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  • Happening 2025: "A Esperança vê o que ainda não é"

    Utilizo deste meio para apresentar à comunidade académica da Nova School of Law  o Happening 2025.   Trata-se de uma proposta cultural promovida por universitários, provenientes de diversas faculdades, para todos os universitários, procurando dar luz àquilo que há de bom e interessante na cultura do nosso tempo.  O tema central deste Happening é a Esperança, sob o mote “A Esperança vê o que ainda não é”, excerto do célebre poeta francês Charles Péguy .  Como é que o homem pode manter a esperança nestes tempos de crescente incerteza na política mundial, nas guerras que se vêm a surgir e desenvolvimentos da Inteligência Artificial?   “A esperança é uma certeza no futuro em virtude de uma realidade presente”. Que pretensiosa realidade é esta que nos pode conceder algum tipo de certeza?  Estas e muitas outras perguntas são aquelas que o Happening procura, antes de responder, colocar da forma correta.  Os eventos do Happening começam já amanhã, dia 2 de maio e estendem-se até ao dia 9 de maio, sexta-feira da próxima semana. A proposta conta com um programa holístico e diverso, que inclui a apresentação da peça de teatro “À Espera de Godot”, de Samuel Beckett, a realização da exposição “O que me espanta é a Esperança, de Charles Péguy”, diversas conferências, com Rui Ramos, António Feijó, Nuno Crato e outros, um encontro com o renomado cantor português Samuel Úria e muito mais.  Podem verificar o programa através da página @ac.imprevisto  no Instagram.

  • O silêncio das gavetas

    Acredito piamente que somos todos feitos de gavetas organizadas em cômodas. Afinal de contas, onde guardaríamos as nossas memórias e emoções?  Pensem nestas gavetas e cómodas como um grande arquivo organizado por secções, temas, cores, anos, meses… Eu, por exemplo, tenho uma cómoda onde nas suas gavetas guardo aquilo que me aquece a alma: numa gaveta, o cachecol de abraços da minha melhor amiga, noutra gaveta, luvas que já não me servem tricotadas de beijos na face da minha mãe antes de me deixar no infantário e noutra ainda, uma camisola de lã forrada a “gosto de ti”s trocados aos longos dos anos. Noutra cómoda, guardo o que me traz frescura e leveza: numa gaveta, aquela concha pintada de risos e de pôr do sol, noutra, lenços de cabelo cheios de salpicos de gargalhadas descontroladas entre amigos numa esplanada e naquela guardo uma saia bordada com as primeiras flores de primavera a desabrocharem naquelas calmas tardes de meados de abril quando o Sol passa a ser mais permanente e começa-nos já a beijar as faces do rosto. Todas estas gavetas têm fragmentos de personalidade no seu conteúdo. Têm vida. Têm um bocadinho de mim. Volta e não volta, assim quando me apetece ser nostálgica, abro uma e lá vai ela: mal abro só uma esteirinha começa a libertar o seu sentimento, o seu ritmo melódico, uma das milhares de milhentas canções que correm no meu ser e soltam-se borboletas tingidas de sentimentos puros a refrescar uma sensação aconchegante no peito. E, assim, enche-se a sala rios de risinhos, de conversas arrastadas, de sessões de dança quando se achava que ninguém nos está a ver, de murmúrios doces carregados de nada… Todas estas cómodas e gavetas se encontram em exibição em mim. Ora, não fôssemos nós fruto de experiências, sentimentos e lembranças. Portanto, quem me conhece é porque já viu muito desta grande exposição. Seja porque já me viu a abrir gavetas, seja por fazer parte do conteúdo de X gaveta ou, para os mais sortudos, seja porque eu já os deixei espreitar para dentro de alguma gaveta. Mas desenganem-se se acham que isto tudo se trata de uma exposição pitoresca. Por entre as lindas e coloridas cómodas, existem outras não tão condizentes com a imagem se é que me entendem.  É que há gavetas que já não abro há anos. São aquelas ali que tento esconder no canto, aquelas nas cómodas de madeira cheias de mofo e a ranger. Não as abro, não porque me esqueça delas, mas porque sei demasiado bem o que lá está. Troféus de segundo lugar, um espelho partido, poemas nunca lidos pelos destinatários, palavras nunca ditas, pulseiras da amizade desfeitas, cartas de amor rasgadas, a carta do meu avô nunca lida, um metrónomo avariado que mais parece uma bomba em contagem decrescente...  Mas, contrariamente às outras, quando as abro, o espaço fica embebido em silêncio. Nada de festança, nada de rodopios, nada de música, nada de vibrante, nada de paz (antes tormenta), apenas e só silêncio. E o silêncio barulhento destas gavetas não é só o mero silêncio da sala, é mais denso e pesado. É o som abafado das palavras que não dissemos, das memórias que resistem mesmo sem serem tocadas, prontas a assombrar cada dia, hora, minuto, segundo daqueles momentos a sós. São vozes silenciosas e carregadas de remorsos, tristezas, vergonhas e até raivas imersas. Cada vez que passo por aquelas cómodas naquele canto, sinto um leve estremecer. É como se as gavetas quisessem falar, mas respeitassem a minha escolha de não ouvir.  Não é por isso que me deixam em paz. É nos supostos momentos de tranquilidade, só entre mim e eu, que as gavetas começam a esgoelar-se em silêncio. Deitada na cama, começo a ouvir os suplícios e o pesar. Choros mudos carregados de “Abre-me”, “não te esqueceste do que fizeste no dia…”, “Lembras-te da…, sim, essa mesma, a que te fez passar por…”, “esqueceste-te de mim?” Infelizmente não, não esqueci, é só que o pranto embatucado das gavetas torna-se em lágrimas gritantes minhas, martírios calados viram pedidos de piedade na minha consciência, e assim lá estou eu, a meter o dedo na ferida que teima em não sarar e a abrir uma perra gaveta de madeira sem cor e empoeirada, já inchada da humidade. “Mas então porque ainda tens estas cómodas?”, “Porque puro e simplesmente não despejas as suas gavetas?” Pelo mesmo motivo de manter as “boas” cómodas e gavetas: Guardamos as coisas com o propósito de voltar a sentir a memória e sensações que lhes estão associadas, o problema é que há umas que não requerem vontade de as reviver, mas sim coragem. Além disso, não interessa quanta as vezes as tento abandonar, elas voltam sempre como um espectro: silenciosas, muitas vezes invisíveis, mas sempre a relembrar-me de que estão lá! Por muito que as negue, por muito que fuja, por muito que as esconda, por muito que me faça de cega e muda, elas ali estão: naquele canto cheio de pó, pouco ensolarado com paredes comidas de bolor. É que eu já mudei de casa mil vezes, e nessas mil vezes deixei-as sempre na casa antiga, abandonei-as (tentei). Então como raio, sempre que chegava a casa nova e começava a desempacotar as minhas lindas cómodas e a montar as gavetas, lá estavam elas? Essas feias e velhas, cheias de nada e de tudo, silentes mas berrantes, esquecidas ou lembradas, aparentemente as mais leves mas ainda assim as mais pesadas? O que fazer então com estas cómodas, e sobretudo com as gavetas de interior sombrio e melancólico? Há dois caminhos: ou aceitamos a mobília triste ou aprendemos a restaurá-la. A verdade é que, com o passar do tempo e ousadia, se formos abrindo essas gavetas silenciosamente barulhentas com alguma regularidade, vamos ganhando uma nova perspetiva sobre o seu conteúdo: apercebemo-nos que o que lá está não é assim tão penoso como noutros tempos fora, ou seja, aquilo outrora lutuoso e penumbroso, com os certos tímidos raios de sol, ganha outra tonalidade, menos escura, menos funesta, menos angustiante, mais prometedora. Assim, a cada vez que se abre, remenda-se uma racha e um ego ferido; limam-se arestas e rancores; limpa-se as manchas de pó, bafio e mágoa; noutra vez, mudam-se os puxadores e as conceções e, o toque final, dá-se uma nova pintura em diversificados tons de esperança e cura.  Mas não se iludam. Não importa quantas restaurações façam, aquele canto permanecerá sempre com mobílias forradas a lamentações e mofo. Não importa quantas gavetas esvaziem e pintem, estarão lá outras carregadas de novos medos, inseguranças e tormentas.  Isto é a vida, eu acho. É tentar sempre melhorar e aperfeiçoar o nosso interior, por muito que as gavetas mudas teimem em gritar. E crescer talvez seja isso também: aprender a conviver com móveis cheios por dentro. E, de vez em quando, abrir uma gaveta, mesmo a medo, e encarar o que lá deixámos. É que há silêncios que só se quebram com paciência e bravura.

  • O Papa de todos todos todos

    “Na Igreja há espaço para todos. E, quando não houver, por favor façamos com que haja, mesmo para quem erra, para quem cai, para quem sente dificuldade. Todos, todos, todos.” Papa Francisco (durante as Jornadas Mundiais da Juventude de 2023) Depois do “ Habemus Papam ” de 2013, o mundo ficou a conhecer este homem: Jorge Mario Bergoglio. Escolheu para si Francisco, como Francisco de Assis, santo simples, que viveu na pobreza. Foi o sinal que era preciso.  Nos primeiros tempos, reconhecemos-lhe a humildade e a vontade em personificar uma igreja com menos ostentação, mais próxima ao cidadão comum: sem Prada  e sem palácios, mas com amor às conversas à mesa e ao futebol.  Antes de o ser, o Papa disse que queria uma Igreja com capacidade de “sair de si mesma e ir às periferias”, mas não posso deixar de frisar que o seu legado foi além disso. Iniciou conversas sobre migrantes, mulheres, divorciados e homossexuais. Esteve com outros líderes religiosos. Visitou zonas de guerra e pessoas vítimas dela. Foi verdadeiramente revolucionário numa era em que a revolução já é uma palavra gasta e banal, mas sempre com o coração na humanidade que, afinal de contas, representava.  Foi, acima de tudo, a personificação de uma ética de misericórdia e de tudo aquilo que a Igreja deve ser: um porto aos perdidos e uma semente de esperança e ternura a Deus. Mais do que isto, uma casa aberta – interna e externamente –, e não uma instituição austera e fechada sobre si mesma.   O seu pontificado será recordado por frases e gestos de amor à humanidade. Antes de ser Papa, era um homem – que desejou boa noite aos presentes desde aquela varanda, como quem vê um velho companheiro - com isso viveu e assim morreu.  Que o seu legado viva em todos nós! “Onde houver ódio, que eu leve o amor.Onde houver ofensa, que eu leve o perdão.Onde houver discórdia, que eu leve a união.Onde houver dúvidas, que eu leve a fé.Onde houver erro, que eu leve a verdade.Onde houver desespero, que eu leve a esperança.Onde houver tristeza, que eu leve a alegria.Onde houver trevas, que eu leve a luz.” Oração de São Francisco

  • O fruto proibido

    Tens cara de quem me vai destruir a vida, arrancar o meu coração palpitante, brincar comigo como se fosse um berlinde escarlate e brilhante, e arrasar todas as certezas que já ousei ter. Mas certezas só tenho da morte. Vivo completamente perturbada por dúvidas, deixam-me paralisada e estagnada, penso na minha existência e que nada significo neste mundo, mas assim que entras, ostentando a tua certeza de ser, uma luz de clareza me atinge.  Quero que me destruas e tudo o que significo. Faz de mim o teu projeto mais voraz e, se acreditas que exista, extrai a minha alma até alcançares o tutano da minha essência. Acho que tua essência tem o aroma quente e radiante de laranja, enquanto a minha emana a frieza suave de baunilha. A nossa mistura improvável sabe tão bem, ainda mais porque é errada, as coisas erradas são as mais tentadoras. Talvez não seja hoje, nem amanhã, ou na próxima terça-feira, mas espero pelo dia em que sucumbiremos à nossa tentação.

  • Uma carta de amor nunca antes escrita, ao meu Rafa e à minha Luana

    4 de março  Uma carta de amor nunca antes escrita, ao meu Rafa e à minha Luana Há momentos em que o tempo para e abranda, enquanto eu faço o meu religioso caminho até aos braços do meu querido padrinho, que me deixa envolver no pequeno conforto (que foi crescendo ao longo do tempo) dos seus braços. Um calor humano que dura meros segundos, mas que me tira anos de desconforto, uma pequena rotina que não sei se estou pronta para deixar ir. Assim como duvido demasiadas vezes de quando passará a ser normal deixar de ouvir as insaciáveis histórias que abafam as vozes do caos do nosso bar com a doce e terna voz da pessoa que sempre conheci, e que agora também é casa.  Quando deixará de ser normal, ouvir a minha madrinha chegar e saber naquele momento que as próximas três horas não serão de aulas, mas sim, do pleno convívio reconfortante que ela sempre traz consigo e me diverte, enquanto eu, a deixo falar e tento aprender um pouco da sua essência para poder levar comigo para casa? Encontro-me algumas vezes, talvez demasiadas vezes, a pensar na forma díspar que estes dois seres têm de agir e viver que me reconforta, estranhamente, da mesma forma. Por vezes, encontro-me a observar o jeitinho peculiar que o meu padrinho tem de interagir com os outros, ou então o seu modo pleno de agir quando está verdadeiramente confortável.  Assim como, às vezes me deixo aquecer pelo toque quente e amoroso da minha doce madrinha, que em nada tem medo de mostrar carinho. Ou então, deixo-me vibrar e dissolver em risos quando a ouço do outro lado da linha a contar das mais célebres histórias de amor fracassado.  O que mais se pode dizer destas duas pessoas que tão rapidamente se moldaram no meu pequeno mosaico de personalidade? Que me deixaram ter uma voz no grande mundo deles e que me deixaram florescer sem questionar muitas vezes o que andava a fazer?  Que algumas vezes, foram ouvidos das minhas inúmeras incoerências e quando, mesmo que não entendessem, tantas vezes me tiraram aflições das costas? O que há mais a dizer quando me deito agora nesta cama e penso que no próximo ano não os vou ver com tanta frequência? Quando sei que por um facto que para o ano, os caloiros não vão ter nem metade da sorte que eu tive por conhecer estes dois que tanto me deram em tão, mas tão pouco tempo. E a verdade é que estes pequenos anseios, estes pequenos devaneios, não passam se não de pequenas preocupações que vêm deste amor e admiração que tenho por estes dois pequenos grandes seres, destes finalistas por quem muitas vezes anseio e desejo ter por perto.  E aconteça o que acontecer, sei que não será uma licenciatura que fará com que esta sensação incessante dentro deste meu pequeno coração, que fará com que estes laços de ouro se desvaneçam da minha mente.  À minha Lu e ao meu Rafa, que para além de padrinhos, são meus amigos.  Obrigada por darem o mundo até agora… e obrigada por saberem que continuarei a ser a pequena grande peste das vossas vidas.

  • Louvor amargo ao platonismo

    Uma crítica magoada a Ricardo Reis e a todos os defensores da vida platónica. A todos os que preferem sonhar a viver. Imaginar em vez de sentir. A todos os que, como eu, são cobardes e têm medo de arriscar.   “Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.” Se passamos de qualquer forma, se a nossa existência é efémera e insignificante, porque não fazê-la valer? Viver é sentir cada momento, criar memórias fortes, marcantes, profundas! Porque havemos de nos abster, limitar, auto-sabotar, impedir-nos a nós mesmos de viver e sentir o que queremos? Não é racional, não é normal.   “Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos, Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias, Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro” Porquê ser menos se podemos ser mais? Porque é que “não”, se por dentro gritamos “sim”?! Não quero chegar ao fim e ter apenas para contar tudo aquilo que podia ter feito, mas não fiz. Não quero desperdiçar a minha existência a não fazer o que mais quero. Não consigo admirar à distância, não consigo sentir pela metade. Tenho de viver, sentir, aproveitar, correr, lutar, concretizar. O que é a vida sem ambição? O que são sonhos e objetivos se evitamos cumpri-los?   Ricardo, atiraste Lídia ao rio. Sufocaste-a e afogaste-te com ela. Prendeste-a na tua prisão.   Ricardo, não concordo contigo. Estou revoltada contigo. E estou revoltada comigo. Não concordo, mas entendo. Não é uma escolha, é uma maldição. Ou será o medo da dor no coração?   “Lembrar-te-ás de mim depois Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova, Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos Nem fomos mais do que crianças.” Mas o tempo passa. Mas já não somos crianças. E o que sobra é a lembrança. Mas a lembrança de quê, se nada houve senão imaginação? Será uma memória vazia, incompleta, insatisfeita, verdadeiramente uma memória? Ou será ela uma mera aspiração, mera marca da nossa cobardia?   Nada disto é racional, nada disto parece normal. Mas afinal também eu sou platónica, também eu aprendi “Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas”. Também eu me prendo e me sufoco. Será isto medo ou maldição?   P.S. Este texto não é sobre amor. Este texto é sobre ter medo de viver.

  • Gato

    Os minutos passam, os passos aceleram e a indiferença torna-se um hábito. Afinal, os compromissos diários que não saem do sítio, que não sentirão a indiferença e a falta de afeto, não podem esperar mais dois minutos. Gastam palavras a anunciar ações sem qualquer perspectiva de concretização, afirmam que mostrar um pouco de afeto àqueles que nunca o sentiram antes, devia ser uma obrigação, talvez porque fique bem vestir a pele de alguém que se preocupa com tudo e todos, mas na rua todos olham e ninguém para. E ele, ali fica, parado, no seu canto habitual, a ver todos os movimentos, à espera que uma mão se estenda e deslize pelo seu pelo fora, tudo o que os seus olhos pedem é a empatia de alguém, uma mão quente que pouse sobre o seu pequeno corpo nas manhãs gélidas que se têm feito sentir. Ali fica ele, numa longa e talvez interminável espera, o gato laranja da Avenida Ressano Garcia.

  • 1, 2, 3...

    1,2,3…1,2,3…1,2,3… Conto os passos que dou sem tocar as cores distintas que estão na calçada, um hábito que nasceu em mim desde pequena, acho que já todos o fizemos… As pessoas passam por mim com pressa, às vezes também sou como elas , na verdade, também deveria andar mais depressa… “Olá” A minha pele contrai  e sei que as minhas bochechas devem estar mais vermelhas, está frio , e as minhas mãos também são prova disso, nunca as senti tão frias como agora... “Olá!”  Sim… deveria acelerar o passo , vou perder o autocarro , mas…Não quero voltar para casa, não, não tão cedo. “Estou a falar contigo” 1,2,3…1,2,3… Retorno ao jogo até chegar ao fim da calçada e começar a descer as escadas. 1,2…1,2…1,2… Um pé em cada degrau até chegar à paragem do metro. Aqui está mais quente, também há mais gente, sim, sem dúvida mais gente , mas ninguém parece se importar muito com isso, estão todos tão perdidos…como eu… E eu sinto-a respirar no meu pescoço  e retorno a olhar para o chão, o ruído dos carris faz-se ouvir, os corpos juntam-se mais e, em uma disputa ridícula, enfiam-se como sardinhas enlatadas no metro. “Vais mesmo me ignorar-me?” Uma…duas…três  paragens é o que leva até ao meu destino e o processo repete-se. 1,2…1,2…2,3,1…1,2,3… Sinto o meu rosto molhado e quando vou a ver o chão está molhado e as pessoas correm, correm para não se deixarem molhar, e eu ando, ando sem pressa, sentindo aquela presença  que nunca me abandona atrás de mim. O relógio no meu pulso diz-me que há horas que o meu autocarro se foi, suspiro e vejo a pequena nuvem se formar diante os meus lábios. Agora são mais 30 minutos à espera. À espera de algo que não queria esperar. “Sempre podes ficar” Sinto a garganta queimar com o fumo que agora me preenche os pulmões. Pulmões que a cada dia que passa mais obscuros ficam…consequências de um vício…assim como a brincadeira da calçada, não sei muito bem quando surgiu. + 15 minutos, + 15 minutos e estou em casa… + 15 minutos… Não queria que faltasse tão pouco, mas não queria senti-la atrás de mim… ela está sempre aqui …à minha espera… E aqui vamos nós outra vez…  1,2,3…1,2,3… 1,2,3  carros vermelhos que passam na rua “mas diz-me uma coisa, porque é que não queres falar comigo?” + 5 minutos… Já há mais gente na minha paragem, e já vou no meu terceiro cigarro e eu continuo sem querer entrar neste autocarro… As minhas mãos continuam frias e a chuva continua. E esta presença continua aqui atras de mim. + 1 minuto… O autocarro está aqui, as pessoas começam a entrar. “Sabes que nunca é tarde de mais para desistir?” Um sorriso se forma nos meus lábios quando cumprimento o senhor do autocarro. “Antes ir para casa do que estar aqui contigo” Penso para mim mesma enquanto me sento a olhar pela janela  a ver a minha companheira de viagem do outro lado da paragem. “Sabes que amanhã vou estar aqui…” “Sim… mas pelo menos hoje ficas por aí”

  • Por um ensino que ensine

    As universidades, enquanto sistemas de ensino, são uma piada de mau gosto: eu tinha melhor ensino na creche. Não nos enganemos, a Nova School of Law é das melhores faculdades do país: bem falada, bem vista, boas oportunidades para quem cá passa. Mas tudo isso deriva da sua reputação, uma mistura poderosa entre um bom marketing e excelentes conexões, fatores em que nada relevam para as condições pedagógicas da instituição. Para os que cá chegam, ainda por cima, por sua escolha, talvez o maior choque, depois de tão bem ouvir falar da virtude do ensino superior, seja ser confrontado com o desinteresse em ensinar pela maior parte do corpo docente. Em contraste com os professores que os acompanharam por 12 anos, que tinham como objetivo principal, pois, ensinar, são agora confrontados com políticos, advogados societários, e investigadores, que encaram as aulas como um passatempo com o qual não vale a pena passar muito tempo. Se algum dos problemas que daqui surgem são óbvios, como atrasos em entregar exames e responder a mails , há um em particular, mais subtil, e muito mais insidioso: as aulas são uma seca do caralho.  Chegando às primeiras aulas, os alunos categorizam as cadeiras rapidamente entre “vale a pena ir”, e “não vale a pena ir”. Muitas caem na segunda categoria, especialmente se não houver avaliação contínua. As opcionais em particular – na qual se incluem a boa parte das cadeiras multidisciplinares, marco da nossa instituição – tornam-se desertos a meio do semestre. Os estudantes estudam, por si só, por sebentas e manuais, em bibliotecas e salas de estudo, longe das aulas, longe dos professores.  As propinas pagam-se pelo privilégio de fazer os exames. “O futuro está na tua cabeça”, pois, porque é só com a nossa própria cabeça que podemos contar.  O lado positivo, é que nada disto é irremediável. Há excelentes professores nesta faculdade – 3 ou 4, mas há – que, com as suas capacidades, me incutiram interesse e até paixão por várias áreas do Direito – o ideal platónico do que o ensino deveria ser. Eles têm a minha eterna gratidão, e preveniram-me de cair na completa descrença quanto à classe docente. E, também felizmente, a Nova, enquanto faculdade, é perfeitamente banal nos seus problemas: a falta de um bom ensino no ensino superior assola todo o Portugal. Ouvimos histórias de terror de outros reinos, de absolutos tiranos, desde os que se orgulham de ensinar mal, se orgulham de não dar boas notas, se orgulham de assediar estudantes. Para as críticas que cá teço, seriam piores para outras instituições, mas acredito piamente que provêm das mesmas causas – uma falta de visão crítica quanto à pedagogia do ensino superior, em que os docentes são, primeiro doutores, e só muito depois, professores.  A solução passa por um repensar do ensino superior. Passa por uma reformulação do sistema de tenure , que torna os catedráticos, para todos os efeitos, intocáveis. Passa por uma separação do investigador, do professor, criando um docente que seja versado na pedagogia. Passa pela inspeção, como se faz nos restantes níveis de ensino, das aulas, e da avaliação estatal da qualidade do ensino.  Com estas, e outras opções, talvez, um dia, a universidade seja uma escola.  Até lá, vemo-nos na biblioteca.

  • No outro dia foi dia da mulher

    No outro dia foi dia da mulher. A minha mãe estava stressada. Tínhamos de ligar à avó. ⁃ Mas porquê mamã? - perguntei eu. ⁃ Porque é mulher. - responde-me ela.  E eu interrogo-me porque não tem também ela tanta pressa para ligar à avó quando são as eleições e a vovó teima em insistir que não vota. Afinal, isso são coisas de que trata o avô.  No outro dia foi dia da mulher. Fui ao centro comercial e vi filas e filas à porta das lojas e perguntei à minha mãe: ⁃ O que está a acontecer? ⁃ Estão a dar kits de ofertas! - responde-me ela. ⁃ Porquê? - perguntei eu.  ⁃ Porque somos mulheres - diz, enquanto nos conduz para a fila . E eu pergunto-me se não são estas mesmas empresas, hoje a dar “presentes”, que ainda não pagam a cada uma destas senhoras que está na fila aquilo que pagariam a um homem pelo mesmo trabalho?  No outro dia foi dia da mulher.  À hora de jantar era o papa que vestia o avental e eu espantada gritei: ⁃ Mamã, hoje não és tu a cozinhar? ⁃ Não filha, hoje é o teu pai a fazer tudo! ⁃ Mas porque mamã? ⁃ Porque é dia da mulher! Na verdade, o que queria mesmo saber é o porquê de nunca antes o ter visto de avental, de esfregona ou de esfregão? Como é que alguém em pleno 2025 ainda se derrete com um gesto tão banal quanto a simples divisão de tarefas? No outro dia foi dia da mulher. E eu juro que não sou contra o dia da mulher, só gostava que a sociedade deixasse de o superficializar com presentinhos e flores, e passasse a encará-lo como um dia para homenagear a luta travada pelas nossas ascendentes, em prol dos direitos das mulheres, e acentuar o longo caminho que ainda falta percorrer rumo à paridade.  -Sissi, 9 de março de 2025

  • Os ecos do destino

    No campo da ilusão, o farol apagado, O líder da causa sem causa, caminha perdido, E a sua voz ecoa, mas não é de facto a verdade, Mas uma sombra de promessas, num futuro esquecido. O peso das palavras cai como rendas dobradas, Em casas de sonhos que o vento levou, Onde a grandeza não é mais que fachadas, E o reflexo do ouro é apenas o que restou. Entre discursos, o eco ressoa, mais lento, Na cidade onde a esperança é moeda perdida, Tomam as promessas, com um riso impetuoso, Mas só quem pode pagar é quem tem a vida garantida. O tempo encolhe como um fio de veludo, Cortado, repensado, sem mais noções claras, As esperanças dos outros ficam no fundo do escuro, E o peso do relógio, este é o valor das caras. Quem tem o poder diz o que não sente, Desenrolando um futuro onde o "nós" é um só, Entre a rendição e a luta, quem mente, Torna-se aquele que ao fim do dia ficou só

  • Desculpa, Florbela

    Desculpa, Florbela, que hoje escrevo em vão, Que hoje me perco na sombra e na fala, Que faço das letras um pobre refrão, Cantado sem voz, sem alma, sem gala. Há quem se esconda por medo ou por glória, Há quem se erga sem nunca cair, E há quem se perca, na própria memória, E escreva sem nunca se ouvir. Aqui se grita sem ter quem escute, Aqui se cala quem pensa demais, E os que se vestem de penas e luto, São os mesmos que lançam punhais. Falam de tudo, mas dizem tão pouco, Enchem-se em rimas de um falso saber, Erguem-se altos num palco já oco, Lutando por glória sem nunca a ter. De um lado, a pose que nada revela, O grito vestido de grande opressor. Do outro, o espelho que mente e se quebra, E finge que é justo, mas só é rancor. Falam sem medo, mas falam de lado, Escondem-se todos na voz de ninguém, E quando se veem no espelho rasgado, Culpam o vidro, mas nunca o que têm. A voz que se esconde na voz dos demais, Que julga tão alto sem nunca pensar, Que ri de um verso que jaz nos umbrais, Que esmaga a verdade sem a escutar. Ai, deixa-os, vida, dançar sem sentido, Vazios de causa, de alma, de paz, Que um dia a brisa, tão fria, tão lenta, Apague estas vozes que falam demais.

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