 01110101 01101101 01100001 00100000 01100011 01100001 01110011 01100001 00100000 01110011 01100101 01101101 00100000 01100001 01101101 01101111 01110010 00001101 00001010 01100101 01110101 00100000 01101110 11000011 10100011 01101111 00100000 01101101 01100101 00100000 01110011 01100101 01101001 00100000 01100001 01101101 01100001 01110010 Os que te rodeiam amam-te. até eles são uma obrigação, um compromisso. bomba. não podes esperar retorno sem investimento. ₴Ɇ ɆɄ ₣₳Ⱡ₳Ɽ ₵Ø₥ ₥₳ł₴ ₳Ⱡ₲ɄÉ₥ ₱ØⱤ Ʉ₥ ₴Ɇ₲Ʉ₦ĐØ ɆɄ ₴Ɇ ₦ÃØ ₣₳Ⱡ₳Ɽ ₵Ø₥ ₦ł₦₲ɄÉ₥ ₱ØⱤ Ʉ₥ ₴Ɇ₲Ʉ₦ĐØ ɆɄ amo-os, só estou cansado. ✞✌♓⬧ 🔾□❒❒♏❒ 🡪 ⧫◆♋ 🔾🡬□ ⬧♏ □ ♍♋■♍❒□ ♎♋⬧ ⧫◆♋⬧ ♎❒□♑♋⬧ ■🡬□ ⧫♏ ♋🞐♋■♒♋❒ 🞐❒♓🔾♏♓❒□ O mundo. Formas. É tudo o que é, no final de tudo, não é? Palavras são só formas, para se brincarem e desrespeitar à vontade. ռÃօ É?NÃOÉNÃOÉ☠⮱🏳⮷ 01101110 11000011 10100011 01101111 00100000 11000011 10101001? Tu percebes na mesma. Ou talvez não percebas, não acho que importe. Tu não percebes porque somos bombas vivendo em bombas fazendo bombas, atirando bombas para canto e escapando o inevitável. Não estou a falar da morte, seu imbecil. Estou a falar de estar vivo. É isto que é estar vivo. Ciclos de tarefas formularias. Formas. Sair da cama, conseguir chegar à porta de casa com esforço maquinal, enquanto as entranhas se partem. face a isso tens duas opções tu sabes quais Olá mundo :] EU sou só uma máquina TU também O que vais fazer com essa informação? Nós estamos exaustos. Quando não estamos, queremos fazer o mundo A̡͖̹̼͖͔̦̗͋ͮͭ ̷̞̩͇͉̑͆̍̓R̢̰̱̱̊͗ ̧͔̺̂̇̾ͥD̙̙̘̽͂͑͜ ̡̲̥̻͚͚̤͂̐̅̚E̲͕̹̟͔̒ͤ͞ ͍͎̉ͮ͛̚͡R̡͍̼̖͚̒ͥͅ ₵Ø₥Ø V₳ł₴ VłVɆⱤ Ø₴ ₮ɆɄ₴ ₱ⱤɆ₵łØ₴Ø₴ ₴Ɇ₲Ʉ₦ĐØ₴ ₦Ɇ₴₮₳ ₮ɆⱤⱤ₳ ₮₳₥ ₥Ʉł Ⱡł₦Đ₳ QɄ₳₦ĐØ ₮Ɇ₦₴ ₳ ฿ɄⱤØ₵Ɽ₳₵ł₳ Đ₳ VłĐ₳ ₥₳₮₳₦ĐØ Ø₴ Ú₦ł₵Ø₴ ₴Ɇ₲Ʉ₦ĐØ₴ QɄɆ V₳ł₴ ₮ɆⱤ eu… gostava muito que existisse algo para além disto, magias que me conectassem a ALGO MAIOR QUE OS CICLOS DA BUROCRACIA DE ESTAR VIVO mas não tenho motivos para acreditar nisso quando morrer a máquina para eu quero chorarRRRRRRR̳̖̼͈̼͂̑ͫ͘R̭̭̲̖̒͐͋͑͡R͙̘͑ͫ͜Ŕ̶̦̯̭̱̳̭͋̆R̴̻̘̮̩̅̒ͅR̺̼͚̓͞R̢̘̯̥͍͕͊̐Ȓ̼̠̜̜̑̀̐͘R͚̻͙̟̘ͮ͌͟R̵̪̱̤̭̰͔͔͕̀̎̐͂ 01010010 01010010 01010010 01010010 01010010 01010010
- Agosto
Lembras-te do Verão em que tudo começou? Eu convidei-vos, a ti, ao João, e ao António, ao nosso grupo, para virem passar comigo o mês de agosto, na quinta dos meus avós, no Ribatejo. Era a primeira vez que ia para lá sem eles: o avô Alexandre morreu em fins de setembro, fulminado por um ataque de coração, enquanto colhia morangos; a avó Madalena morreu pouco depois, na primeira quinzena de outubro, “de desgosto”, como diz o meu pai. Sempre é verdade o que dizem: na velhice, a tristeza mata. Vocês aceitaram o convite. Confesso que, por mim, só te tinha convidado a ti. Os outros eram dispensáveis. Não que não gostasse deles. Gostava, ainda gosto, muito; mas era contigo que eu queria estar. Era contigo que queria passar aquele Verão, e concretizar os mil planos que tinha na minha cabeça para nós. Chegámos ao fim de uma tarde de inícios de agosto. O céu tinha apenas umas camadas de nuvens desfiadas aqui e ali, e estava pintado de um tom roxo alaranjado que só a natureza consegue criar. Enquanto eu, o João e o António ficámos a tirar as malas da bagageira, tu sentaste-te no capô do carro, com olhar sonhador, a ver uma nuvem ser levada pelo vento. Recordo-me de olhar para ti e de ficar com borboletas na barriga, enquanto contemplava o teu perfil distante, inalcançável, de uma Beatriz, de Dante. Se tivesse dúvidas, naquele momento, sabia exatamente o que estava a sentir, e o que sempre senti desde o primeiro momento em que te vi: amor. Nessa noite, jantámos todos no alpendre, ao som do coaxar distante das rãs. O João fez uma sessão de stand-up, daquelas que só ele sabe fazer, e ficámos a rir-nos até de madrugada. Foi já na penumbra da noite que fomos todos dormir e que te levei, já meio tocada pelo álcool, até ao teu quarto, no rés-do-chão. Foste abraçada a mim, como se fosses uma náufraga agarrada a um pedaço de madeira que te vai levar a terra-firme. Antes de te deitar, e não sei se te recordas disto, deste-me um beijo muito ao leve nos lábios, e sussurraste-me um obrigado quase inaudível, acompanhado de um sorriso que guardo até hoje. Nessa noite, adormeci de coração quente, a olhar as estrelas. * Os primeiros dias custaram. Acordava todas as manhãs, com a janela aberta, e esperava ouvir o assobio do avô Alexandre, como ele fazia sempre, para me despertar. Estranhava essa ausência, esse silêncio. Quando ia à janela e não via ninguém, apenas um extenso terreno semicultivado, percebia que não havia assobio porque já não podia haver. É por isso que me apanhavas sempre cabisbaixo, ao pequeno-almoço, e me perguntavas, nessa tua voz afinada numa nota perfeita, se estava tudo bem. Eu fazia figura de forte, de que estava tudo bem. Mas a verdade é que estava a começar a perceber algo que pude confirmar vezes e vezes sem conta ao longo da vida: há ausências que têm o peso do mundo. Havia dias em que cismava muito com os meus avós. Em que fazia um esforço por imaginar que eles continuavam lá: que o avô Alexandre me ia chamar, de manhãzinha, para o ajudar a arrancar maçãs; que a avó Madalena, perto do meio-dia, ia gritar a plenos pulmões da janela da cozinha, a chamar-nos para almoçar; que depois do almoço íamos os três à vila, para a avó ficar a ver as montras enquanto eu e o avô íamos jogar à bola para o parque; e que, depois do jantar, eu me iria fingir adormecido mais uma vez, no regaço da minha avó, só para ela me poder tapar com uma manta, e me dar um último beijinho de boa noite, juntamente com o avô, antes de apagarem a luz. O esforço de imaginar tudo isto era sincero, mas era em vão. Esses tempos eram memória, e isso era o que me custava aceitar. Mas tu estavas lá. Todas as manhãs, todos os dias, tinha-te junto de mim. Cada manhã que passávamos juntos, no pomar, cada tarde em que íamos passear ao longo do ribeiro, cada noite em que ficávamos até de madrugada a falar um com o outro, a ler, a ouvir música, ou pura e simplesmente com a cabeça encostada uma na outra, a observar as estrelas, era um sinal, uma esperança de que o futuro albergava tantas memórias como o passado, à espera de serem criadas e colhidas. Foi num dos nossos passeios que percebi que também me amavas. Estávamos a caminhar há uma boa hora, debaixo de um sol inclemente, junto ao ribeiro que corre perto da quinta dos meus avós e que segue até ao Tejo. A certo momento avistámos a velha guarita de betão, permanentemente abandonada desde a morte do Sr. Zé, que marca o início da vila. Como se tinha tornado nosso hábito, parámos lá para descansar, sentando-nos nas velhas cadeiras de couro gasto. Para minha surpresa, no entanto, não ficaste a admirar a paisagem, como das outras vezes; ficaste a olhar para mim. Disfarçavas bem, admito. Sempre que eu desviava o olhar para ti, tu desviavas o olhar para a extensa planície que tínhamos à nossa frente. Fingias ver os patos a levantar voo do ribeiro, o gado a pastar nas forragens queimadas pelo sol, um avião a deixar rasto no céu azul límpido. Mas eu sabia que era só a mim que vias. Tanto sabia que, assim que me voltava para fingir, eu mesmo, que me concentrava na paisagem, via-te pelo canto do olho a olhar para mim novamente. Tive a confirmação deste nosso pequeno jogo de gato e rato no momento em que comecei a sorrir para mim, e te vi, novamente pelo canto do olho, a retribuir o sorriso, como que a dizeres: “Pronto, apanhaste-me! Fazes-me feliz por te fazer feliz!”. Nessa noite não falámos. Não precisávamos. Os olhos, os gestos, as expressões falavam por nós. O António foi buscar a viola acústica que guardava no meu quarto, e pôs-se a fazer um pequeno concerto privado. Lembro-me que não tocava mal, bem pelo contrário. O João ficou sentando num banco, junto às escadas do alpendre, a fumar um cigarro e a abanar a cabeça ao ritmo da música, olhando a escuridão. Tu levantaste-te das almofadas e começaste a dançar, meneando lentamente o teu corpo de jovem Afrodite, ao som da música. Enquanto o fazias, ias-me lançando olhares provocadores, flamejantes, bem como sorrisos ténues, cheios de promessas. Eu fiquei onde estava, retribuindo os olhares e os sorrisos, enquanto fumava, despreocupado e feliz, o meu cigarro Camel. Naquele momento, tu eras senhora do universo, e eu era o privilegiado que tinha o teu coração. Nesse noite não consegui dormir. Fiquei deitado, a observar a lua, a imaginar que já eramos um do outro. * Foi no penúltimo dia. A manhã chegou nublada, a ameaçar chuva. Depois do pequeno-almoço, o António e o João meteram-se no carro, e foram à vila visitar um antiquário que por lá havia. Tu e eu fomos para a casa onde os meus avós recebiam, em tempos, as visitas. Essa casinha, metida entre os pessegueiros, a horta dos morangos, e o jardim, foi o meu forte apache, o meu castelo, quando era miúdo. Foi lá que o avô Alexandre me ensinou a descascar pêssegos. Foi lá que o avô Alexandre me ensinou a gostar de música, rodando os seus LP’s num velho gira-discos comprado em segunda mão, em Lourenço Marques, e que para mim era a máquina mais extraordinária que o ser humano tinha criado. Foi lá que o avô Alexandre me ensinou a carregar e a disparar uma pressão de ar, desenhando numa folha de papel um tiro ao alvo que pendurava no tronco de um pessegueiro que ficava à vista da janela. Foi lá, igualmente, que a avó Madalena me vinha servir o chá de limão e mel, e contar histórias de fantasia e dos “antigos”, quando eu apanhava uma gripe de Verão. No interior da casinha, pairava um ligeiro cheiro a mofo. Os móveis estavam exatamente como os havia deixado, no Verão anterior: o sofá encostado à parede do fundo; a mesa de jantar para quinze pessoas a ocupar o centro da divisão; a ampla janela francesa, de estrutura em madeira e vista para o jardim principal, à esquerda da mesa; o minibar onde o avô colecionava licores, à direita da mesa; e o velho gira-discos encostado a um canto, a acumular poeira. Entrámos os dois, tu com o fascínio da descoberta, eu com a vertigem da nostalgia. Pegaste numa velha fotografia que estava em cima da bancada do bar: - És tu? Olhei para a moldura, e vi a foto, ligeiramente amarelecida pela humidade. - Sim, quando era puto. Foi num dia em que os meus avós me levaram à praia de Carcavelos. Como podes ver, o meu avô estava apostado em ensinar-me a construir castelos na areia. Sorris-te, um dos sorrisos mais bonitos que já vi em ti, e disseste: - Eras tão giro… E nisto olhaste para mim. Por momentos, senti que o mundo, de alguma forma, parou. Lembro-me de ouvir os primeiros pingos de chuva a cair do lado de fora, a irem contra o vidro. De repente tornaste-te magnética: senti-me puxado pelos teus olhos, pela tua voz, pelo teu calor. O meu cérebro como que se desligou da razão. Beijei-te. Foi um beijo lento. Enquanto ele acontecia, fui retomando consciência da realidade, e o meu coração disparou. Comecei a recuar devagarinho, à espera de uma reação tua. Estavas ligeiramente ofegante, lembras-te? Estavas ofegante, corada, e os teus olhos não se descolavam dos meus. Pela tua expressão, não percebi se tinha cometido um pecado, ou passado uma bênção. De repente, duvidei de todos os teus olhares que dava como certos, de todos os gestos que tinhas feito. Foi o momento mais aterrador e mais maravilhoso da minha vida, o momento em que, ou estava tudo irremediavelmente perdido, ou tudo ganho. Quando ia começar a falar, não me lembro se para pedir desculpa se para dizer que te amava, devolveste-me o beijo. Devolveste-mo da forma mais intensa e apaixonada possível. Seguraste-me o rosto com ambas as mãos, enlaçaste os braços ao redor do meu pescoço, e assim ficámos um longo momento, que poderia estender-se pela eternidade. Do lado de fora a chuva começou a cair torrencialmente, batendo com força nos vidros. Enquanto o céu desabava sobre a terra, guiaste-me até ao sofá, e nele fizemos amor pela primeira vez. Ao fim da tarde, a chuva passou. Um tímido sol de Verão apareceu de entre as nuvens, e iluminou a divisão que tão bem conhecia desde criança. Observei distraidamente o lustre de cristais falsos dependurado do teto, e lembrei-me de todas as ocasiões e momentos em que tinha sido feliz ali. Dos jantares em família ou com convidados, das horas que ali passei com os meus avós. E agora, meu amor, olhava também para ti, que dormitavas enroscada no meu colo, e que eras um novo motivo de felicidade, um novo capítulo numa história que temi, durante algum tempo, que tivesse chegado ao fim.
- 00:54
chamas por mim e o murmúrio da tua felicidade trespassa-me, provoca-me, entra por um ouvido e para onde quer que tenha ido, não sai. bate e rebate contra mim ecoa no meu ser em mim viveu e comigo há de morrer. permanente no espaço e no tempo, torna-se uma das mais vívidas memórias da minha vida. recorrentemente a ela recorro, para em ti voltar a viver. regressar ao teu riso e ao momento em que o enjaulei, acarinhei e cuidei, para que não desabrochasse e da flor, um jardim criasse. ficas tão bem feliz que me fazes em ti questionar o que mais fazes para a paixão suscitar. se quando o meu nome a tua voz diz, quando em ti me posso aconchegar, ou quando te ris sem poder parar. guardo cada momento no meu ser para um dia, ao morrer, ao que fomos poder recorrer, e voltar a reviver aquilo que me leva a escrever. deixar a memória me mover e nela nos rever. ficar apenas a ti a dever o agradecimento de aprender o que muitos ficam pelo querer. já que não há como manter o que uma vida faz crescer e além morte transcender, que seja agora que eu dê a entender o que ando a conter. com muitas palavras a encher chegou a altura de te dizer que só pode este poema corromper o verso que quero enaltecer. nada é tão bonito como te ter, nada é tão bonito como te amar.
_edited.png)











