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Bla bla bla

Raquel Osório de Barros

Às vezes dou por mim a achar que devia escrever mais. Que me devia debruçar sobre os grandes problemas da humanidade – a guerra, a fome, o amor ou as grandes filosofias que podem dar sentido às nações em decadência. No entanto, e talvez pelo egoísmo que marca toda a gente em maior ou menor medida, não consigo fazê-lo sem parecer que as palavras me saem vazias e que, embora com significâncias eruditas e um conteúdo mais ou menos alinhado ao pensamento da maioria, aquilo não me reflete. 

A reflexão nos textos não é, necessariamente, sobre a correspondência do seu conteúdo ao pensamento de quem o escreve. Há algo acima disso, uma forma de encadear as palavras, o som a que estas correspondem, a conjugação dos tempos e as ironias e metáforas usadas que os personalizam verdadeiramente. Fazem, então, com que um texto que poderia ter sido escrito por qualquer um, passe verdadeiramente a identificar o próprio autor como uma impressão digital analisada em laboratório. Temo não o conseguir fazer em tópicos tão genéricos.

Poderia, eventualmente, escrever num tom artístico e misterioso ou indecifrável, quiçá, àqueles que inocentemente leem os textos e só conseguem interpretar deles uma salganhada de palavras digna de qualquer sopa de letras na página final de um jornal generalista. 

Mas isto também não me parece bem. Não tenho vocação para vanguardista, nem talento suficiente para fazer orgulhar o Luís de Camões pelo bom uso da língua portuguesa.

Neste momento, prefiro falar dos temas inteiramente mundanos e sem importância maior do que o café que bebo a meio da manhã. Quero escrever sobre como é tentar entrar com um pezinho na competição que é o início da vida adulta. Sobre os autocarros infindáveis que têm pautado a minha vida nos últimos dois anos e sobre o facto de ainda não ter comprado mais detergente da loiça. Ou que o meu Código Civil está num estado lastimável e que ainda me faz confusão como é que as pessoas em Lisboa andam sempre com pressa. O típico bla bla bla que talvez me defina mais do que todas as filosofias e literaturas que se juntam amontoadas e a ganhar pó na estante ao meu lado. 

Quero regressar à escrita e aos textos – à forma como me fazem feliz por serem um escapismo e por me fazerem pensar mais, sem ter a pressão de estar sempre a produzir algo consistente e linear como uma resposta a um caso prático ou um post no LinkedIn. Tal como a própria vida em si mesma, os textos não deviam servir apenas para um propósito lucrativo ou currículo.

A verdade é que as palavras salvam, seja a todos externamente ou a cada um internamente, e tentar reduzi-las a ideias banais e grandiosas, ao mais do mesmo; e não à banalidade do sentimento do dia-a-dia e às microquestões que percorrem a alma com intensidade durante cinco minutos faz com que se perca, inútil e fugazmente, um bocadinho o sentido da vida que nos une às letras que se escrevem.

O ato de escrever é mais do que o ato comunicativo de passar uma mensagem, escrever é a libertação mais completa que o ser-humano pode ter. É a catarse, onde se grita a quem passa pela nossa impressão longínqua, quem somos verdadeiramente e, em reflexo, quem é quem nos lê.

De outra forma não faz sentido. “There is no other way. and there never was.” (obrigada, Bukowski) 


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