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Raquel Osório de Barros

O Tempo que Decorre

“não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe?”


Ao voltar a cabeça para o lugar de onde veio observou com estranheza as diferenças na sua aparência. Depois de passar todo aquele caminho a observar com atenção o que o rodeava pareceu-lhe estranho ser-lhe tudo tão indiferente, afinal voltar devia ser o complemento da ida e não algo separado, estranho e distinto, no qual o caminho e a paisagem são irreconhecíveis.


Constatando isto, decidiu olhar para o seu companheiro e com estranheza mascarada de ironia perguntou-lhe o que ele achava da paisagem:


- “Parece-te familiar?”


Ao que ele respondeu que não.


De repente, toda a sua jornada tinha desaparecido em conjunto com as árvores, os montes, as finas estradas em terra batida, os sentimentos de superação e toda a história que se ali vivera poderia ter sido feita de prédios de cimento impessoais e a estranheza provocada seria a mesma que a de andar às tantas da noite num qualquer bairro perigoso da periferia. No fundo, os momentos que tinham passado que se materializavam ali foram embora porque as únicas coisas que valem a pena ser vividas são as que deixam testemunho físico e quando estes vestígios desaparecem há o vazio.


Fugimos sempre do vazio quando percorremos o caminho, muitos dizem que é ele que vale a pena, mas, enquanto pensava sobre isso, ele chegou à conclusão que na sua vida o único trilho que importava era a fuga. A fuga podia ser de hábitos, ambientes, pessoas, de si próprio, mas fugir era sempre uma solução. A parte positiva é que na fuga é sempre possível descobrir algo, no entanto, chegados ao fim, as coisas parecem sempre ser menores porque a linha do horizonte continua longínqua mesmo depois de tanto andar. Fazendo o exercício reverso, a sua simples ausência já alterava a realidade que conhecia e a viagem, por mais curta que fosse, também o fazia.


Decidiram voltar e, por garantirem a si mesmos que não conheciam nada daquilo, a angústia tomou-os no íntimo e, cada um, para si mesmo questionou como seria possível.

“Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam” pensou um deles, leitor de Saramago, e, de facto, este outro que o esperava não era outro alguém, mas sim o outro de si. A viagem, reza a lenda, traz benefícios, mas altera-os com a trajetória. Ele saiu de casa a querer alcançar o cume da montanha, alcançou antes uma descoberta mais valiosa do que apenas ver a bonita paisagem que constava observar-se dali. Não que a beleza seja inútil, estou convencida que ela vai mudar o mundo, no entanto, em momentos de crise como o dele há coisas mais importantes do que a estética.


O outro que ia tentando falar, em vão, para esconder o desconforto concordava silenciosamente com tudo.


O caminho de regresso foi mais pacífico. Não trouxe histórias, no entanto, trouxe a paz de quem já viu tudo e não se recorda de nada, por isso, trouxe a paz da novidade.


Quando chegaram a casa e se aperceberam como tudo estava olharam de forma cúmplice.


No final, riram-se ambos e com o caminho se perderam em deambulações filosóficas.


- “Do outro lado do abismo está com certeza alguém.” E começou a chamar.


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