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I have a dog in me… and it’s killing me

Eu amo como um cão. 

- I'm not your pet. I never liked you. I don't care about you. I won't wait for you. I bite. -

Mas é mentira. Eu sou um bom cão. Não sou selvagem.

 - I'm not a violent dog

Apenas procuro o incondicional amor de um dono, de uma trela que me abrace o pescoço. Desesperada por uma festa na barriga, por alguém que me dê uma casa e me ponha comida na taça. Acho deveras triste. Amar como um cão e desejar ser amada como um gato. 

- I bet on losing (dogs) owners

Cresço cansada. Exausta e drenada desta corrida. Cansada de saltitar com a cauda a abanar para a porta quando te oiço chegar e ser recebida com o mínimo dos interesses. Exausta de correr por campos, de fazer passeios longos, caçar pardais e de te trazer pequenos presentes, para que possas ver o quão boa e atenciosa eu sou. Drenada de esperar sentada para sentires tanto a minha falta como eu sinto tua, para decorares cada movimento, cada interação, cada gosto meu como eu faço por ti. 

Pensas em mim? Pensas em mim quando não ocupamos o mesmo espaço, quando não respiramos o mesmo ar, quando não nos prendemos num beijo. Pensas em mim? Na minha presença? No meu riso? Ou apenas desejas passar a mão pelo meu pelo? 

Olho para ti como um deus, com a alma embebida em divino, cavo a terra sôfrega à procura de sinais do universo, pois é isso que as pequenas coincidências têm de ser: sinais de que talvez sejas tu o meu dono, finalmente. 

Não faz mal que nunca me alimentes o suficiente para eu ficar saciada, que não me dês água que chegue para que eu possa matar a sede, que não brinques comigo se eu não vier ter contigo com uma bola entre dentes. 

Amanhã será um novo dia e a qualquer altura poderás melhorar e dar-me o que eu preciso, e tudo o que eu tenho de fazer para receber o que mereço…é esperar.

E eu não me importo de esperar. E enquanto espero eu faço todos os truques. Dou a pata, rebolo, sento e finjo de morta, perguntando-me quanto mais tempo até deixar de fingir, até ser consumida por completo por esta procura gananciosa. Faço todos os truques até os que vão para lá dos meus desejos e ponho sempre a língua de fora quando me é pedido. Uma carícia e um elogio solto preenchem o vazio no meu peito. 

Será que um dia apenas serei lembrada pelos meus truques? Depositarei eu todo o meu valor nisto? Será que isso basta? 

Por favor diz-me que basta eu não sei mais o que fazer. 

Se eu fizer mais truques ficas mais um pouco? 

Não faz mal. Não faz mal se me chutares. Não faz mal se me pisares. Não faz mal se me tocares. Não faz mal se me gritares. Podes depositar em mim todas as tuas frustrações. Se precisares de um tempo podes pedir. Se não estiveres bem, eu faço o esforço pelos dois. Não tens de te preocupar em pôr comida na minha taça. Estas migalhas bastam. Eu não vou a lado nenhum. 

Eu não vou a lado nenhum…

- I am the losing dog. The runt of the litter -

Este vazio, dobra-me, assombra-me e sufoca-me. Eu sou tão boa. Por favor, eu sou tão boa. Deixa-me provar. Deixa-me provar que mereço. Que mereço mais do que uma ocasional festa na barriga, uma ocasional palavra de carinho, que mereço devoção, esforço e bondade. Por favor. Por favor, escolhe-me. Da ninhada escolhe-me a mim. Não precisa de ser para sempre. Se te cansares podes me devolver e voltar quando quiseres. Por favor, só te peço um pouco. Escolhe-me durante um tempo, por favor. Talvez assim eu saberei que sou suficiente. Por favor, Deus, deixa-me sentir que sou suficiente. 

Oh meu deus, como eu estou cansada. Oh meu deus, como não aguento mais ser sôfrega. Eu não consigo mais seguir este caminho. Eu não consigo mais ser um cão. Dói-me tanto. Esta sombra que eu carrego no peito queima e sutura qualquer ferida. 

Por favor solta-me desta amarra, desta armadilha que me quebra os ossos e me arranca a carne. 

Eu quero morder. Eu quero latir. Eu não quero ser um ser dependente dos meus truques, da minha pelagem lustrosa, do meu cio. 

Por favor. Por favor solta-me, que este desespero não me deixa respirar. 

Livra-me desta forma, deixa-me viver em duas patas. Eu não quero ser um cão. Um cão que em qualquer vulto vê um dono. Nada importa. Nada importa sobre o meu dono. O seu nome. Como é. Só importa que me queira. Que estupidez, que doença, que humilhação. Eu recuso-me. Recuso-me a continuar esta corrida. Acabou. Dei a minha última volta, procurei o meu último sinal, comi pouco pela última vez nesta taça, não voltarei a rebolar e a dar a pata. 

Exijo a mim, a mim e a mais ninguém, que me deixe ser suficiente, que viva por mim e não à espera de um dono que não me mereça, pois esta vida apenas a mim me pertence. Eu que mato a minha sede, eu que como até estar satisfeita, eu que afago os meus próprios cabelos, eu que me amo tanto, não irei raspar o fundo de um tacho tentando que alguém seja melhor por mim, não irei deixar a porta aberta para que possam retirar da minha mesa sem nada deixar, não me irei sentar quieta a aceitar as migalhas finais, não irei esperar que alguém me deseje intensamente, pois neste mundo inteiro não haverá ninguém que me irá desejar ou me completar tanto como eu. Aqui abdico desta dor, abdico desta busca, abdico desta necessidade. 

Abato este cão que vive atrelado ao meu peito, tremendo no frio, implorando por uma mão quente. Não serei eu conhecida por viver esperando que alguém venha e me leve a passear, mas serei conhecida por caminhar erguida contemplando o meu caminho, banhando-me na minha companhia e se alguém digno desta se quiser juntar, será bem-vindo a partilhar comigo os meus passos. 

Aqui foi abatido este rafeiro carente, doente por amor, desesperado por um dono. 

I have the dog in me...but now I will set it free.

 
 
 

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