à deriva
- Francisco Jesus
- Nov 29, 2023
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sinto o barco que já soube conduzir, a afundar
comecei a viagem, estava preparado, pensava eu.
tinha o mérito, o estudo, tinha a dedicação.
acreditava que não havia onda que me derrubasse.
no início a ondulação estava calminha.
e eu conduzia o barco suavemente, nas calmas,
era eu e o barco e o mar, unidos num só,
em sintonia e amizade, em direção a bom porto.
aventurei-me, brinquei, deixei o barco chapinhar
na água calma e tenra, tinha tudo controlado.
a primeira onda, nem dei por ela. foi tão suave,
nem a senti. continuei a minha viagem.
veio uma segunda, uma terceira,
continuei como se nada fosse,
um bom capitão sabe lidar com alguma ondulação.
e de repente já não eram três, eram dez, vinte
o barco abanava por todos os lados,
por mais que tentasse o leme já não obedecia,
e vi-me forçado a questionar a minha capitania.
era um bom capitão, ou tive um mar fácil de mais?
quero voltar ao mar calminho e conhecido.
quero fugir destas ondas que me atacam,
me violentam, me odeiam.
destas que se esforçam para me afogar vezes sem conta.
estou cansado de me proteger contra o embate.
estou desperado por uma faixa de areia onde
possa deixar o barco e nunca mais voltar ao mar.
quero que as ondas voltem a ser minhas amigas,
quero voltar a ser eu, o meu barco e elas,
em amizade, sintonia e ligação.
quero parar de odiar o que outrora amei.
quero chegar com o barco, direito, a bom porto.
é pedir muito?
estou cansado. cansado das ondas,
da viagem, da batalha.
quero descanso. não aguento mais
os dedos engelhados e a rispidez da onda bruta
que abana o barco que com tanto carinho construí.
como aproveito a viagem se é ela a razão do meu desespero?
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