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  • Desculpa, Saramago

    Desculpa, Saramago Há um fenómeno curioso que ocorre quando alguém decide imitar Saramago: a coragem cresce exponencialmente! O problema é que o mestre não é imitado com pontuação arbitrária ou palavras inventadas, ele é homenageado pela profundidade, pela humanidade, por aquela capacidade única de transformar a simplicidade do quotidiano em literatura eterna. Já o que vemos aqui é outra coisa. É como tentar tocar uma sonata de Chopin com panelas e colheres de pau: faz barulho, mas não é música. Porque se o verdadeiro Saramago nos ensinou a questionar o mundo com elegância e irreverência, estas tentativas de imitação só nos ensinam que a combinação de pretensão e erros ortográficos não é uma fórmula de sucesso. E convenhamos: há uma certa ironia em usar palavras caras para criticar quem, na verdade, só incomoda por existir – e por usar botões de punho, claro. Porque não há pecado maior neste mundo do que o crime de parecer próspero aos olhos de quem só vê rótulos. Não se enganem: a indignação aqui não é genuína. É um espetáculo, com direito a neologismos mal paridos e metáforas que caem dos saltos antes de chegar ao ponto. O que importa não é a verdade, mas sim a pose. A pose de quem se julga o arauto da moralidade, enquanto empilha preconceitos com a leveza de quem nunca precisou de carregar uma ideia original. É que, vê-se bem, que é um profundo conhecedor da vida de todos os seus colegas, o seu diploma de Ciências do Preconceito com ênfase em Generalizações fala por si. Quem dera que o Mohamed pudesse oferecer boleia à sua humildade que anda sempre a pé e bem longe da verdade. No fundo, a verdadeira questão não é sobre casacos, carros ou estágios de verão. É sobre como nos esquecemos de que as pessoas são mais do que a superfície que mostram. Sobre como é perigoso reduzir vidas complexas a caricaturas para alimentar uma narrativa pré-fabricada. Sobre como é insensato apontar o dedo a quem segura uma taça de vinho, sem perceber que o conteúdo da garrafa é que revela o seu verdadeiro valor. E sobre como a crítica mais válida não vem de quem grita mais alto, mas de quem se dá ao trabalho de ouvir antes de falar. A lição? Quem tenta ser Saramago nunca "serão-no". E quem o faz… bem, "se-lô-ão" apenas na mente de quem confunde arrogância com arte

  • Devaneios gregos

    Está inerente à natureza humana querer amar e ser amado. Mas será o mais importante? Talvez subestimamos demasiado a arte de ser entendido completamente, a arte de não ter de pedir, a arte de antecipar o que a outra pessoa possa querer ou precisar. A procura por uma conexão genuína nem sempre passa por amor, este pode ser um sentimento passageiro, supérfluo ou ininteligível. O desejo de ser compreendido parece um sonho. Talvez o amor seja escolher a mesma pessoa todos os dias, enquanto ser compreendido aparenta ser um processo inconsciente. Mesmo se me esforçar muito, talvez nunca seja possível compreender algumas pessoas na sua íntegra enquanto haverá outras que compreender como a mente delas funciona será tão simples como respirar.  Já eu temo que nunca vá ser compreendida completamente, especialmente os meus devaneios sobre mitologia grega e como cada mito tinha um significado tão marcante. Por mais que te tentasse explicar, nunca percebeste porque é que Orfeu olhou para trás quando não devia, preocupado com Eurídice, a ver se ela estava bem, se estava lá sequer e não tinha sido enganado por Hades, sendo apenas uma aparição das divindades infernais. Afinal, andaram pelo submundo perigoso durante dias e Orfeu olhou para trás por amor. Tentei explicar-te que um Orfeu que não olhasse para trás, era um Orfeu que não arriscaria ir ao submundo por ela. Tu só fingiste que percebeste. “Lá vai lá com outra teoria destas coisas dos gregos”, deves ter pensado. Enquanto eu só queria perceber se olharias para trás, se irias sequer ao submundo por mim. Ficou inconclusivo. No final, o nosso tempo juntos chegou ao seu fim, como que por desígnio dos Deuses, não pude fazer nada para alterar o final da nossa história, as Moiras já tinham tecido os fios do nosso destino. Prontamente, tornaste-te num Odysseus que foi lutar guerras sem sentido e procurar mil aventuras, mas eu não podia ser a Penélope que ficaria 10 anos à espera do teu retorno, se esse sequer acontecesse. Afinal, tu não és um herói grego, eu não sou rainha de Ítaca, e tu não sobreviverias à primeira batalha e, muito menos resistirias à sedução da ninfa Calipso. Talvez fosse esse o problema connosco. Eu era uma Penélope para ti, até me mostrares que nunca serias o personagem principal de uma epopeia de Homero, pois nada em ti é épico ou especial e apenas te fiz herói no oásis do meu lamento. Vais continuar nas tuas aventuras, enquanto eu saro as feridas com as quais não ficaste. Compões a tua própria compilação de feitos extraordinários, já que ninguém a escreveria por ti. Tentas enganar o destino e a ti mesmo que estás reservado para uma vida grandiosa. Logo, chegará a hora em que te apercebes que és um Ícaro que estava tão convencido que podia voar além do Tejo, que foi demasiado alto e acabou queimado pelo Sol. Vais atrás de cabelos loiros que te parecem irradiar raios de luz, mas vais acabar sozinho no chão com todos os teus sonhos incinerados da mesma forma, por não saberes o que queres e destruires tudo o que tocas. Midas transformava tudo em ouro, mas a tua maldição é tornares inocência em mágoa, lágrimas e pó. É esse, afinal, o teu destino trágico e não uma aventura digna de epopeia.

  • Desculpa Sophia

    Com um casaco azul simpático, É que oh papá os botões de punho que me ofereceste não me assentam no corte do outro blazer, os sapatos são castanhos e não de marca porque foram feitos à medida. E o raio do carro que eu pedi, do condutor, raios do Mohamed reclama ele três vezes, nunca mais chega E se eu chego outra vez atrasado à equitação é que é o cargo dos trabalhos. Se tivesses pedido o Uber Black, ele já não era black e se calhar vinha mais rápido, diz a mulher consorte aquela filha da puta a gasóleo. É que ainda por cima coitado, ficou com o vício sem bateria, e ainda vai ser hoje que vai ter que escolher um dos estágios de verão que o papá arranjou que ele como Of Counsel da “Exploradora de estagiários & Associados, RL” tem muitos contactos e até é melhor amigo do Chairman do Banco Comercial de Agiotagem que conheceu nos tempos em que estava no governo. No verão passado ainda estagiou intensamente na sociedade de gestão imobiliária da mãe e chegou mesmo a ir a duas reuniões inteiras, mas desde que a mãe, a mamã perdoem, foi nomeada General Manager do Instituto Público para a Defesa do Camarão de água doce que temos que ter mais cuidado que os jornalistas, aqueles que não nos acompanham nas refeições no Belcanto, são só uns cuscos com carteira profissional.  Finalmente chegou o Mohamed, abre-se a porta com a violência que a elasticidade do pólo lhe permite, Já vai corrido a uma estrela pelo atraso pensou ele. A moça de cabelo comprido, cortejada até que ele denuncie a declaração negocial, abre a porta do outro lado com os seus aneis opressores de ereções a riscar o indigno Seat que ainda tem das matrículas das antigas. Ela tem as hipérboles maiores que os seios e a Longchamp cheia com o “Pai Rico, Pai Pobre” e com a oração que leu no domingo da Igreja da Nossa Senhora da Assunção, é uma Maria, concebida sem pecado como a outra, só geme em Dó Maior. Eu sou feminista, até pago à empregada em dinheiro para lhe facilitar, cismava ela naquele caminho lento pela marginal enquanto os AirPods se manifestam com a voz da Taylor Swift. Ele era diferente, é uma questão de tirar um MBA e posso ser um Dante, com uma Beatriz comprada a peso, caríssima. Se ao menos eu fosse presidente, president melhor, CEO na verdade, se ao menos eu soubesse quem era Dante e o que é uma Beatriz, mas não nos ensinaram no colégio por causa do woke e do socialismo (socialismo com x não mudo), Já agora deixa ver se pedi a fatura do Uber com o número de contribuinte da consultora do papá, que os ajustes diretos têm iva e é preciso deduzir. E até que idade tenciona Sam, continuar a ser-the Kid? estes serão-no para sempre e os trocos das prostitutas (não dá por MbWay?) são para confirmar ensinou-lhe o papá e o legado é para respeitar, no natal consuma-se essa permuta. Ou antes de ser CEO, ser el-rei, o CEO de todos, tanto faz que eu até me inscrevi no partido aos catorze e sou um social-liberal com ascendente em capricórnio desde pequenino. Desgraçado aquele homem, todo nu mas com um relógio. Vai cansado e ainda vai ter que comer a namorada hoje, com aqueles beijos que lhe parecem eternos e o ardor com cheiro a meio litro de Miss Dior. O que vale é que não é preciso registar nas finanças a profissão de herdeiro, se não tinha que pedir ao meu mordomo para ir fazer isso e ele reclama se não lhe pagamos as horas todas, má vontade, esses que não têm tanto engenho nem dom como nós, coitadinhos mas é a vida. São Pessoas Sensíveis para quem Marvila é mais entrangeiro que Paris e os cancros do nosso Tejo, Da Cimpor ações e obrigações, as muy nobres assets. Perdoai-lhes Sophia. Porque eles não sabem o que fazem!

  • Mulher.

    Raquel Bravo Carta a todas as mulheres que lutaram por nós: Queridas mulheres, Escrevo-vos no presente mas sei que cada palavra minha carrega o peso do vosso passado. Um passado marcado pela luta e pela resistência.  Hoje estudo, trabalho, voto. Não foi o acaso que me deu estas liberdades- foi a vossa coragem.  Sei que muitas de vós morreram sem nunca ver a mudança pela qual tanto lutaram, sem ouvir um “obrigada”, sem ver as leis a ser reescritas, sem saber que um dia, mulheres dirigiriam países, liderariam empresas.  No entanto, saibam que o vosso legado persiste e a vossa luta não termina aqui. Porque ainda há mulheres que não podem estudar, que não podem decidir sobre os seus corpos, mulheres que são, simplesmente, silenciadas. Por elas, pelo vosso exemplo, continuaremos. Obrigada por nunca desistirem. Obrigada por não aceitarem o mundo como ele era. Obrigada por me permitirem ser quem sou.  Com muita gratidão,  Uma mulher que não esquece, Raquel Bravo Júlia Lopes Há uma parte de mim que sangra A cada esquina que ficou por cruzar;  A cada noite que não se descobriu. A cada saia que ficou por usar.  Há uma parte de mim que se entristece  Por não poder mostrar  Resquícios de criança, Joelhos esfolados no alcatrão  pela lembrança  De viver sem atentar  A cada esquina que cruzava.  Chorei quando cresci -  Quando vi o meu corpo  a enformar. Quando vi um pedaço  do meu futuro  Na minha roupa interior.  Há saudade no amor  De se ser sem se pensar;  De nada se querer para além da liberdade, Julgando-a possível.  Agora leio Clarice e percebo  Que quero tanto mais que isso;  Que há um mundo de que preciso,  Que não posso encontrar aqui.  Há uma parte de mim que sangra  A cada rosto em que não vi o luar  refletir, A cada carruagem de metro  que esperei por vir;  A cada saia, que ficou por vestir.  Há uma parte de mim que chora  Por cada sonho que ficou por conceber,  Por todos os gritos que foram dados  E continuamos a morrer.  Há uma parte de mim que sangra,  que chora,  que não se cala. E será sempre assim.  Anónimo O dia estava cinzento, mas tépido, como quando se vai com a escola à praia e o sol se esconde. A cama tinha um sabor a nuvens e a algodão doce comprado pelos meus pais, quando fazíamos algo fora do habitual. Um som erguia-se por entre o silêncio: o da segurança de se estar sozinho. As horas esperavam por mim, pelo que decidi despachar-me; tornar-me pessoa, pentear o cabelo antes de tomar banho, por ainda estar confusa. Ou porque se calhar é mesmo assim que se deve fazer – não me lembro de me terem ensinado essas coisas; o mais importante fica por ser descoberto à medida que não nos vamos fartando da vida.  A minha roupa estava no chão e o banho à espera de ser tomado. Há qualquer coisa de ritualístico, e de bonito, em deixarmo-nos envolver tão intensamente, ainda meio adormecidos. Especialmente com a água tão quente quanto a que a minha pele pede.  À medida que saio de baixo da torneira, vendo os pesadelos – e, enfim, também os sonhos – escoarem pelo ralo, ganho uma nova consciência. A consciência de que tenho cabelos lá presos, mas de que são meus.  Deixo a toalha envolver-me, como o abraço perdido, mas certo, de que precisava sempre que brotava uma nova borbulha no meio da minha testa e sempre que as minhas sobrancelhas pareciam grandes demais, carregadas demais, mas nunca bonitas (ou minhas). O espelho à minha frente estava embaciado e liguei o secador de cabelo para poder ver-me nele – também nunca mo ensinaram. De cada vez que sentia que precisava de olhar para o meu reflexo depois do banho, ensinaram-me a passar a mão ou a toalha, mas, com o tempo, cansei-me de ver as marcas de infância e de as ter de limpar com uma toalha de papel e produto anti-riscos. No momento em que desligo o secador é quando me vejo, pelo que senti ser a primeira vez. Havia gotas a escorrer-me pelas clavículas, que aprendi com a minha amiga que se podem chamar de “saboneteiras”; a minha pele brilhava, as minhas sobrancelhas já não pareciam grandes demais, e sorri.  Olhei para baixo: as minhas unhas dos pés pintadas de encarnado; as minhas mãos, macias, sem o mundo, mas também sem o peso da insensibilidade. As minhas orelhas furadas no centro comercial, quando tinha oito anos; a minha pele rosada, não por vergonha, mas por característica, pintando-se Vénus de Botticelli na parede à minha esquerda.  Foi quando me vi, pelo que senti ser a primeira vez,que me reconheci. Reconheci que as minhas maçãs do rosto são produto delicado, mas que o meu sangue corre com força suficiente para as rosar.  Sequei o cabelo e entalei-o por detrás das orelhas.  Reconheci-me, vi-me e, pela primeira vez, senti-me merecedora de ser Mulher. Natacha Santos Não sou maria rapaz, sou maria Não tenho costas de homem, são de atleta Não sou uma “gaja com eles no sítio”, sou confiante Não sou mulher alfa, sou líder Não sou rija como os homens, sou trabalhadora Não choro porque sou menina, mas porque sou pessoa Não sou macho de saia, sou eu Não preciso de ser comparada para provar o meu valor. Não sou exceção, sou regra – porque ser mulher nunca foi sinónimo de menos Se mostro emoção, sou dramática Se quero competir com homens, sou louca Se sonho com a mesma oportunidade, estou a delirar Se me defendo a pés juntos, sou desequilibrada Se falo com firmeza, sou mandona Se exijo respeito, sou insuportável Da mesma maneira que ele não chuta como uma menina, mas com menos força Ou Ele não tem mãos de princesa, mas sim umas mais delicadas Não preciso que redefinam a minha força, nem que me encaixem em padrões que não pedi. O subjetivismo negativo que conotam ao meu ser não é prova de superioridade  Talvez de insegurança ou de ameaça Porque não sou uma versão masculina do sucesso, sou a minha própria versão da excelência. Matilde Almeida A história da mulher contada aos homens Era uma vez um mundo estranhamente dividido. De um lado, os corajosos, fortes e inteligentes, de outro, os homens. Os primeiros desde a sua fase mais primitiva que cumpriam o importante dever de alimentar, criar e proteger os seus e a sua comunidade, enquanto os homens corriam pelo mato que mais tarde destruiriam. No entanto, foram estes últimos que a toda a força usurparam os louros do esforço e mérito dos primeiros. Assim, a vida começou a tornar-se penosa: não podiam pensar, não podiam votar, não podiam governar, não podiam explorar o mundo que os rodeava e os seus recursos, não podiam estudar, não se podiam expressar, não se podiam  queixar, não podiam conduzir, não podiam fumar, não podiam comer, não podiam respirar - não podiam existir. Enquanto isto, os homens aproveitavam todos privilégios de uma vida que não seriam capazes de sustentar sem os “corajosos, fortes e inteligentes”, e, ao invés de lhes agradecer, limitavam-se a ditar as condições da sua existência, manipulando-os a seu bel-prazer e sem nunca hesitarem em castigar quem os desafiasse. Mas não há acusações de loucura, humilhações, fogueiras e desterros suficientes que adestrem ou tirem o poder intrínseco aos mais fortes, pois estes nunca deixaram de lutar: sempre pensaram, sempre combateram, sempre influenciaram, sempre descobriram, sempre libertaram – sempre existiram. Para dor do ego macho, esta espécie nunca se deixou ameaçar pelos atentados à sua humanidade, desafiando constantemente o homem e as suas conceções ingénuas acerca das supostas criaturas fracas e da falsa crença do apuro eterno que as faz aguardar o seu resgate heróico. A luta continuou e para sempre continuará, mas agora tem nome, assim como todas aquelas que a representam e carregam diariamente: as mulheres. Mafalda Carrôlo O feminismo desprendeu-se da consciência feminina portuguesa - revivamo-lo.  Já lá vão 5 décadas em que cada português pode, em plenos pulmões, afirmar, gritar, gabar a sua liberdade. Quase 51 anos de incorporação da igualdade e fraternidade na sociedade portuguesa.  A princípio, a luta feminista perdeu-se nesta luta geral pela liberdade. Contudo, eventualmente, as mulheres portuguesas puderam, de uma vez por todas, ver-se libertas. E se as amarras legais foram as primeiras a desaparecer, faria sentido que as amarras culturais e morais a elas seguissem.  Mas não foi isso que se viu, não é isso que se vê.  A igualdade de género está constitucionalmente consagrada - mas há desigualdade salarial, pobreza menstrual, mutilação genital feminina, femicídio. São problemas portugueses, por muito que os queiramos empurrar para outros recantos do mundo. A existência de igualdade formal é, muitas vezes, brutalmente invocada para esconder a falta de igualdade material. Aliás, esconde-a tão bem que parece que mesmo algumas de nós já se esqueceram de que temos de continuar a correr atrás dela.  Assim, na consciência portuguesa, a causa feminista parece ter caído. Caiu, mas não por ter perdido as forças, antes devido a um hábito que tem memória curta. Hábito que se esquece que apenas teve espaço para nascer após mortes em seu nome.  Mas este hábito contraria-se: vejo à minha volta um feminismo entranhado. Noto-o nas minhas colegas, professoras, amigas, familiares. Tenho orgulho em pertencer a uma geração em que ser feminista é quase como uma segunda natureza, mas, nas palavras de Manuela Tavares, este é um rótulo que ainda queima.  Porque é que, agora que podemos gritá-lo em alto e bom som, nos inibimos de fazê-lo? “Há problemas maiores no nosso país”. Maiores? Afigura-se-me difícil conceber uma maior gravidade do que a constância de um problema - a desigualdade de género - que intensifica todos os outros. Não estamos em posição de baixar os braços até que vejamos garantida a igualdade entre homens e mulheres - na saúde, na educação, no trabalho, na cultura, na sociedade. Contribuamos com o feminismo intrínseco que todas temos para reviver esta parte integral da liberdade portuguesa. Só aí a nossa luta estará ganha: devemo-lo à memória das que vieram antes de nós e à confiança das que virão depois. Pedro Paiva Beatriz Ângelo, mulher que dá nome ao hospital da minha terra, primeira a votar, quando o mundo lhe fazia guerra. Desafiou o tempo, que impunha barreiras e fez do silêncio voz nas lutas verdadeiras. O seu nome é memória, mas a sua luta não se encerra porque cada mulher que avança, faz da esperança, nova terra. Hoje relembramos com toda a certeza: o caminho só acaba quando a igualdade for mais do que uma promessa. Lara Cândido Sob o fingido reino celestial dos reis retrógrados, Sob o fingido reino celestial dos reis retrógrados, Obedeceram à gravidade angélicas estrelas,  Duma letal substância profundamente repletas, E sedentas por nutrir os seus reis, esfomeados. Que ali estava, discreta e subtilmente presente O que punha o coração aos saltos, mais que a morte, Era verdade - nem o de lá mais competente vidente De ter o vislumbre do seu desfecho teve a sorte. Filhos, pais, avôs - todos eles se deixaram seduzir Pela beleza etérea daqueles corpos celestes; eles Todos se inebriam ao tocar impura e rudemente. O rejubilar egos régios trouxe eterno dormir, e As rainhas da sub - missão, jugação, valorização deles, Riram-se: haviam provado do seu veneno, finalmente. Bernardo Pinto Simone Veil: Um Legado de Liberdade e Coragem    No Dia Internacional da Mulher, é essencial relembrarmos figuras femininas cuja luta e resiliência marcaram a história. Entre elas, destaca-se Simone Veil, uma mulher cuja vida foi dedicada à causa pública, liberdade e dignidade da pessoa humana. Sobrevivente do Holocausto, pioneira na política francesa e defensora intransigente dos direitos das mulheres, Veil personifica o espírito de resistência e progresso que esta data celebra. Nascida em 1927, em Nice, Simone Veil viveu na pele os horrores da Segunda Guerra Mundial. De origem judaica, foi deportada para Auschwitz-Birkenau em 1944, onde perdeu grande parte da sua família. Sobreviveu ao Holocausto e, apesar do trauma, decidiu reconstruir a sua vida e lutar para que tragédias como essa nunca mais se repetissem. Após estudar Direito e Ciência Política, Simone Veil seguiu carreira na magistratura e, mais tarde, na política. Em 1974, tornou-se Ministra da Saúde de França, um cargo a partir do qual mudou para sempre a vida das mulheres francesa s. Foi a principal responsável pela legalização do aborto em França, enfrentando forte oposição de setores mais conservadores. A "Lei Veil", aprovada em 1975, garantiu às mulheres o direito de decidir sobre os seus corpos, representando um marco fundamental na luta pela igualdade de género. Contudo, o seu impacto não se restringiu ao seu país de origem, transcendendo fronteiras. Em 1979, tornou-se a primeira mulher a presidir ao Parlamento Europeu, um cargo que desempenhou com um compromisso inabalável com a integração europeia. Defensora de uma Europa mais unida e solidária, Veil acreditava num modelo federalista, promovendo políticas que reforçassem a cooperação entre os Estados-membros e garantindo a proteção dos direitos fundamentais a nível europeu. Simone Veil continuou a sua trajetória política e intelectual ao longo das décadas, sendo, designadamente, nomeada para o Conselho Constitucional francês. O seu legado ultrapassa fronteiras e gerações: é um símbolo de resistência, justiça e progresso. Em 2018, foi homenageada com a sua trasladação para o Panteão de Paris, ao lado de outras figuras ilustres da história francesa. No Dia Internacional da Mulher, a memória de Simone Veil lembra-nos que a luta pela igualdade de género não é uma batalha do passado, mas um compromisso contínuo. O seu exemplo inspira-nos a construir uma sociedade mais justa e equitativa para todas as pessoas.

  • Carta aberta à comunidade estudantil

    Caras e caros estudantes, É com grande gosto que anunciamos o lançamento oficial do novo Centro de Conhecimento da nossa Faculdade, o NOVA Platform for European Administrative and Regulatory Law  (PEARL). Possui, de momento, uma equipa pequena, mas motivada, composta por mim, três doutorandos (Mateus de Carvalho, Maria Estela Lopes e Rita Vieira Marques), e quatro assistentes de investigação (Bernardo Pinto, Miguel Pouseiro, Rafael Guerra, Sofia Pavão).  O NOVA PEARL foi criado com o propósito de dar a estudantes, investigadores/as e professores/as um fórum - uma plataforma! - para aprofundarem tópicos ligados ao Direito Administrativo da Regulação, uma área a paredes meias entre o Direito Administrativo e o Direito da UE.  É uma área que vai desde os setores farmacêutico, da energia ou da supervisão bancária até à proteção de dados e comunicação social, entre tantos outros. O Centro tratará da regulação administrativa de modo transversal. Contudo, nos próximos anos, a área de investigação prioritária será a da Regulação do Digital na UE, atendendo ao período crucial de implementação do AI Act  e Digital Services Act  em que atualmente nos encontramos. Cordialmente, convido-vos a participar nas nossas atividades, começando já com o Evento Inaugural do dia 14 de março. Teremos um primeiro painel, em inglês, com grandes referências internacionais da regulação digital na UE.  Teremos também um painel em português, sobre a Europeização do Direito Administrativo da Regulação, que contará com alguns/mas dos/as maiores especialistas nacionais da área - da academia, dos reguladores, da advocacia e mesmo do Supremo Tribunal Administrativo. Clicando aqui , encontram o programa e o formulário de inscrição! Juntem-se a nós! Até breve, Filipe Brito Bastos

  • Tenho de parar

    E no meio da monotonia da vida vejo-te. Sinto-me nauseada, as pernas tremem e não sei bem se devo olhar para ti, se devo acenar (será que ainda me odeias?) ou talvez até ganhar o mínimo de coragem para te cumprimentar. Fingimos que não nos conhecemos, que somos duas desconhecidas na mesma carruagem que nunca mais se vão ver, mas eu conheço-te como cada veio na minha mão. Sei o teu ascendente, conheço os teus pais, sei de todas as tuas inseguranças, sei que não gostas de gás nas bebidas, sei todos os teus dramas familiares e às vezes acho que te conheço melhor do que me conheço. Mas no fim somos duas estranhas, que nunca se tocaram, que nunca choraram no colo uma da outra, que nunca tiveram estranhos ciúmes ou algo desse género.  Tenho de parar, nunca mais penso em ti (sinto que a minha cabeça vai explodir), nem no teu cheiro, nem sequer no teu riso adorável. Acabou. Não quero mais. Nunca quis (talvez quis, mas não deu). Enfim, chega.

  • Ainda estou aqui

    Ainda Estou Aqui, o mais recente filme protagonizado por Fernanda Torres, uma das atrizes mais consagradas do cinema brasileiro, tem conquistado um sucesso estrondoso a nível internacional, valendo-lhe três nomeações para os Óscares. Em Portugal, a receção não poderia ser mais positiva: há um mês em exibição, mantém-se no topo das bilheteiras e, no quarto fim de semana, levou mais 34.536 espectadores aos cinemas, segundo dados divulgados pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) no dia 10 de fevereiro. O que torna este filme verdadeiramente especial, além da brilhante e impactante atuação de Fernanda Torres, é a forma como nos convida a reviver a memória de um passado não tão distante, cujas cicatrizes ainda marcam gerações. A narrativa expõe as consequências de um período de repressão, violência e autoritarismo, baseado na vida de Rubens Paiva, um dos muitos desaparecidos políticos durante a ditadura militar brasileira, trazendo à tona as cicatrizes deixadas pelos abusos do regime. E, embora a realidade da ditadura militar brasileira não seja amplamente discutida em Portugal, é impossível não pensar nas histórias que nos foram contadas sobre a nossa própria vivência de opressão enquanto assistimos àquelas imagens. A luta pela liberdade é uma luta comum a todos aqueles que enfrentam regimes autoritários, as histórias de resistência, luta e intervenção, independentemente do país, devem ser ouvidas como um todo, porque a repressão, a censura e o silenciamento não conhecem fronteiras. A relevância deste filme torna-se ainda maior num contexto em que existe hoje uma tendência perigosa de romantizar o passado, distorcendo episódios de opressão para ajustá-los a agendas políticas do presente. A história, quando é distorcida, perde a sua força enquanto ferramenta de reflexão e aprendizagem, tornando-se uma arma nas mãos de quem busca reescrever a sua “verdade”. Este fenômeno não é exclusivo de um país, é um padrão que se repete globalmente, por exemplo, na Europa, movimentos nacionalistas têm emergido, impulsionados por discursos que exaltam a soberania e a identidade nacional, muitas vezes em oposição a valores democráticos, e exacerbando ideologias racistas/xenófobas. No Brasil, a ditadura militar é cada vez mais relativizada por grupos políticos que tentam apresentá-la como um período de progresso, ignorando a tortura, os desaparecimentos e a censura. Isto relembra-nos dos perigos de uma sociedade que, ao se acomodar na ilusão de uma democracia “intocável”, esqueceu os horrores do passado, como bem disse Santayana: " Os que não se lembram do passado estão condenados a revivê-lo". Fernanda Torres, ao interpretar Eunice Paiva, transmite a dor, a revolta, e a resiliência de quem sobreviveu a um regime opressivo, mas, acima de tudo, dá voz àqueles que foram esquecidos pela história. Este processo de “esquecer” não é acidental, é uma estratégia deliberada para reescrever a história e apagar os abusos do autoritarismo, a memória, para mim, é uma das formas mais eficazes de resistência, ao manter viva a lembrança das vítimas, impedimos que se apague o sofrimento e a luta de todos aqueles que resistiram. Este filme, portanto, não é apenas um tributo a um movimento de resistência do passado, mas também um alerta contra o esquecimento forçado, mostrando-nos que a história não deve ser distorcida. Portugal não é uma exceção a isto, por mais que se possa tentar branquear o papel da polícia política, da censura e da opressão, e de “esquecermos” histórias como a de Catarina Eufémia, José Dias Coelho, José Ribeiro Santos, Alfredo Dinis, João Arruda, entre tantas outras vozes, cujas memórias, com o tempo, foram sendo silenciadas, devemos preservá-las e usá-las como ferramentas de reflexão. Ao conquistar uma plataforma global e receber reconhecimento no maior evento cinematográfico do mundo, o filme cumpre um papel essencial, é um sinal de que, apesar dos esforços para silenciar certos episódios, a verdade continua a emergir, e com ela, a necessidade de aprender com os erros do passado.

  • Debaixo de água

    Quero gritar. Quero bracejar. A ansiedade asfixia-me. Os pulmões enchem-se-me de água. Olho em volta: escuridão. Além: um sol cada vez mais distante e distante.. Porque é que me sinto tranquila, se me estou a afogar? Sorvo a água, involuntariamente (ou voluntariamente?),  Muda. Inábil. Inerte. Uma confusão de membros paralisados,  intenções estáticas e pensamentos aflitos. De repente, os sentidos de uma vida real  puxam-me de volta à superfície. Mas, não volto intacta, não. A cada minuto passado no fundo deste  oceano de aflição e angústia e mágoa, mais  uma parte de mim pretende morrer  afogada, procurando descanso e  serenidade nas suas águas profundas e azuis.

  • rascunho

    estuda. tira boas notas. orgulha-nos. não sais da cama, levanta-te. atinge o máximo do teu potencial, procura melhorar-te todos os dias. queres? faz por isso. correu-te mal, estudaste o suficiente? estás focado em tudo menos no importante, nada de isso te traz um emprego. quando é que começas a levar as coisas mais a sério? parece que já não queres saber da faculdade fazes muitas coisas porque queres sentes-te exausto, mas com que legitimidade? precisas de dinheiro? vai trabalhar. estás cansado, ai eu com a tua idade... vá são só 4 horinhas, nada de mais, e não te esqueças das leituras, essas sim vão te ser úteis para o futuro no papel achas-te incrível mas na realidade não és mais que medíocre.  porque é que te pensaste especial se não passas de uma pessoa normal? quando chega o dia em que enfrentas a realidade, quando paras de carregar o mundo às costas e ages como as pessoas da tua idade? não interessa o que faças,  só não podes ser só mais um já te disse, só sendo o melhor, ou isso ou não és nenhum. já viste como estás, tens de fazer desporto. o treino é a quantos quilómetros? desculpa, que sítio fora de mão. não é normal tomares essa decisão. quando rebenta a bolha da expectativa? para de esperar, começa a viver. tens em ti toda a criatividade do mundo mas nem uma letra consegues escrever. pensas-te incapaz mas só não te permites. vives num mundo de impressões alheias e deixas que te imponham limites. permite-te viver. solta a corda que te prende, deixa-te levar, para de pensar no “que seria” e vê “o que será”. começa a aproveitar o dia e o que ele te traz. para de correr e aproveita a corrida à tua frente. vai a passo lento, de vez em quando, só aproveitando o ar fresco vais acalmar a tua mente. para de sobreviver e constrói a tua vida. não paras de pensar no que vão dizer, mas até lá já eles falaram e tu nada de escrever, até lá já te arderam e ainda não aprendeste a viver. deixa aquela cadeira para trás. trabalha menos horas. senta-te, finalmente, numa esplanada, de cigarro numa mão e livro na outra. quando a ordem perde a sua beleza e se torna rotineira, pesada, prometo que é okay ficar na cama. estamos tão focados na chuva forte e na trovoada feia e barulhenta, que nos esquecemos de agradecer à manta que nos envolve no conforto da tempestade.

  • just a second

    i don't think i’ve truly felt whole. there were times where the absence was just a echo in the back of my mind muffled by life and laughter and joy and brightness. but somewhere along the way, that piece, so singular and crucial i didn't even recall losing it, became jagged, a deep profound cut that never really closes. it’s just there. open. growing a bit each day, feeding of the darkness that has become a known companion. gnawing at this thing we call a soul. so each day, a tiny piece of me leaves, blowing with the wind to god knows where. and the hole deepens, gets darker, takes up just a little more space, and everyday i feel it growing stronger, feel it slowly expanding as if someday it will swallow me whole. so i swim. i'm always swimming. to stay afloat, to have a chance to live my own life, to survive my own mind. the doubts, the dark, the twisted bad feelings coil inside me, feeding that insatiable monster that consumes everything in me. every laugh, every memory touched by light, every pleasure. and day by day i loose myself. lose this battle i wage in the mirror. and everyday i think of surrending. of waving that white flag and just rest, just stop swimming. it would be so easy, peaceful, a reprieve from an existance of shouldering the world while also being crushed under the weight of it. with each day a new pebble is added to that mountain. and i honestly don't know how much more i can take until my knees buckle. but everyday i remind myself of every person that crosses and marks my life, every action of kindness, every moment i feel that joyful bright feeling, and i have to tell myself it’s worth it because it is. life is meant to be lived, not survived. i have to take a second and repeat that to myself, but it’s that second that saves me everyday.

  • Carta de Divulgação do Peer2peer

    Caras e caros colegas,   É com grande orgulho que vos anunciamos que a próxima edição do Peer2Peer está a  chegar e, com ela, uma nova oportunidade de fazer a diferença!  O Peer2Peer é um programa de preparação para a entrada no mercado de trabalho, que  tem como fim a sensibilização para a inclusão de pessoas portadoras de deficiência no  mesmo. Como o fazemos? Através de palestras, workshops, da partilha de testemunhos  e até de simulações de entrevistas, que visam capacitar os nossos peers a passarem por  um processo de recrutamento de forma bem-sucedida... mas não ficamos por aí! Cada  peer terá a ajuda próxima de um estudante universitário (como vocês) que o irá guiar e auxiliar nas tarefas propostas.  Este é um projeto que traz benefícios para todos os envolvidos. Por um lado, os  beneficiários têm acesso a uma ajuda próxima e mão amiga que os vai acolher e  acompanhar nesta jornada e, por outro, os estudantes que participam serão  presenteados com uma série de mais valias para o seu futuro, entre elas:  Insights sobre o mercado de trabalho  Aprender a fazer um CV e uma Carta de Motivação (com especialistas em  recursos humanos)  Ter contacto com recrutadores  Fazer uma simulação de entrevista de trabalho (com acesso a feedback valioso,  que poderão aplicar nas vossas entrevistas “a sério”)  Desenvolver soft skills (como a empatia, comunicação interpessoal,  adaptabilidade, etc.)  Tudo isto num ambiente amigável e descontraído, onde podem conhecer pessoas novas e contactar com realidades diferentes.  As inscrições abrem dia 10 de fevereiro em formato online, mas podem inscrever-se  presencialmente dia 19 de fevereiro, à entrada da faculdade. Até lá, estamos disponíveis  para esclarecer todas as vossas dúvidas quando nos encontrarmos aqui na faculdade  e/ou através de mensagem privada.  Estamos à vossa espera!  As Project Managers,  Sofia e Raquel  Link de inscrição: https://forms.office.com/Pages/ResponsePage.aspx?id=DQSIkWdsW0yxEjajBLZtrQAAAAAAAAAAAAMAAYpWeLVUNzlNQ0dOTVBEQzVIQ1JCOENIUUpMNkQ5SS4u

  • Imaginary friend - little silly conversations of a lonely child

    -Are you real? Are you still there? I couldn't find him anywhere He used to talk to me when I was alone But lately he never came home -Are you mad? Tell me, what's wrong? I don't wanna stay here, all alone Although everything eventually goes away I've always believed that you would stay -Won't you come anymore? I'm staring at the closed door Wondering if that was all imagination Just a magical hallucination To have you, my only friend My guardian angel, at the end -You let me alone, how? I don't believe magic now At night when I can't fall asleep I feel like I miss you so deep I sit here and remember Our little silly conversations

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