Está inerente à natureza humana querer amar e ser amado. Mas será o mais importante? Talvez subestimamos demasiado a arte de ser entendido completamente, a arte de não ter de pedir, a arte de antecipar o que a outra pessoa possa querer ou precisar. A procura por uma conexão genuína nem sempre passa por amor, este pode ser um sentimento passageiro, supérfluo ou ininteligível. O desejo de ser compreendido parece um sonho.
Talvez o amor seja escolher a mesma pessoa todos os dias, enquanto ser compreendido aparenta ser um processo inconsciente. Mesmo se me esforçar muito, talvez nunca seja possível compreender algumas pessoas na sua íntegra enquanto haverá outras que compreender como a mente delas funciona será tão simples como respirar.
Já eu temo que nunca vá ser compreendida completamente, especialmente os meus devaneios sobre mitologia grega e como cada mito tinha um significado tão marcante.
Por mais que te tentasse explicar, nunca percebeste porque é que Orfeu olhou para trás quando não devia, preocupado com Eurídice, a ver se ela estava bem, se estava lá sequer e não tinha sido enganado por Hades, sendo apenas uma aparição das divindades infernais. Afinal, andaram pelo submundo perigoso durante dias e Orfeu olhou para trás por amor. Tentei explicar-te que um Orfeu que não olhasse para trás, era um Orfeu que não arriscaria ir ao submundo por ela. Tu só fingiste que percebeste. “Lá vai lá com outra teoria destas coisas dos gregos”, deves ter pensado. Enquanto eu só queria perceber se olharias para trás, se irias sequer ao submundo por mim. Ficou inconclusivo.
No final, o nosso tempo juntos chegou ao seu fim, como que por desígnio dos Deuses, não pude fazer nada para alterar o final da nossa história, as Moiras já tinham tecido os fios do nosso destino. Prontamente, tornaste-te num Odysseus que foi lutar guerras sem sentido e procurar mil aventuras, mas eu não podia ser a Penélope que ficaria 10 anos à espera do teu retorno, se esse sequer acontecesse. Afinal, tu não és um herói grego, eu não sou rainha de Ítaca, e tu não sobreviverias à primeira batalha e, muito menos resistirias à sedução da ninfa Calipso. Talvez fosse esse o problema connosco. Eu era uma Penélope para ti, até me mostrares que nunca serias o personagem principal de uma epopeia de Homero, pois nada em ti é épico ou especial e apenas te fiz herói no oásis do meu lamento.
Vais continuar nas tuas aventuras, enquanto eu saro as feridas com as quais não ficaste. Compões a tua própria compilação de feitos extraordinários, já que ninguém a escreveria por ti. Tentas enganar o destino e a ti mesmo que estás reservado para uma vida grandiosa. Logo, chegará a hora em que te apercebes que és um Ícaro que estava tão convencido que podia voar além do Tejo, que foi demasiado alto e acabou queimado pelo Sol. Vais atrás de cabelos loiros que te parecem irradiar raios de luz, mas vais acabar sozinho no chão com todos os teus sonhos incinerados da mesma forma, por não saberes o que queres e destruires tudo o que tocas. Midas transformava tudo em ouro, mas a tua maldição é tornares inocência em mágoa, lágrimas e pó. É esse, afinal, o teu destino trágico e não uma aventura digna de epopeia.
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